Quem entende a atuação do TCE?
27 janeiro 2019 às 00h00

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Tribunal de Contas do Estado enfrenta investigações do MPC e MP-GO, suspeitas de nepotismo, efetivos sem concurso público, altos salários e cargos inexplicáveis

“O déficit orçamentário de 2017 atingiu o valor de R$ 503.354.034,97 e o valor inscrito como restos a pagar do exercício foi de R$ 2.461.028.618,11. Em 2017, foram pagos R$ 1.721.638.296,05 de restos a pagar, do saldo de R$ 3.102.128.651,82 registrado em 31 de dezembro de 2016, inscritos sem a real disponibilidade de caixa.” A descrição da condição financeira do estado faz parte do parecer prévio das contas do Estado no ano de 2017 apresentado no dia 27 de abril de 2018 pelo Tribunal de Contas do Estado de Goiás (TCE-GO).
O autor do relatório era o conselheiro Sebastião Tejota, indicado pelo ex-governador Marconi Perillo (PSDB) como membro da Assembleia Legislativa em 2002 à vaga no TCE-GO e pai do vice-governador Lincoln Tejota (Pros). O parecer de Tejota, aprovado pelo plenário do Tribunal de Contas, trazia cinco ressalvas, 29 determinações e 18 recomendações. O documento foi encaminhado à Assembleia Legislativa, responsável por julgar as contas do governo, que acatou o parecer da Corte com 25 votos favoráveis e seis contrários no dia 14 de junho de 2018.
Entre as ressalvas estavam os déficits orçamentário e financeiro, inconformidades com repasse dos duodécimos, créditos adicionais e a adoção de uma conta única centralizadora dos recursos pelo governo estadual. “Dentre as determinações estão a necessidade de efetuar corte das remunerações de servidores que ultrapassem o teto constitucional e promover a efetiva extinção do saldo negativo do Tesouro Estadual junto à Conta Única do Tesouro Estadual até o exercício de 2022”, diz texto publicado pelo Jornal Opção no dia em que o parecer foi aprovado pelo TCE-GO.
Quando o assunto são as recomendações, o Tribunal descreveu no parecer prévio de Tejota que era preciso corrigir “inconformidades com a inobservância de metas fiscais, respeito aos limites constitucionais para a abertura de crédito suplementar, adotar a transparência ativa” e outras medidas a serem observadas pelo Estado. O conselheiro afirmou na ocasião que se reuniu com as secretarias da Fazenda, Saúde, Desenvolvimento Econômico, Educação e a Controladoria Geral do Estado para alertar sobre metas, limites e indicadores, com atenção às vinculações constitucionais.
Conhecimento de causa
O conselheiro assumiu que tinha conhecimento de que o resultado da execução orçamentária nos últimos dez anos era temerário e que o governo teve superávit apenas nas contas de 2008 e 2011. No início do texto, há um trecho que traz a informação “sem a real disponibilidade de caixa”. Isso indica que o TCE-GO sabia do rombo nas contas do Estado, mas preferiu acreditar na recuperação do déficit ao invés de reprovar a prestação de contas do governo.
O próprio Tejota explicou em abril de 2018 que Goiás apresentava resultados melhores do que outros Estados. “O País está em risco iminente de insolvência, com sinais de insuficiência financeira para pagamento da folha e dos encargos sociais.” Ao mesmo tempo em que demonstrava conhecer a realidade das contas do governo, preferia acreditar na recuperação por parte da administração. Mas o parecer não deveria ser inteiramente técnico, já que se trata de um Tribunal de Contas?
“Apesar de a equipe técnica do TCE-GO ter apontado descumprimento dos índices de vinculação constitucional e aplicação obrigatória em Saúde (11,35%), Educação (24,50%), Fundação de Amparo a Pesquisa do Estado de Goiás (Fapeg), Ciência e Tecnologia (0,48% e 0,46%) e Cultura (0,07%) no fechamento do balanço de 2017, o relator entendeu que é possível a recomposição dos índices, pois os valores inscritos em restos a pagar deverão ser efetivamente aplicados ‘até o término do exercício seguinte ao do cancelamento ou da prescrição dos respectivos restos a pagar’.”
Percebe-se que Tejota sabia, inclusive, que o governo estadual não cumpria os repasses mínimos obrigatórios pelas pastas da Saúde, Educação, Fapeg, Ciência e Tecnologia e Cultura. Não seria motivos suficientes para reprovar as contas referentes à gestão em 2017? Ao invés disso, Sebastião Tejota preferiu pedir que houvesse o cumprimento das vinculações constitucionais por recomposição nos primeiros quatro meses de 2018.
