Piso alto, teto baixo: Bolsonaro precisa de Lula no 2º turno para virar o jogo – ou a mesa
18 abril 2021 às 00h00
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Que Covid, que nada. O presidente da República pensa na reeleição desde o primeiro dia de mandato e agora “arma seu grupo” para um duelo eleitoral com o petista
Lula já tinha mostrado que estava – e como estava – de volta ao jogo eleitoral ao centralizar atenções com seu discurso dois dias após a decisão monocrática de Edson Fachin. Em 8 de março, o ministro da Suprema Corte brasileira anulou todas as condenações impostas pela Justiça Federal do Paraná (leia-se 13ª Vara / ex-juiz Sérgio Moro). Nada tendo a ver com o mérito das sentenças, se apoiou em um argumento técnico, segundo o qual nenhuma das acusações ao ex-presidente estava ligada às investigações aos desvios da Petrobrás, o foco da Operação Lava Jato, e portanto não poderiam ter sido julgadas “dentro” dela – como, aliás, sempre alertou a defesa do réu.
Desde aquele ato de Fachin – que visava, na realidade, preservar a Lava Jato de estragos maiores ao se antecipar ao colega Gilmar Mendes, o qual tinha em mãos um pedido de suspeição do juiz da causa –, Lula havia recuperado os direitos políticos e tecnicamente se tornado elegível.
Na quinta-feira, 15, duas notícias deram um gás a mais nesse rumo de renascimento de um real protagonismo político do petista. A primeira foi exatamente a confirmação no plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) da decisão de Fachin. Por 8 votos a 3, a anulação dos julgamentos de Lula em Curitiba ficou ratificada. Ou seja, o trabalho de Moro, com suspeição ou sem, em relação ao ex-presidente está totalmente invalidado.
A outra notícia motivadora foi a nova rodada de pesquisa política do PoderData, que colocou Lula com vantagem de 18 pontos sobre o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) num eventual segundo turno no próximo ano: 52% a 34%. Na pesquisa anterior, essa vantagem era de apenas 5 pontos porcentuais (41% a 36%) e, mesmo assim, causou ânimo ao pleito e preocupação ao Palácio do Planalto.
Mais ainda da mesma pesquisa: com 41% de eleitores que nele não votariam de jeito nenhum, o petista é o menos rejeitado entre os possíveis postulantes – além de Bolsonaro (50%), também o apresentador Luciano Huck (48%), o governador de São Paulo João Doria (55%), o pedetista Ciro Gomes (57%) e o ex-juiz Sérgio Moro (60%), este o mais rejeitado entre todos.
Obviamente, e bem ao seu estilo, o atual presidente logo passou recibo em relação aos avanços do arquirrival. Em sua live semanal para seus apoiadores, logo após a confirmação da anulação das condenações pelo STF, abriu o jogo a seus militantes: “Vejam qual futuro é reservado para vocês com o que está acontecendo no Brasil. Essa decisão de hoje do STF praticamente anula as condenações de Lula, tornando-o elegível. É só fazer um raciocínio que vocês vão entender: Lula vai ser candidato. Tira (sic) eu do combate, quem seria o outro que iria com o Lula para o 2º turno?”, questionou.
É interessante observar como o presidente é obsessivo em falar e agir conforme quer sua base, buscando fidelizá-la cada vez mais. Isso vale para as lives, mas também para o cercadinho do Palácio, para as publicações nas redes sociais e, enfim, para praticamente todas as tomadas de posição (e de recuo também) como governo. Tal postura leva a um cenário praticamente definido: dificilmente Bolsonaro passará a contar com menos de 30% do eleitorado – o que já é o suficiente para colocá-lo num segundo turno. Por quê? Porque essa parcela está com ele justamente pela radicalização do discurso.
Pesquisas qualitativas poderiam mostrar com clareza a composição dessa militância e provavelmente chegariam a um grupo expressivo de pessoas que se unem pelo fundamentalismo religioso, pela simpatia ao militarismo, pelo culto a um salvador da pátria e por um patriotismo de conveniências, talvez tudo ao mesmo tempo em alguns casos. Há também gente que foi incluída no auxílio emergencial e passou a se simpatizar com a causa bolsonarista por conta do bolso.
A questão é que, quanto mais se radicaliza para consolidar esse nicho, mais Bolsonaro abre um fosso em relação aos demais eleitores. O bolsonarismo trocou as políticas públicas que um governo eleito deveria aplicar em quatro anos para desde o começo carregar suas armas (aqui o leitor pode escolher se interpreta de forma metafórica ou literal, vai fazer sentido de qualquer jeito) com vistas à disputa da reeleição.
O antipetista antibolsonarista
A questão é que o presidente faz isso de tal forma voltado para seu “núcleo raiz” que nem mesmo antipetistas convictos conseguem continuar juntos no barco dessa extrema-direita. Pelo contrário, Bolsonaro conseguiu fazer antipetistas apostarem… em Lula! O filósofo Luiz Felipe Pondé, defenestrador da esquerda e defenestrado por ela, concluiu seu artigo na Folha de S.Paulo do dia 4: “Nossa história recente aponta para Lula como o candidato conservador em 2022. O STF já sabe disso. As Forças Armadas também. Eu sei: a vida não é para iniciantes.” Sim, é um antipetista antibolsonarista. Sintomático.
Voltando aos números de segundo turno, no mês passado, na estreia de Lula nas pesquisas eleitorais, Bolsonaro tinha 36% contra ele e agora tem 34% num eventual duelo final. Podemos então inferir que o presidente, em termos de cacife eleitoral, tem um piso alto, que o credencia ao segundo turno, e um teto baixo, que praticamente lhe impõe uma derrota nessa disputa? No momento, sim, isso é claro. Mas eleição é isto: momento.
Dado o momento, em sua estratégia para se firmar no segundo turno, Bolsonaro trabalha desde sempre contra si no que diz respeito a atrair simpatizantes dos que forem derrotados na primeira fase do processo. Talvez passe por sua cabeça que a simples ida ao segundo turno lhe daria autoridade moral para chamar o povo às ruas no caso de uma derrota eleitoral, baseando-se na narrativa de seu grupo de que as urnas eletrônicas são manipuláveis e que a votação teria sido fraudada pelos petistas. Só assim faz sentido governar para o próprio umbigo: sabendo que, se perder, vai se dar motivo para contestar o resultado e tentar, sabe-se lá por que vias, continuar no poder.
Até outubro do ano que vem, ainda haverá muita água passando por debaixo da ponte. E muitos corpos enterrados na imperdoável conta do descaso governamental com a pandemia. E ainda tem uma CPI sobre o tema no meio do caminho. Quem sobreviver, verá. Para tanto, se puder, fique em casa.