O que ainda mantém o discurso externo no partido mais ou menos unificado é a disputa. Quem vencer reinará sobre a desunião

Empresário Júnior Friboi, neófito no PMDB, e Iris Rezende, grande líder do partido: quem vai ganhar a guerra intestina? | Foto: Lenadro Vieira/Divulgação PMDB
Empresário Júnior Friboi, neófito no PMDB, e Iris Rezende, grande líder do partido: quem vai ganhar a guerra intestina? | Foto: Lenadro Vieira/Divulgação PMDB

O discurso de Iris Rezende e Júnior Friboi pela unidade do PMDB é idêntico. Os dois dizem que vão respeitar a decisão majoritária da militância e demais dirigentes nesse processo de escolha. E só. A tal unidade termina exatamente aí. Desligados os microfones, a coisa muda de figura. Friboi passa o tempo todo estocando o fígado de Iris e igualmente leva pancadas fortes em seu próprio fígado. Um não acredita no outro e a recíproca é verdadeira. Por mais que falem publicamente que é uma disputa interna, entre amigos e que o verdadeiro inimigo está do lado de fora, o clima entre eles é tão ruim que precisam de interlocutores para trocarem algumas palavras. É aí que o bicho está pegando no PMDB.

Mas como chegou a esse ponto? Difícil demais apontar um ou outro momento. É o conjunto que desandou. Talvez tenha começado logo no primeiro momento, quando Friboi se mexeu para desembarcar no PMDB. O normal seria procurar Iris Rezende e demonstrar interesse, se comprometer politicamente e ganhar o apoio. Ele preferiu a proposta mais rápida, mais alta e mais ousada ao buscar a avenida nacional através do vice-presidente Michel Temer. Chegou atropelando.

Muitos peemedebistas, todos eles atualmente engajados à uma candidatura de Friboi, desmentem essa entrada triunfal dele no PMDB goiano. Apon­tam que o empresário foi convidado a se filiar ao partido. Mas os fatos desmentem isso de forma peremptória. Primeiro, pela reação de Iris, que foi a Brasília, ao lado de sua mulher, a deputada federal Iris Araújo, reclamar do desembarque do empresário. Depois, por tudo o que se seguiu, com as farpas públicas de lado a lado. Hoje, a relação está tão tensionada que o diálogo visando um entendimento precisa, como se disse antes, de interlocutores.

O prefeito Maguito Vilela, de Aparecida de Goiânia, tem atraído esse papel, apesar de negá-lo. Na sexta-feira, 11, por exemplo, ao participar do encontro de Friboi com prefeitos e uma porção de peemedebistas do interior do Estado, Maguito disse que os dois, Iris e Friboi, devem conversar diretamente, sem interlocutores. Indireta, mas claramente, Maguito disse que eles nem se falam mais.

E nenhum dos lados demonstra qualquer sinal de que as coisas podem mudar a curto prazo. Na sexta-feira, 11, em sua festa-resposta ao anúncio da pré-candidatura de Iris uma semana antes, Friboi disparou inúmeras vezes na direção do adversário interno. E algumas vezes nem se deu ao trabalho de usar indiretas como subterfúgio. Como no momento em que propôs que ele assinaria compromisso em cartório se comprometendo a apoiar Iris Rezende caso seja ele o escolhido, mas desde que Iris faça o mesmo. Vá lá que nenhum dos dois cultiva barba, mas o recado é claríssimo: fio de bigode, nem pensar. E teve ainda um bombardeio direto, sem outra possibilidade de interpretação, um dia antes, quando Júnior Friboi disse que o povo não quer mais nem o tempo novo e nem o tempo velho. O tempo novo, como se sabe, é a turma de Marconi Perillo. O tempo velho…

Aliás, o fio do bigode da palavra empenhada foi exatamente o recado dado pelo sobrinho do interlocutor Maguito, deputado federal Leandro Vilela. Ao discursar no evento, ele disse que foi junto com Friboi conversar com Iris lá atrás e que ouviu do líder peemedebista que ele não seria candidato ao governo. Bigodes em chamas.

