Semana do Palácio do Planalto teve críticas inesperadas a ativista sueca considerada personalidade do ano pela revista Time, mas votação no Congresso passou batida no termômetro de importância do Executivo

Bem que o ministro Sergio Moro tentou ensaiar uma comemoração em entrevistas, mas não teve como disfarçar a derrota no Congresso | Foto: Antônio Cruz/Agência Brasil

Em uma semana na qual o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) tentou tirar os holofotes da morte de dois índios Guajajara no Maranhão com críticas à adolescente sueca de 16 anos Greta Thunberg, ativista do meio ambiente e personalidade do ano na revista Time, a aprovação rápida no Senado com envio para sanção presidencial do pacote anticrime do ministro da Justiça e da Segurança Pública, Sergio Moro, praticamente passou despercebida.

Dez meses depois de serem encaminhados à Câmara dos Deputados, os projetos do ex-juiz herói da Operação Lava Jato tiveram aprovação simbólica no plenário do Senado. Só que o texto final do pacote anticrime é uma derrota tão grande para Moro no Congresso que a discussão com Bolsonaro é sobre quais termos serão vetados. O tema foi tão ignorado pelo primeiro escalão do governo federal que é tratado no Ministério da Justiça e da Segurança Pública como uma derrota de peso do Executivo junto aos parlamentares.

As bandeiras mais defendidas no pacote por Moro revelavam o lado mais antidemocrático e autoritário de um ex-juiz que se acostumou a atropelar a lei para conseguir punir acusados de corrupção e outros crimes graves enquanto atuou como titular da 13ª Vara Federal em Curitiba (PR). São justamente as três principais propostas incluídas nos projetos que foram as derrubadas pelos deputados federais. Uma delas era a cópia do que há de pior no Direito Penal dos Estados Unidos, o chamado “plea bargain”.

Em resumo, Moro queria criar um mecanismo para que suspeitos confessassem crimes antes de serem acusados de uma prática ilícita e já fossem condenados pelo mero relato do delito eventualmente cometido. Pode até parecer, em uma primeira e simples análise, uma vantagem para um afogado Poder Judiciário, que acumula pilhas de processos não analisados por falta de material humano suficiente. Mas basta uma olhada minimamente mais atenta para compreender que seria a legalização de métodos nada democráticos e extremamente violentos de conseguir fazer um suposto autor de um crime falar.

E não seria diante de um juiz, com todas as garantias preservadas, mas frente a frente com um policial armado, sabe-se lá onde, ou um promotor no ato de uma prisão em flagrante ou em desdobramento de uma investigação. Se o “plea bargain” já era uma medida suficiente, que ainda bem caiu no Câmara, para carimbar o pacote anticrime como uma defesa da violência e abuso de autoridade por parte de agentes públicos, veio no texto o excludente de ilicitude.

Na visão de Moro, era necessário autorizar o policial a matar sem responder pelo crime de homicídio quando o ato de força excessiva viesse acompanhado da justificativa de “escusável medo, surpresa ou violenta emoção”. O ex-juiz ainda viu outra proposta, a do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), ganhar o lugar do “plea bargain”, não com a prisão antecipada, mas com possibilidade de não aplicação de pena para crimes sem violência e com condenação mínima inferior de quatro anos.

Quando o ministro sorri e disfarça uma comemoração contida pelo fato de ao menos o Congresso ter aprovado, apesar de mostrar visível insatisfação com a demora de dez meses na análise dos projetos, Moro revela que a queda da autorização para matar indiscriminadamente suspeitos – que fariam surgir no País a cada semana ou em tempo menor novos episódios do Pancadão de Paraisópolis com muito mais mortos – é um golpe duro às bandeiras bolsonaristas de desrespeito à democracia e aos direitos mínimos de qualquer pessoa.

Lembremos que hoje alguém poderia comemorar, com o excludente de ilicitude, a morte de um suspeito de um crime hediondo. Mas amanhã seria o filho inocente daquele que vibrou com a morte do principal investigado em um caso de grande comoção popular. Na sequência veio a queda do item que tratava da prisão após condenação em segunda instância. Moro nunca escondeu a defesa que faz da medida para encurtar o tempo que um réu consegue retardar o cumprimento provisório da pena com recursos nas instâncias superiores do Poder Judiciário.

Só que aqui o sorriso não fica tão amarelo porque há duas propostas em discussão no Congresso: uma PEC [Proposta de Emenda à Constituição] para mudar o inciso 57 do artigo 5º da Constituição Federal em tramitação na Câmara e um projeto de lei que altera o artigo 283 do Código de Processo Penal (CPP). O segundo texto não deve continuar a ser analisado por decisão do presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), que vê com bons olhos a medida discutida na Casa presidida pelo deputado federal Rodrigo Maia (DEM-RJ).

Vitórias e equívocos

Nos avanços vindos com mudanças no texto com emendas propostas e aprovadas pelos congressistas, Moro já demonstrou que se incomodou e tende a trabalhar para convencer Bolsonaro a vetar trechos na hora de sancionar o pacote anticrime. A criação da figura do juiz de garantias daria condições de maior clareza e defesa da lisura da condução das ações penais por magistrados.

As suspeitas levantadas pela Vaza Jato ficariam difíceis de ocorrer novamente, porque passaríamos a ter um juiz que acompanharia a instrução do processo. Mas o mesmo magistrado não julgaria o caso. Aqui poderia dar fim ou reduzir bastante a possibilidade de termos um juiz acusado de ter sido parcial na hora de condenar ou inocentar um réu. Mas a proposta, que amplia a transparência no Poder Judiciário, não agradou o ex-juiz super-herói. Resta saber se a nova e principal força política nacional, que bota medo até nas chances de reeleição do presidente Bolsonaro em 2022, estaria disposta a preparar o caminho até as eleições presidenciais ou atropelar os direitos e garantias fundamentais defendidos pela Constituição.

O tempo máximo de cumprimento de pena sobe de 30 para 40 anos. Mas a medida não foi proposta por Moro, mas pelo ministro Alexandre de Moraes, do STF. O Congresso acatou uma proposta do ex-juiz, que é a da prisão em segurança máxima no início do cumprimento da pena para integrantes de facções criminosas. Só houve um acréscimo da palavra “expressamente” para evitar o uso da medida a partir de interpretações diversas.

Parlamentares aprovaram o impedimento a saídas temporárias a presos que cumpram pena por crimes hediondos que resultaram em morte. Moro propôs a criação do Banco Nacional de Perfil Balístico para aperfeiçoar a investigação de crimes, o que foi acatado pelo Legislativo. Hoje um preso pode ficar até 360 detido em uma penitenciária federal de segurança máxima. O ministro da Justiça queria que o prazo fosse ampliado para três anos, com possibilidade de prorrogação, por meio de determinação judicial quando os motivos da necessidade da prisão naquela cadeia de segurança máxima continuassem a existir. Deputados e senadores aprovaram a proposta.

Nem tudo foi ruim no saldo final da análise do pacote anticrime de Moro no Congresso. Mas a derrota nos principais itens defendidos pelo ministro e o governo deixaram o ex-juiz com um constrangedor sorriso amarelo na tentativa de comemorar a derrota de suas principais bandeiras no primeiro ano como político e gestor público.