Por que Caiado quer “fechar tudo” novamente no Estado
26 abril 2020 às 00h00
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Governador se mostrou preocupado com queda do isolamento social em Goiás de 66% em março para 42,5% na semana passada e considerou em “fechar tudo”
Na noite do domingo passado, dia 19 de abril, o Decreto número 9.653 foi publicado no suplemento do Diário Oficial do Estado. Na manhã seguinte, o governador Ronaldo Caiado (DEM) e sua equipe explicavam os detalhes da flexibilização das atividades comerciais e industriais em Goiás. O uso de máscara passou a ser obrigatório ao sair de casa em todo o Estado na segunda-feira, 20, para permitir o afrouxamento das medidas restritivas que começaram a ser adotadas no dia 14 de março.
Primeiro, o governo estadual adotou medidas preventivas e orientações para que os servidores com mais de 60 anos ficassem em casa e realizassem suas atividades em esquema de teletrabalho [home office] e propôs o escalonamento para os funcionários que utilizavam o transporte coletivo para chegar ao departamento em que estão lotados.
Os primeiros três casos da Covid-19 em Goiás foram confirmados na tarde de 12 de março. Goiânia e Rio Verde foram as primeiras cidades com pessoas que chegaram de outros países e apresentaram sintomas da doença causada pelo novo coronavírus. Desde então, o governo tem atuado para convencer os goianos de que a melhor opção para controlar o avanço da transmissão do Sars-CoV-2 é ficar em casa. É claro que nem todo mundo tem condições de exercer suas atividades profissionais sem sair de sua residência.
Regras mais rígidas
Por isso, aos poucos as regras foram ficando mais rígidas até chegar a quase “fechar tudo”. No dia 18 de março, toda a rede pública e privada de ensino precisou suspender as atividades presenciais, o que permanece igual até o dia 30 de maio. As férias de meio de ano foram mantidas em julho pelo Conselho Estadual de Educação.
De 12 de março até o dia 25 de abril, a Secretaria Estadual de Saúde confirmou 506 casos de Covid-19 em Goiás. As mortes chegaram a 25 até a noite de sábado, 25. A situação poderia ser muito pior se Caiado não tivesse determinado o fechamento das atividades consideradas não essenciais seis dias após a confirmação da chegada da doença ao Estado.
O pior cenário apresentado pelo estudo desenvolvido por pesquisadores da Universidade Federal de Goiás (UFG), que dá embasamento às decisões do governo estadual, aponta que a abertura total das atividades, abandonar o “fechar tudo”, com volta à rotina das cidades goianas, pode elevar a transmissão comunitária do novo coronavírus no Estado em 30 dias – a partir de 20 de abril – a um total de 1,8 milhão de casos confirmados da Covid-19 e 613 mortes.
Agilidade na ação
Dois dias depois de ir para o meio da manifestação dos apoiadores do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) na Praça Cívica, em 15 de março, Caiado determinou o fechamento por 15 dias das atividades consideradas não essenciais. As medidas começaram com a proibição de eventos culturais em espaços públicos e privados e a realização de jogos de futebol sem a presença de torcedores.
Mas o risco de contágio a comissões técnicas, jogadores, árbitros e imprensa obrigou o Estado a suspender as atividades esportivas. As academias seguem proibidas de abrir desde a segunda quinzena de março. Alguns tentam driblar a fiscalização com as portas abaixadas, mas correm o risco de serem obrigados a fechar o estabelecimento pela Polícia Militar.
Enquanto Goiás se distanciava do cenário mais catastrófico possível de contágio da doença, o novo coronavírus demorou mais tempo para se espalhar por todas as regiões do Estado. Mas a pressão dos líderes empresariais e industriais ganhou mais força com o passar dos dias e as duas prorrogações do decreto de medidas restritivas para todo o território goiano.
Antes da flexibilização
Na semana anterior ao dia 19 de abril, Caiado negociou com presidentes de federações a flexibilização das atividades. A medida, que visivelmente contrariou o governador, só foi tomada depois de o Supremo Tribunal Federal definir que a divisão de responsabilidade entre governos estaduais e prefeituras deveria prevalecer na adoção de medidas de prevenção e segurança contra a pandemia da Covid-19.
Mesmo com a subnotificação de casos, a dificuldade de ampliar a capacidade de testagem da população e o risco de aumentar o número de pacientes graves que exigissem uma capacidade maior de oferta de leitos em Unidades de Terapia Intensiva (UTI), Caiado deixou na mão das prefeituras a definição das medidas restritivas. O governador foi até onde pôde na luta para defender a saúde dos goianos.