Mas não é apenas e empresário e seu pessoal que andam com as armas em punho. A turma irista também é fogo na roupa quando o assunto é surrar Friboi. A deputada dona Iris, por exemplo, já bradou que Goiás não está à venda. Isso não é indireta, é um direto no bolso de Friboi. O ex-deputado estadual José Nelto também já disparou dezenas de vezes contra Friboi. Até Iris Re­zende, geralmente reservado quando se trata de ataques internos, já demonstrou pouca ou nenhuma paciência para lidar com o adversário interno. Numa delas, disse que o empresário não deveria sair por aí “arrogando” poder financeiro.

Profundamente divididos, portanto, eles estão. Ainda é possível unir novamente após um deles vencer a disputa tão acirrada? É difícil. Muito difícil. Se tem algo que é inerente à política é ego. Os líderes são todos eles egocêntricos. Não tem como ser diferente. Nenhum deles se sente menor ou menos capacitado que o outro. Entre os grandes líderes, é o universo que roda em torno deles. Quando esse mundo é abalado, a mágoa, o abatimento e o desprezo são consequências absolutamente humanas. Além disso, há um fator que anaboliza naturalmente a divisão posterior: se houve disputa é porque eles estão em campo opostos.

Pode-se alegar que Friboi não é político, e que então ele não teria essa característica. Tem, sim. Percebe-se isso claramente. Júnior Friboi é uma potencia econômica que só pode ser medida em bilhões. De dólares, diga-se. Ele está acostumado a ser aclamado, paparicado e até temido no mundo dos negócios. Ao de­sembarcar no mundo da política, ele busca o aplauso e a consagração públicos. E quem ousa se colocar como obstáculo encontra pela frente exatamente o poderio bélico que o dinheiro representa. Se falta a ele experiência na lida política, sobra poder de sedução financeira.

Mas é claro que a política é uma arte humana tão extraordinária que é temerário, extremamente temerário, afirmar que tal coisa ou tal fato é inevitável. Nada é inevitável em se tratando de política. De qualquer forma, e mesmo levando essa verdade em conta, mas não sendo escravo dela, como seria o day after da­quele que será derrotado nesse difícil processo de afunilamento interno no PMDB?

Imagine-se Iris Rezende, do alto de seus mais de 50 anos de vida pública, engolido em sua liderança pelo neófito Júnior Friboi. Em 1998, quando foi surpreendido por Marconi Perillo e seu mambembe exército de apenas quatro partidos, Iris retornou ao Senado porque tinha essa obrigação. Em 2002, quando novamente perdeu (na tentativa de se manter senador), foi para sua fazenda “tocar” lavoura, como ele próprio costuma dizer. E sua intenção era ficar lá pra sempre. Voltou porque tem a política no sangue e na alma. Disputou a Prefeitura de Goiânia em 2004 e venceu. Ou seja, ele levou dois anos para se reerguer e se animar novamente.

E se Friboi deixar escapar entre os dedos a tal maioria que lhe juram que ele tem dentro do PMDB, para aonde ele irá para lamber as feridas do que poderá considerar terrível traição? Há tempos o goiano Júnior Friboi não mantém raízes do cotidiano por aqui. Graças ao vertiginoso e mundial crescimento do grupo JBS, seu endereço desde 2007 é nos Estados Unidos. Em 2010, quando também tentou disputar o governo embora sem o tratoraço de agora, Friboi nem esperou a eleição esfriar e voltou para sua casa, no Estado americano do Colorado. Faz sentido, portanto, imaginar que, se perder a indicação interna, ele volta pra lá para digerir a derrota.

Mas e o tal compromisso assinado em cartório? Ora, se o fio de bigode não vale tanto assim, papel político assinado em cartório ou não vale menos ainda.