A democracia
29 setembro 2024 às 00h00
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Os jovens não conhecem a fantástica história do Cacareco. Era uma rinoceronte fêmea do Zoológico do Rio de Janeiro emprestada ao Zoológico de São Paulo que nas eleições municipais de outubro de 1959 da cidade de São Paulo recebeu cerca de 100 mil votos para vereador.
À época, a eleição era realizada com cédulas de papel e os eleitores escreviam o nome de seu candidato de preferência. Cacareco foi um dos mais famosos casos de voto de protesto ou voto nulo em massa da história da política brasileira, uma vez que se tornou a “candidata” mais votada do pleito: o partido mais votado no total de todos os candidatos não chegou a 95mil votos.
Ao anuncio da chegada do animal, que foi muito divulgada na imprensa, os muros da cidade, como deboche, sugeriam o voto no Cacareco para vereador. Na mesma linha, anos depois os votos de protesto elegeram com expressiva votação para deputado federal o palhaço Tiririca, cujo e slogan era — “com Tiririca , pior não fica”.
O voto de protesto ou nulo, em uma figura caricata, um animal, um palhaço ou um aventureiro, é um instrumento do cidadão para demonstrar a sua insatisfação com o governo. Na época, votar no Cacareco era um protesto contra a baixa qualidade dos candidatos e da qualidade de vida.
Agora a historia se repete. Estamos em plena campanha eleitoral e assim como no passado a população esta desiludida dos políticos e insatisfeita, no plano federal, com a degradação moral, a corrupção e uma política econômica equivocada, que não dá esperanças de dias melhores.
No plano municipal, na cidade de São Paulo, a frustração com o governos municipais se dá pela piora das condições de vida: não há segurança pública, os bandidos tomaram conta da cidade; a pavimentação parece uma peneira; o trânsito exige horas para se percorrer poucos quilômetros… e por aí vai. Há consciência de que os políticos só fazem politica pela politica. Não há um único item pelos quais se mede a qualidade de vida a merecer um elogio.
No meio político, tudo se resume á próxima eleição. Em uma inversão da célebre definição de Abrahão Lincoln: a democracia tornou-se um governo do governo, pelo governo e para o governo. Nesta simulação de democracia ao povo só sobram as migalhas.
É com este pano de fundo, que gera a insatisfação atual com os governantes, que teremos as eleições municipais paulistana. A novidade foi o surgimento de um outsider a despontar nas pesquisas de intenção de voto. Pablo Marçal, um influenciador, vindo de Goiás, não da África e nem de um circo, catalisa os votos dos descontentes. Um desconhecido sem passagem pela política, sem o apoio dos caciques partidários, sem freio na boca , que, nas entrevistas, agride de forma irreverente os jornalistas e os seus adversários para gáudio dos não esquerdistas.
Independente da qualidade do seu programa, uma piada, do seu Curriculum, questionável, dos caciques dos partidos, na oposição, mas com uma legião de seguidores e uma campanha agressiva contra o establishment, muitos eleitores ( que repudiam o atual estado de cousas ) pretender votar nele. É uma repetição do fenômeno Cacareco e Tiririca. É um protesto em forma de voto.
Na sua sabedoria o povo acredita que Deus escreve reto em linhas tortas. A eleição de um adventício, que não faz parte do sistema, que não se curva a uma ideologia socializante e não abaixa a cabeça à imprensa comprometida, pode ser — ainda que não faça um bom governo — uma escrita reta em linhas tortas. Não dá esperança de um bom governo, mas de ter melhores candidatos no futuro. Oxalá os partidos e os políticos respeitem a democracia de Lincoln que é o governo do povo, para o povo e pelo povo.