Enquanto o governo federal dá sinais de que não está preocupado de verdade com a economia, tanto que demora até para liberar o pagamento e analisar os cadastros dos brasileiros que urgem pelo recebimento dos R$ 600 do auxílio emergencial e por linhas de crédito do BNDES, Caiado cedeu às pressões. Ficou sem escolha.
Aliás, nem das crises institucionais que o próprio Palácio do Planalto cria o presidente Jair Bolsonaro e sua equipe têm dado conta. Quanto mais de guiar o País no combate à pandemia nas frentes da saúde e da economia, que deveriam ser mais importantes do que a troca de ministros e a tentativa de blindar os filhos contra investigações do STF, Polícia Federal e Ministério Público.
Bateu o alerta
O último decreto foi publicado no final da noite de domingo, 19, a entrevista concedida na segunda, 20, e tivemos um feriado na terça-feira, 21, Dia de Tiradentes. Imaginávamos que as atividades econômicas seriam retomadas de forma gradativa, assim como o governo estadual pensou.
Mas a realidade mostrou nas ruas que muita gente não se conscientizou sobre os perigos da doença causada pelo novo coronavírus. Crentes no discurso da “gripezinha” e do “resfriadinho”, o movimento nas ruas e avenidas da capital só ficou 17% menor do que o habitual nos dias anteriores às medidas restritivas.
Os terminais de ônibus amanheceram lotados, sem capacidade de transportar todos os passageiros em tempo hábil, na quarta-feira, 22. Protestos, fechamento da Avenida T-63 por usuários, pessoas sem máscara nas ruas, comércios abertos com entrada irregular de clientes. Distanciamento social mínimo de 1,5 metro nas calçadas? Dê uma volta nas avenidas mais movimentadas de qualquer cidade e repare como está a preocupação com o contágio.
Discurso compreensível
Na tentativa de combater o avanço descontrolado da Covid-19 no Estado, o governador foi até onde conseguiu. Manteve as regras mais duras de isolamento social e fechamento do comércio por 32 dias. Nem São Paulo, o epicentro da doença no Brasil, agiu tão rápido. Se não fosse a coragem de encarar o problema desde o começo da equipe de Caiado, estaríamos em uma situação muito pior, com todos os erros e acertos.
Na sexta-feira, o governador chegou ao limite da preocupação com o possível crescimento dos casos de contágio do novo coronavírus em Goiás. O monitoramento de movimentação por GPS das empresas telefônicas e do Google apontou que o isolamento social em Goiás caiu dos 66%, o melhor do País no final de março, para 42,5% na semana passada.
Precisamos lembrar que estamos no dia 61 de convívio com a Covid-19 no Brasil, apenas 45 dias da confirmação dos primeiros casos no Estado. Se continuarmos na tendência de abertura das atividades, como alguns prefeitos têm autorizado, estaremos diante de cemitérios sem poder entrar ou nos aproximar de nossos amigos e parentes mortos daqui duas ou três semanas.
“Fechar tudo de novo”
Quando Caiado diz que irá “fechar tudo de novo”, o desespero da responsabilidade de quem tentou até quando foi possível bate em quem sabe o tamanho do problema de saúde com o qual lidamos. Resta saber se os prefeitos sentarão à mesa e entenderão o momento complicado e único pelo qual teremos de passar.
Publicou sexta-feira, 24, o governador no Twitter: “Goiás foi o primeiro [Estado] a adotar medidas enérgicas. Estamos a um passo de colocar por terra o trabalho de 40 dias! STF deu direito aos municípios de regular isolamento. Comércio aberto sem critérios de segurança e movimentação desnecessária. Se continuar, decreto isolamento total de novo”.
Enquanto as pessoas continuarem a jogar na sorte das aglomerações e churrascos para assistir a live do cantor ou dupla favorita, avós, avôs, pais, mães, tios, tias, sobrinhos, sobrinhas, primos, irmãos, irmãs, cunhados, cunhadas, sogros, sogras, colegas de trabalho e vizinhos precisarão de leitos em UTIs e infelizmente parte dessas pessoas vai morrer.
Quem próximo de você pode morrer: o funcionário da limpeza, o entregador de comida, o atendente de caixa do supermercado, a vigia do seu prédio ou a pessoa que mora com você?