Sem triangulação, oposição aplica confronto direto

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A triangulação elegeu presidentes nos Estados Unidos, França e Argentina, mas oposição goiana disputa eleição de 2014 como se estive em 1982

“A campanha (oposicionista) se baseia em atacar o (governo). Ora, atacar quem está no poder é como dar socos num travesseiro — pode ser gostoso, mas não leva a lugar nenhum. O eleitor já conhece os defeitos de quem está no poder. O que ele quer são opções novas. A única coisa que une a campanha (das oposições) é o ataque (…), mas eles não conseguem mostrar uma direção clara de como será seu governo. (…) E eles têm só sete semanas para corrigir o rumo da campanha”. Dick Morris, em entrevista à revista “Época”, em 2004, ao falar sobre os erros de uma campanha oposicionista à Presidência dos Estados Unidos. Todas as semelhanças são reais. Os textos editados continham citações particulares da política americana, como partidos e nomes de candidatos.
Dick Morris, cientista político americano, faz um bem danadopara quem gosta de estratégia político-eleitoral. Foi ele quem criou uma das armas mais poderosas das últimas décadas, a chamada triangulação. Grosso modo, talvez não tenha sido ele exatamente o criador da fórmula. Antes, na França, François Mitterrand a teria usado com total sucesso contra Jaques Chirac. Mas Dick personificou a triangulação, esquematizando-a além do que se poderia perceber como efeito instintivo. É esse o caso de Mitterrand, e não foi o de Bill Clinton, nos Estados Unidos, que teve a campanha comandada por Dick Morris, na década de 1990, e que se baseou racionalmente nesse formato.
A triangulação virou moda no mundo democrático, e também desembarcou no Brasil, é claro. Em 2002, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva a utilizou pelas mãos do fenomenal Duda Mendonça, que havia sofrido uma baita derrota para Dick nas eleições da Argentina entre Eduardo Duhalde e Fernando de La Rúa. A famosa “Carta ao Povo Brasileiro”, de Lula, foi uma declaração plena da aplicação plena desse conceito da triangulação.
Se Duda Mendonça conseguiu fazer corretamente a tal triangulação em 2002, não é fácil chegar a esse ponto. Aliás, é muito mais fácil errar a dose e fazer besteira. Em Goiás, este ano, nem isso está sendo tentado. A oposição simplesmente vai pelo complicado e tortuoso caminho do confronto aberto. Isso é exatamente o oposto da triangulação. É a confrontação direta. Os resultados, pelo menos até agora, são próximos do vexatório. Os principais opositores não deram mostras de que podem abandonar essa prática de disputa de eleição, somente aplicável quando o confronto é contra governos francamente rejeitados pela maioria da população.
A verdade é que será muito difícil derrotar o governador Marconi Perillo sem a triangulação. Vá lá, é uma fórmula, como foi dito, pra lá que arriscada, mas é melhor e minimamente mais promissora do que o confronto direto. Pregar que está tudo ruim, que Goiás se transformou num caos, o inferno com o diabo a quatro no comando, é infantil eleitoralmente. Porque é irreal. Simplesmente, por isso. Não dá pedal falar que está tudo ruim se a população entende, e vive, melhor do que antes.
A saúde, por exemplo. Funciona melhor agora com as tais organizações sociais ou antes, com unidades que nem sequer recebiam uma mão de tinta nas paredes descascadas e manchadas por infiltrações? As unidades estaduais “socializadas” são melhores ou piores do que os postos de saúde administrados pelas prefeituras? E as rodovias estaduais, estão em situação melhor ou tão ou mais esburacadas que estavam antes? Os exemplos comparativos não param nesses dois ou três pontos. E a população é quem vive essas mudanças. Não adianta nada ir ao confronto sem ter munição adequada. Falar que nada disso está ocorrendo é dizer ao eleitor que aquilo que ele está vendo e sentindo não é exatamente o que ele vê e sente.
