O populismo é uma moléstia de vida longa, contagiosa, e não morre de morte natural
06 outubro 2022 às 11h09
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O líder populista não tem compromissos com ideias e ideais, são oportunistas. Tanto os há com viés de esquerda como de direita
O líder populista não tem compromissos com ideias e ideais, são oportunistas. Tanto os há com viés de esquerda como de direita
Desde as primeiras ideias de democracia na Grécia Antiga até aos nossos dias muita coisa mudou. Idealizada para ser um governo de filósofos eleitos por uma elite — os homens livres e proprietários de terras —, não é mais. Com a dinâmica da sua evolução tem agora os governos eleitos pelo voto universal — um voto sem qualificação. O poder mudou de mãos.
Platão (428 a.C.-348 a.C.), filósofo ateniense, autor do livro “A República”, temia o governo eleito pelas massas. Tinha restrições a dar poder de voto ao povo. Democracia sim, mas qualificada. Segundo ele, o governo deveria ser exercido pelos filósofos — Sofocracia ou “governo dos sábios”, que entendiam da administração. Em defesa da sua tese, ele perguntava: “A quem deve ser entregue o comando de um navio? Ao mais qualificado ou a um escolhido pelos marinheiros?” Antevia por intuição a ameaça do populismo.
O norte-americano James Madison, Jr. (1751-1836), conhecido na história de seu país como um dos Pais Fundadores da nação e considerado o principal dos redatores da Constituição americana, externava também preocupação com a democracia popular. Previa que a nação poderia tornar-se “uma massa de carentes ávidos por apropriar-se dos bens alheios”.
Até a criação dos Estados Unidos da América (1776), com a libertação da Inglaterra, a organização das nações sob a égide da democracia praticamente caiu em desuso. O mundo, desde a experiência grega, foi por séculos governado por regimes autoritários: ditaduras e monarquias. A democracia só ressuscitou na recém-criada nação americana, que inspirou as nações libertadas das monarquias. Entre elas o Brasil.
Após a Proclamação da República (1889) não se praticou a democracia por aqui. Os governos brasileiros foram exercidos por ditadores ou escolhidos em eleições manipuladas, sendo notórios os currais eleitorais, o voto de cabresto e a política café com leite, que alternava o poder entre São Paulo e Minas Gerais. Com o fim da ditadura Vargas, tem início a prática de eleições democráticas no país, excetuada a intervenção militar (1964-1985).
As previsões de Platão e de Madison, das maiorias avançarem sobre as minorias, realizaram-se, primeiramente na Itália com Benito Mussolini (entre as décadas de 1920 e 1940), e predominantemente na América Latina. Os demagogos tiraram proveito do populismo. Destacando-se Getúlio Vargas no Brasil e Juan Domingo Perón na Argentina. O populismo encontrou terreno fértil na região: ignorância, pobreza, uma cultura propensa ao “pai protetor” e ao líder carismático. Neste sentido Vargas, “pai dos pobres, “foi um precursor com as suas políticas populistas, o welfare state inspiradas em Bismarck, cuja herança maldita foram as Leis Trabalhistas e a Justiça do Trabalho.
Perón, na Argentina, foi um populista mais ousado do que Vargas. Por isto os danos foram maiores. Os “descamisados” avançaram na riqueza acumulada¹ e destruíram a que foi uma das mais ricas e desenvolvidas das nações do mundo. O seu governo é um exemplo dos estragos do populismo. Distribuiu riqueza acumulada para gerar pobreza.
O populismo, na perspectiva histórica, tem vida curta no Brasil, mas plena de presidentes demagogos. O suficiente para estiolar o dinamismo da economia. O populismo é uma moléstia de vida longa. Não morre de morte natural. E é altamente contagioso. Está em prática, além dos exemplos citados, em muitos países, ameaçando inclusive os Estados Unidos da América — que tem sido o modelo de democracia.
Como registro, por ser uma exceção à regra, há que se citar o Chile, que conheceu o populismo de Allende, superou o populismo do governo Michelle Bachelet, votando esmagadoramente contra uma nova constituição populista. Não por menos tem a maior renda per capita da América Latina. Enquanto a Argentina decreta feriado nacional, com milhares de simpatizantes nas ruas, para “comemorar” o atentado com revólver de brinquedo contra a vice-presidente. O Chile faz por merecer ser rico…
O populista é um líder carismático, que tem como único objetivo o culto à sua personalidade e a manutenção do poder. Apresentam-se com a imagem de vítimas, perseguidos, mas capazes de realizar a redenção dos sofredores. Não tem compromissos com ideias e ideais, são oportunistas. Tanto os há com viés de esquerda como de direita.
O populismo coroe a democracia. É como uma ferrugem que oxida os metais. A partir do livro “O Populismo — O Corrosivo da Democracia”, de Fernando Flora, sintetizo o decálogo do populismo:
1 – o populismo exalta o líder carismático.
2 – O populista não só usa e abusa das palavras, ele se apodera delas.
3 – O populismo fabrica a verdade.
4 – O populista, na variante latino-americana, utiliza de forma discricionária os fundos públicos, até levar os negócios públicos à falência.
5 – O populista reparte a riqueza. Fica com a parte do leão e atira migalhas ao povo.
6 – O populista alimenta o ódio de classes.
7 – O populista mobiliza permanentemente os grupos sociais.
8 – O populismo fustiga o inimigo exterior. Nada como ter um bode expiatório.
9 – O populista despreza a ordem legal.
10 – O populista considera-se “especial”. Destinado a se perenizar no poder. Tem natureza totalitária, daí ser perigoso para a democracia.
Nos bons tempos o inimigo do Brasil era a saúva. Bons tempos. Agora são os populistas. Tristes tempos. Ou o Brasil acaba com os populistas ou eles vão acabar com o Brasil.
Notas
¹ Ao início do governo Perón, o Banco Central Argentino tinha reservas em ouro, o equivalente ao gasto pelo Plano Marshall , que recuperou toda a Europa dos estragos da segunda guerra mundial.
² “O Populismo — O Corrosivo da Democracia”, de Fernando Flora (Kindle, 64 páginas).