Brasília, economicamente, é um zero à esquerda: só produz leis e é o poder que distribui recursos

27 agosto 2023 às 00h02

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O mérito de Romeu Zema foi colocar sob a luz solar um estado de ânimo que não contribui para o nosso desejo de ter a unidade nacional preservada
Somos uma nação continental e queremos continuar sendo. Custou- nos séculos para preservar a unidade nacional. Lutamos contra os franceses, holandeses e expulsamos os colonizadores. Os bandeirantes alargaram as nossas fronteiras. Tudo à custa de sangue. Foram séculos de sacrifícios. Não devemos permitir que insatisfações regionais ponham em risco esse valioso patrimônio.
Nessa trajetória, o centro político e econômico do Brasil mudou de regiões. Salvador foi sede do governo de 1549/1763; Rio de Janeiro de 1763/1960; e Brasília desde 1960. Os diversos ciclos econômicos — extração do pau-brasil, cana de açúcar, do ouro e do café — induziram o estabelecimento do poder político.
Brasília tornou-se a capital do Brasil a despeito de não ter nenhum poder econômico. Foi um ato político com vistas a interiorização do poder. A não ser o Rio de Janeiro, que foi esvaziado, nenhum Estado ficou contrariado com a nova capital. Prevaleceu o desejo nacional de uma federação.

Brasília, economicamente falando, é um zero à esquerda: não produz nada, só leis. Porém é o poder central que distribui os recursos arrecadados. As proporções não seguem os critérios da distribuição per capita, mas o jogo político. Uns valem menos do que os outros, dependendo da sua região. Os Estados menos favorecidos detêm uma desproporcional maioria na Câmara dos deputados — que tem poder sobre os critérios os gastos públicos. Um voto do cidadão do Sul elege menos representantes do que do Norte e Nordeste. De um total de 513 deputados, São Paulo está limitada a 70 cadeiras em uma forte desproporção ao número dos seus habitantes.
Essa desigualdade tem sido tolerada. Ainda que haja um sentimento crescente de insatisfação. A ponta desse ressentimento aflorou na última eleição em que praticamente o Nordeste elegeu um presidente indesejado pelo Sul. E agora o governador de Minas Gerais, Romeu Zema (Novo), levanta a voz para propor um Consórcio dos governos estaduais das regiões Sul e Sudeste para atuar politicamente em igualdade de condições com as forças políticas do nordeste, organizadas no Consórcio Nordeste, sob a presidência do governador da Paraíba. Se é legítimo uma parte organizar-se politicamente, também o é da outra.
A proposta de Romeu Zema é uma moeda de duas faces: há de um lado os que entendem que a iniciativa será uma resposta aos ressentidos e que como consequência do jogo aberto contribuirá para a unidade nacional; de outro lado, há os que veem na iniciativa um estopim de discórdia.
Estamos como o garoto que abriu a garrafa mágica e liberou o gênio. Não há como prendê-lo outra vez. O tema está na pauta. Não será fugindo dele que teremos melhoras na pacificação das ideias. A iniciativa do governador Zema tem o mérito de ter trazido à tona uma realidade. Diz ele com razão: “O Sul deve se organizar para defender os seus pobres. Não há pobreza só no Nordeste. Há muita no Sul”.
E eles merecem participar da distribuição do bolo.
Zema não criou um problema. Ele existia encoberto. Trazer à luz é encaminhar para uma solução. O Nordeste não tem o direito à exclusividade de lutar por seus interesses. O que o faz bem tendo inclusive, uma contrapartida do consórcio dos governos estaduais das regiões Sul e Sudeste. É do debate aberto que surgirão as respostas aos insatisfeitos. O mérito do governador foi colocar sob a luz solar um estado de ânimo que não contribui para o nosso desejo de ter a unidade nacional preservada. Ignorar o desafio é tentar tapar o sol com uma peneira.