Homens que vendem a alma não são confiáveis; Thomas Morus preferiu ser decapitado
20 agosto 2023 às 00h01
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Contada como piada, mas na verdade um retrato do caráter dos humanos, é a história do conquistador barato abordando uma possível vítima. Insistente, ele diz: “Você é muito bonita. Gostaria de levá-la para uma noitada. Vamos marcar?” Ao que, indignada, ela refuta: “Sou uma mulher casada, tenho princípios éticos e morais, sou uma pessoa de convicções. Passe bem”.
O conquistador não se deu por vencido e diz: “Escuta a minha oferta. Eu lhe dou um casaco de peles e uma noite no Ritz”. Ela vira a cara com desprezo. Ele promete um automóvel. Nada. Aumenta a oferta até prometer 1 milhão de dólares, pagos adiantados. Ela balançou. E responde: “Quando seria essa tal noitada?”
Foi surpreendida com a resposta: “Nunca! Só queria saber o preço das suas conveniências para abrir mão das suas convicções. Agora sei: ‘Você se vende por um milhão de dólares’”.
Cabe perguntar como sequência desta pilhéria: todos temos um preço para as nossas convicções?
Thomas Morus não. Foi decapitado por recusar-se a pagar esse preço. Lord Chanceler do Rei Henrique VIII — o Barba Azul — não abriu mãos do princípio da Igreja de ser o casamento um sacramento sagrado, ao recusar intermediar com o Vaticano a dissolução do matrimônio do rei. Ficou na história o seu encontro na prisão da Torre de Londres, quando a sua filha suplicava que cedesse ao desejo real para não ser decapitado. Argumentava: “Se não for por você, o faça por nós, a sua família”. Ele permaneceu irredutível: “Minha filha, a grande maioria dos homens deixa-se levar pelas conveniências. Poucos, pela convicção. Eu quero ser um deles”. E teve a cabeça decepada, mas não cedeu às conveniências. “Eu não vendo a minha alma!”
Aí estão dois casos — uma piada e um fato histórico — que fazem toda a diferença. Os homens de convicções são confiáveis. Pode-se prever as suas ações. Estão fundeados em bases sólidas, independentemente de estarem certos ou errados. Já os seres de conveniência não o são. Mudam de posição de acordo com o seu oportunismo. Se a nossa personagem que inicia este ensaio tivesse como convicção a infidelidade e não a fidelidade, a sua decisão não seria incoerente. Seria natural. Mas as suas convicções eram relativas às oportunidades. Portanto, não há de haver razão para confiar num adepto das conveniências. Eles têm o seu preço para cada situação.
Na história da humanidade os homens de convicções fizeram a história, para o bem e para o mal. Os homens de conveniências só serviram para o mal. Como é natural somos governados pela maioria — os oportunistas, que agem de acordo com os seus interesses pura e exclusivamente. Raros são os líderes que se podem equiparar a um Thomas Morus. A maioria pauta-se como a moça da piada. Vendem até a alma.
É raro entre nós, dando destaque a prática política, heróis das convicções. Em recente entrevista a uma rádio gaúcha, o presidente Lula da Silva, entre outras das suas costumeiras escorregadelas, disse duas que desapontam. Disse ele: “A democracia é relativa” e “acredito na democracia por conseguir me eleger, senão não acreditaria”. Em outra ocasião relativizou a condenação por crime de roubo de um pão. Se tudo é relativo, nada é absoluto — tudo é permitido. Nada é crime, nada é pecado.
Olhadas essas declarações, sob a ótica psicanalítica, elas serão classificadas como fortes sinais de um caráter moldado nas conveniências. As oportunidades determinam o curso das ações. Um pragmático vê o bom no que convém, independentemente de valores ético-morais. Um idealista, no que está de acordo com as suas convicções.
Como confiar em um homem que vende a alma?