Mas, então, alguém tem um “estalo” e vê a saída para derrotar tudo o que aí está com café requentado, o episódio Cachoeira. Vai render dividendos eleitorais? Dificilmente. Alguém, fora do eixo da paixão oposicionista, imagina que Marconi não está preparado até as tampas para enfrentar e ganhar novamente essa guerra? Marconi sobreviveu a um linchamento político-eleitoral que incluiu as quebras de seus sigilosos bancários, fiscais e telefônicos. Apostar que esse assunto é a pedra filosofal que conseguirá derrotá-lo é temerário. No mínimo, um voo cego.
Deu no que deu. Iris Rezende acionou os canhões e levou um petardo desmoralizante do próprio Cachoeira. Uma pancada tão acachapante que não teve resposta. E Cachoeira ainda mandou recado pra “traidores” não exatamente identificados. Ou seja, foi de mamando a caducando. Sobrou alguém pra falar sobre o assunto? Ou melhor, eleitoralmente, vale mesmo a pena falar sobre isso? Quem está disposto a botar a mão nessa fogueira?
Esses fatos foram citados apenas para reforçar a ideia de que o que a oposição tem praticado nesta eleição é somente o confronto, quando a única esperança para os opositores, e ainda assim com resultados incertos, seria a triangulação. A eleição que está sendo disputada não é a de 1982, mas a de 2014. A de 82, sim, foi apenas confronto. Hoje, exige-se mais do que isso. É necessário inteligência.
Ao optar pelo formato simples de disputa, a oposição conduz o eleitor para uma decisão plebiscitária que desemboca inevitavelmente em alguns dados que as pesquisas de opinião respondem atualmente: a maioria aprova ou não a administração e o administrador. Ora, os dados são públicos e a resposta é sim, tanto para a administração como para o administrador. É exatamente contra esse óbvio ululante que a campanha dos oposicionistas está se debatendo.
A triangulação é exatamente o oposto desse confronto simples e direto. Se a bandeira do adversário é aprovada, então deve-se apropriar dela, mudar alguma coisa e apresentá-la como avanço. Foi exatamente isso o que fez Marconi Perillo em 2010. Ele se utilizou das ótimas referências que havia construído nos dois primeiros mandatos, entre 1999 e 2006. Fácil recordar e apenas para ficar em um exemplo. O Renda Cidadã foi reerguido por Marconi e ganhou a associação com a Bolsa Futuro. Ou seja, ele triangulou com ele mesmo já que o governo de Alcides Rodrigues não era uma boa referência. Críticas pontuais também foram feitas, é claro, mas o esteio da campanha de 2010 foi essa triangulação.
O segredo desse modelo de campanha está na aplicação absolutamente correta da dosagem. José Serra (PSDB), em um de seus confrontos contra Lula (PT), em 2002, por exemplo, errou feito e foi derrotado facilmente. Atualmente, a campanha de Aécio Neves tem empregado a triangulação com alguma propriedade. Se vai dar algum resultado no final das contas ou não é impossível prever. Mas ao falar sobre os programas sociais como o Bolsa Família, que inunda as urnas com votos favoráveis ao PT da presidente Dilma Roussef, Aécio não apenas garante a sua manutenção como avança ao dizer que o programa ganhará status de política social de Estado, superando a fase atual, de mero programa assistencial de governo. A dúvida é se haverá tempo suficiente para a população entender esse recado. Talvez a estratégia de Aécio tenha começado a ser empregada tarde demais. Mas é aí que está o nó da questão básica: se o Bolsa Família é um potente petardo eleitoral de Dilma, combatê-lo como “esmola”, estelionato eleitoral ou qualquer outra coisa parecida seria uma bobagem sem tamanho.
Enfim, os formatos de campanha hoje em dia são muitíssimo mais complexos que há 20 ou 30 anos. Isso às vezes passa desapercebido pela massa de militantes, muito mais apegada à campanha estilo torcida uniformizada que se vê nas redes sociais ou mesmo no corpo a corpo das ruas. Como disse Dick Morris no trecho que introduz esta Conexão, atacar quem está no poder é dar socos em travesseiro. O eleitor, por viver o dia a dia, sabe de cor e salteado o que está ruim, o que o incomoda, e também o que está bom e o que ele aprova. É redundante, portanto, repetir a ele, eleitor, os defeitos. O que todos querem saber é quais são as virtudes para o futuro. O resto é Fla-Flu.