Na contramão do STF e do Brasil, alguns deputados ainda tentam manter o financiamento privado de campanha
25 abril 2014 às 08h56
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Em dezembro do ano passado, o STF começou a julgar uma ADI (Ação Direta de Inconstitucionalidade), ajuizada pela OAB, que questiona a constitucionalidade do financiamento privado de campanhas políticas. Até o início de abril, seis ministros (ou seja, a maioria) já haviam se posicionado pela procedência da ADI (e consequentemente contra o financiamento privado), e apenas um, Teori Zavascki, teve posição contrária à ADI. O ministro Gilmar Mendes, no entanto, pediu vista e o julgamento foi suspenso. Nada que deva mudar os rumos do julgamento, o que significa que, em breve, muito em breve, muito provavelmente, o financiamento de empresas às campanhas será proibido e o financiamento de pessoas físicas terá regras mais claras e, sobretudo, mais justas.
Mas há um grupo de deputados que tenta de maneira desesperada colocar água no chope do STF, antes que este faça o mesmo no chope deles. Aos que não se lembram, um grupo de trabalho criado às pressas pelo presidente da Câmara Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN) em resposta aos protestos de junho do ano passado aprovou, em novembro, uma antirreforma política horrorosa que, se aprovada, teria a proeza de piorar o nosso já péssimo sistema político-eleitoral. E esse grupo é liderado justamente por Henrique Alves, junto com Eduardo Cunha (PMDB-RJ) e Cândido Vaccarezza (PT-SP). E o que reúne esses três nobres parlamentares? Eles tentam apressar a tramitação da antirreforma política que, entre outros pontos, manteve o financiamento privado e sequer discutiu um teto para as doações.
Agora ficou mais claro para todo mundo o que, até então, era apenas, e no máximo, uma suspeita. Refiro-me à estranha mudança do nome de Henrique Fontana (PT-RS) pelo de Vaccarezza para a coordenação do grupo de trabalho criado em junho – algo arquitetado por Henrique Alves. Estranho, pois Fontana havia passado a atual legislatura inteira construindo e costurando uma proposta de reforma política. Uma boa proposta, por sinal. E agora todo mundo entendeu a jogada (embora muitos já tenham desconfiado): Vaccarezza era “parça” de Alves na luta contra o financiamento público exclusivo de campanha e a favor da manutenção do financiamento privado. Por isso, o primeiro passo seria limar Fontana, um dos principais defensores do financiamento público e quem estava, até então, articulando a aprovação de uma reforma de verdade. Como todos puderam ver, a jogada deu certo. Isso até o STF entrar na discussão para fazer, mais uma vez, o que o Legislativo teima em não fazer.
A boa notícia é que a tentativa desse grupinho de continuar com essa mina de ouro chamada financiamento privado não deve ir muito longe. Além do PT, o PSB, PDT, PCdoB e o PSOL se mobilizam para derrubar a proposta de antirreforma. Mas é bom ficar de olho…
Algum leitor mais atento pode ter questionado: pera aí, mas o Vaccarezza não é do PT? E o PT não é contra o financiamento privado? De fato. Como outros partidos, o PT é historicamente contra o financiamento privado de campanha. E no fim de março, militantes petistas protocolaram ao partido em São Paulo um pedido de impugnação da pré-candidatura a deputado federal de Vaccarezza. Realmente: talvez o deputado se sentisse mais à vontade no DEM, por exemplo.
Em tempo: enquanto escrevo este texto, vejo no Jornal Nacional que mensagens eletrônicas trocadas entre o doleiro Youssef e o (quase ex) deputado André Vargas (PT-PR) indicam uma possível participação de Vaccarezza nos esquemas do doleiro. Mas isso são cenas para os próximos capítulos. Não vamos nos antecipar com denúncias vazias. As investigações prosseguem.
Mas vamos combinar: André Vargas, que é amigo de Cândido Vaccarezza, que é amigo de Eduardo Cunha… é impressão minha ou há um cheiro estranho no ar?