Por que as nações não negociam nas suas próprias moedas? Por que ter o dólar como moeda de troca? Simplesmente por ser mais simples e econômico ter uma terceira moeda para fazer o clearance. Assim como o dólar, ninguém é obrigado ao uso do inglês como idioma comercial.

O presidente Lula da Silva disse na China que todas as noites perde o sono pensando na razão das pessoas insistirem em usar o dólar nas suas transações. Certamente ele não atentou à história econômica para poder ter tido tal dúvida. Se o tivesse feito, saberia que as moedas, inclusive o dólar, existem basicamente porque as pessoas confiam nelas.

A humanidade existe há mais tempo do que as moedas. Nos primórdios as trocas eram informais. Os bens e serviços eram trocados sem levar-se em conta o seu valor. O câmbio era dispensável por estarem disponíveis todos os bens desejados. A natureza era pródiga com os primeiros seres humanos. Tudo pela abundância não tinha valor estipulado.

As primeiras trocas surgiram quando a economia começou a sofisticar-se. A especialização exigia o intercâmbio. Quem detinha algum bem ou serviço satisfazia as suas necessidades nas trocas. Foi na fase do escambo que certos bens se tornaram referências de valor, como o sal, as conchas, o boi…

Moeda chinesa | Foto: Reprodução

Evidentemente, com o aumento da variedade de bens e serviços a serem trocados, o modelo exigia uma nova solução. Acresce o fato de que nem sempre as partes desejarem usufruir dos produtos de imediato. Assim surgiu a invenção da moeda para permitir não só a troca como também ser uma reserva de valor.

As primeiras moedas foram cunhadas com metais escassos e tiveram ampla aceitação. Um passo à frente foi a criação dos bancos, que no início prestavam o serviço de guarda e instrumento de remessa de valores entre cidades.

Os bancos de simples depositários evoluíram para o aluguel do dinheiro. Inovando com a descoberta dos juros para estímulo da poupança e do investimento.

A criação das moedas nem sempre foram monopólio dos governos. Época houve em que bancos emitiam moeda. O poder de emissão dava ampla flexibilidade ao emissor e terminavam por ser monopolizadas pelos governos. O que limitou ao cidadão a liberdade de escolha.

Euro: moeda europeia | Foto: Reprodução

A liberdade hoje existente, ainda que sujeitas a controles governamentais, dão opções de moedas dos muitos países. Não mais existe no mundo a moeda emitida por entidades privadas. Esta uma ideia defendida pelo economista Friedrich Hayek no seu livro “A Desestatização do Dinheiro”.

Com o fim do Império Britânico e o apogeu americano, na reunião de Bretton Woods, a libra foi substituída pelo dólar, tendo como lastro o ouro. Lastro que foi abandonado pelo governo do presidente Richard Nixon em 1971. Ficando o dólar tão somente sendo aceito por sua conversibilidade universal. Uso difundido pelo acordo entre os Estados Unidos e a Arábia Saudita para que o dólar fosse a moeda das transações do petróleo.

Mesmo após a perda do lastro em ouro, o dólar se impõe no mundo por ter as três condições exigidas para ser um instrumento mundial de trocas:

1

Disponibilidade — moeda da maior economia do mundo;

2

Conversibilidade — universalmente aceita;

3

Confiança — originada pela segurança jurídica das leis americanas.

Lula da Silva e o retorno do escambo

Nenhuma outra moeda reúne as três condições. O euro, criado para substituir o dólar, não logrou senão um lugar secundário nas transações. O renminbi, outro candidato, ainda que possa ter as duas das primeiras condições, carece da terceira. A China é uma ditadura com pouca tradição de respeito aos mercados. Não inspira confiança. Portanto, o dólar terá vida longa como moeda internacional.

O poder de emissão tem permitido aos Estados Unidos financiar os seus gigantescos déficits com emissões de títulos dos tesouros. É o produto americano mais desejado no mundo.

O dólar não só tem enorme poder econômico como transformou-se em um instrumento de poder político. Os Estados Unidos controlam de forma direta ou indireta toda a movimentação financeira no mundo. O mantra “siga o dinheiro para identificar o crime”, criou uma burocracia insuportável para as movimentações de recursos financeiros.

É relevante ter presente que ninguém é obrigado a aceitar o dólar. Existem muitas alternativas: euro, libra, iene, reais…. Por que o dólar, sem lastro ouro, domina o comércio internacional?

Por que as nações não negociam nas suas próprias moedas? Por que ter o dólar como moeda de troca? Simplesmente por ser mais simples e econômico ter uma terceira moeda para fazer o clearance. Assim como o dólar, ninguém é obrigado ao uso do inglês como idioma comercial.

Eliminar uma moeda universal para as transações internacionais, adotando moedas locais — ideia do presidente Lula da Lula — é retroceder ao escambo. Seria, se possível fosse, um regresso ao passado.