Relação de Caiado com Enel, que já não era boa, fica ainda mais delicada
17 novembro 2019 às 00h00

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Desde quando era deputado federal, governador se posicionava contrário à privatização da Celg Distribuição (Celg D), que foi vendida em 2017 por R$ 2,187 bilhões

Em 2012, a Eletrobras assumiu 51% das ações da Celg Distribuição (Celg D). Desde a gestão Alcides Rodrigues (então no PP, hoje no Patriota), o Estado de Goiás tentava privatizar a companhia. Quando voltou a ser candidato a governador, em 2010, Marconi Perillo (PSDB) articulou uma interrupção nas negociações de venda da Celg D. Dois anos depois, a maior parte da empresa foi federalizada.
No dia 14 de fevereiro de 2017, a privatização se concretizou pelo valor de R$ 2,187 bilhões. Do total, o governo ficou com R$ 1,1 bilhão, que correspondia aos 49% das ações que ainda pertenciam ao Estado. Foi lançado um programa de investimento em infraestrutura por meio de convênios com os municípios chamado Goiás Na Frente. As assinaturas de contratos atingiram a promessa de investimentos na casa dos R$ 513,9 milhões com 224 cidades goianas.
Mas, ao final das gestões Marconi e José Eliton (PSDB) em dezembro de 2018, apenas 32% dos recursos foram repassados às prefeituras que firmaram convênio de investimentos e obras com o governo estadual. O dinheiro total que chegou aos cofres municipais foi de R$ 166,1 milhões. Só que não foram liberados pela gestão tucana R$ 347,8 milhões.
No final de abril, o governador Ronaldo Caiado (DEM) resolveu suspender o Goiás Na Frente por meio de um decreto. As prefeituras que quiserem concluir as obras em andamento com recursos oriundos da privatização da Celg D terão de desembolsar dinheiro dos cofres do município.
Antes, em fevereiro, Caiado modificou o Fundo de Aporte à Celg Distribuição (Funac). No momento da privatização, a Enel Brasil ficou desobrigada de arcar com os passivos administrativos e judiciais da Celg D gerados entre 2012 e 2015. Mas a nova legislação aprovada pela Assembleia Legislativa e sancionada pelo governador restringiu a obrigação do Estado de quitar as dívidas até fevereiro de 2012, quando 51% das ações da Celg D foram federalizadas junto à Eletrobras.
A Enel, que tinha investido aproximadamente R$ 1,5 bilhão nos dois primeiros anos de serviço de distribuição de energia elétrica privatizado em Goiás, anunciou que poderia reduzir o ritmo de aplicação de recursos na atividade no Estado pela insegurança jurídica criada pela nova lei do Funac. A situação foi levada ao governo federal, que precisou intervir para que governo estadual e a empresa chegassem a um acordo amigável no final de agosto.
Ainda em fevereiro, a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) divulgou dois dados que pioraram a relação do Estado com a companhia italiana. A Enel foi considerada pelo segundo ano seguido a pior empresa na distribuição de energia elétrica do Brasil. A média do consumidor goiano sem energia em 2018 chegou a 26,61 horas.
De 2016 para 2017, o tempo sem fornecimento de energia elétrica em Goiás por consumidor já tinha subido de 29,55 horas – último ano sob a gestão do Estado – para 32,29 horas. Na comparação de 2017 com o resultado do ano passado, houve uma redução no tempo médio sem a prestação do serviço nos lares e empresas de quem paga conta de energia em Goiás. Mas o resultado ainda está longe do que se propagou e os goianos esperavam com a conclusão do processo de privatização da Celg D.
Contra a privatização
Caiado chegou ao Senado na eleição de 2014. Mas desde os tempos de deputado federal, o goiano se posicionou contra a privatização da Celg D. Se alguns entenderam o discurso do então parlamentar como uma mera questão de retórica oposicionista ao grupo tucano à frente do Executivo em Goiás, hoje as críticas ao processo de venda da empresa de distribuição de energia no Estado continuam praticamente as mesmas.
Vez ou outra, o governador fala sobre a revisão da privatização, com a possibilidade de retomar para o Estado a distribuição de energia elétrica. A Enel alegou que já conseguiu apresentar melhoria de 10% nos serviços prestados, principalmente na redução do tempo que o consumidor fica anualmente sem fornecimento residencial ou empresarial.
Em fevereiro, Caiado se reuniu em Goiânia com a diretoria técnica da Aneel para reclamar dos serviços prestados pela Enel Brasil em Goiás e tentar buscar uma solução para “a pior distribuidora de energia do País”. “Tem sido uma reclamação geral no Estado de Goiás. O prejuízo causado pela Enel é imenso. As pessoas estão perdendo mercadorias nos comércios e a população perdendo bens que lutou para adquirir”, endureceu o discurso o chefe do Executivo estadual.
O democrata chegou a dizer no início do ano que “a empresa não pode ser um inibidor para o desenvolvimento de Goiás”. “Eu, como brasileiro e goiano, não posso esperar uma decisão que vem de outro país. Por isso, já fui até Brasília e debati com o [ex-] presidente do BNDES, Joaquim Levy, meios para investir na energia do Estado.”
No final de outubro, foi a vez da Associação dos Hospitais Privados de Alta Complexidade do Estado de Goiás (Ahpaceg) reclamar publicamente da constante queima de equipamentos caros e essenciais no tratamento dos pacientes nas unidade de saúde de Goiânia. Em um intervalo de 24 horas, três hospitais particulares registraram que quatro máquinas de alto custo estragaram por conta da instabilidade na rede de distribuição da capital.
A Enel respondeu à Ahpaceg com a informações de que verificaria os problemas e buscaria soluções. Mas o governador Ronaldo Caiado demonstrou na quinta-feira, 14, em sua conta no Twitter, que a paciência com a empresa italiana parece ter chegado ao fim. “Chega! Esgotada toda e qualquer negociação com a Enel!”, decretou Caiado.
A falta de energia em Goiás é generalizada! Aneel exigiu que a Enel melhorasse, mas a situação piorou. Chega! Esgotada toda e qualquer negociação com a Enel! Levei a situação a @jairbolsonaro. Podem ter certeza: enfrentaremos o problema de frente! Estamos aqui para defender Goiás pic.twitter.com/nzpk22MHm9
— Ronaldo Caiado (@ronaldocaiado) November 14, 2019
O tom das críticas foi duro. “A falta de energia em Goiás é generalizada! Aneel exigiu que a Enel melhorasse, mas a situação piorou”, publicou Caiado. E o governador demonstrou que o embate para exigir que algo seja feito de maneira imediata não ficará só no discurso. “Levei a situação a [presidente] Jair Bolsonaro (PSL). Podem ter certeza: enfrentaremos o problema de frente! Estamos aqui para defender Goiás.”
As declarações diretas e firmes de Caiado vêm dois meses e meio após acordo firmado entre o governo de Goiás, Enel, Ministério de Minas e Energia e os presidentes da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP). Na ocasião, a Enel se comprometeu melhorar a qualidade do serviço de distribuição de energia elétrica no Estado de Goiás.
É cedo para dizer que a privatização da Celg D foi um erro? Talvez sim. Mas a reação do governador parece ser justa e compreensível. A Enel continua a não fornecer energia aos consumidores do Estado na mesma velocidade da quitação da conta paga por moradores e empresários nas cidades goianas. Até quando teremos o pior serviço de fornecimento de energia elétrica do Brasil?