O novo presidente do TCE-GO, Celmar Rech, que veio do quadro de auditores do Tribunal para o cargo de conselheiro, defendeu em abril de 2018 a contextualização da situação econômica nacional ao avaliar o parecer de Tejota. “A queda do PIB nacional impacta diretamente na execução orçamentária e financeira dos Estados. Apesar das dificuldades, a economia goiana tem se mostrado acima da média nacional.” De onde vinha tanto otimismo?
Outro que mostrou boa vontade com o governo foi o conselheiro Helder Valin. Diferente de Rech, que era do quadro técnico do TCE, Valin ocupava a presidência da Assembleia quando foi indicado ao cargo de conselheiro. Ex-PSDB, Valin via como positivo que o Estado buscava se adequar às recomendações e determinações do Tribunal de Contas. Se a dívida for mesmo a alegada pelo governador Ronaldo Caiado (DEM), de R$ 3,4 bilhões, com previsão de déficit orçamentário de R$ 6 bilhões no projeto da Lei Orçamentária Anual (LOA), algo sugere que a gestão passada esteve longe de cumprir as expectativas do conselheiro Helder Valin.
Composição do TCE
Além do presidente do TCE-GO, o vice-presidente Saulo Marques Mesquita vem dos quadros técnicos. Mesquita foi procurador de contas do Ministério Público de Contas (MPC) de 2010 a 2013. O corregedor-geral é o conselheiro Helder Valin. Os outros quatro conselheiros passaram pelo crivo de Marconi: Sebastião Tejota, Edson Ferrari, Carla Santillo e Kennedy Trindade. Três vieram da Assembleia. O caso mais próximo é Edson Ferrari, que foi secretário particular do tucano e chegou a ser impedido pela Justiça de analisar as contas do governo.
Mesmo assim, as indicações políticas para o TCE-GO não são vistas como problema para o presidente Rech, como publicado em matéria do jornal O Popular na noite de sábado, 26. Celmar Rech afirma que o Tribunal está sendo “injustiçado” e que a aprovação das contas nos relatórios da Corte ocorreram pois não foi constatado “crime fiscal”. Como os conselheiros indicados politicamente precisam ter idoneidade moral e reputação ilibada, de acordo com a Constituição Estadual, os quatro nomes que vieram da Assembleia ou de cargos de confiança de Marconi talvez não possam ser questionados.
Mas as situações apuradas e denunciadas pelo MPC e o Ministério Público do Estado de Goiás (MP-GO) preocupam ainda mais um Tribunal que, nos últimos anos, só pediu a rejeição das contas apresentadas pelo governo referentes a 2010 – e que foram aprovadas pelos deputados estaduais. Os supostos casos de nepotismo, supersalários, funções inadequadas com a realidade, como pagar R$ 8,1 mil de salário para um mecanógrafo – responsável por consertar máquinas datilográficas inexistentes no TCE-GO – e empregar em 1988 um garoto de 12 anos que atualmente ocupava função de nível superior e salário de R$ 31,4 mil.
O TCE-GO gasta R$ 1,9 milhão por mês com comissionados irregulares e parentes. A conta é de R$ 24 milhões por ano com funcionários contratados sem concurso público. Há o caso de um servidor efetivo do cargo de analista de controle externo que foi exonerado na quarta-feira, 23, por ocupar a função de assessor contábil com salário de R$ 41,6 mil.
O procurador de contas interino do MPC, Fernando Carneiro, pede a extinção do Quadro Suplementar em Extinção (QSE), criado em 2005 por meio da Lei número 15.122 para proteger parentes de pessoas ligadas ao TCE-GO e manter servidores em situação irregular nos cargos. O procurador de contas diz que o Tribunal é pouco transparente, o que torna mais trabalhosa a busca por informações sobre os contratos dos funcionários da Corte.
Há, inclusive, o caso de um servidor que teve seu salário reajustado em 127,51% em um ano, com um salário de R$ 10.716,30 em 2017 para R$ 24.380,85 no ano passado. Motoristas e fotocopiadores recebendo R$ 22 mil por mês também foram situações verificadas nas investigações. Pelos dados do TCE-GO, houve desperdício de mais de R$ 25 milhões.
O QSE teria ainda 140 servidores, mas o presidente do TCE-GO, em nota da semana passada, disse que o número caiu para 129. Mas a realidade de comissionados frente a efetivos é preocupante. Dos 1.086 funcionários do Tribunal, os comissionados ainda estão em maior número do que os efetivos.
Espera-se que o presidente da Corte, que vem do quadro efetivo, ajude o Ministério Público e o Ministério Público de Contas a combater as ilegalidades na contratação de servidores, no aumento dos salários e na manutenção de funções sem qualquer sentido, como datilógrafos e responsáveis por consertar máquinas que não são mais usadas há décadas. A maior dúvida é quanto à elaboração dos relatórios de análise das contas anuais do governo. Continuaremos a ver absurdos como conselheiros que tinham conhecimento da situação de déficit escancarada propondo aprovação da prestação apresentada por governadores?