É preciso que, na próxima manifestação, todos os não bolsonaristas ocupem as ruas em vez de deixarem esse papel apenas para a esquerda

O então candidato Jair Bolsonaro era carregado como um estandarte e vestia uma camisa com os dizeres “Meu partido é o Brasil”, quando foi esfaqueado em Juiz de Fora (MG), às vésperas do feriado da Independência. O evento mudou o rumo da corrida eleitoral e foi decisivo para a vitória do deputado extremista.

No meio da confusão que se seguiu, enquanto a vítima seguia carregada, mas agora para o hospital, Adélio Bispo de Oliveira, o autor do atentado, era detido facilmente e desde então encontra-se no presídio federal de segurança máxima de Campo Grande. Foi considerado inimputável por ser portador de uma enfermidade classificada na categoria de transtorno delirante persistente.

Dois anos e meio depois da posse de Bolsonaro, seu governo partiu o Brasil e a facada agora é no sentimento de pertencimento de cada cidadão. O transtorno delirante persistente agora é de uma massa negacionista comandada pelo presidente, a serviço de uma enfermidade. Eleito com o mais forte discurso patriótico desde o início da República, o “mito” já bateu continência para a bandeira dos Estados Unidos, fez da respeitada diplomacia do Itamaraty uma zoação internacional e flâmulas de países como Israel e Ucrânia – além, claro da estadunidense – foram e são sempre visíveis nos atos nem sempre democráticos de seus apoiadores.

E se disséssemos que isso seria (e é) o “de menos”, em termos de situações lesa-pátria? Mais do que essas excentricidades envolvendo símbolos nacionais – que, em si, é algo que poderia até ser considerado bizarro mas “benigno” –, vieram as queimadas na Amazônia e no Pantanal e a gestão criminosa da pandemia. Mundo afora, o Brasil passou a ser visto como algo entre chacota e pária do planeta, de acordo com o viés do observador.

Tornamo-nos o país do presidente que falou que ter “histórico de atleta” evitava Covid-19 grave; que se contaminou com a doença e disse que o vírus era a melhor vacina, estimulando as pessoas a se aglomerarem; que disse que era preciso parar de “frescura”, abandonar o “fique em casa” e ir trabalhar; que questionou pesquisas e imunizantes, mas ofereceu cloroquina como remédio milagroso até para uma ema; que desprezou uma das melhores vacinas produzidas, de uma gigante farmacêutica, mesmo com dezenas e dezenas de e-mails em sua caixa de entrada e condições promocionais, mas fez contrato por meio de atravessadores com outra, mais cara, que não foi aprovada ainda pela agência reguladora.

No exterior, brasileiros passaram a ser tratados com um ar de compaixão, em clima de velório, ou “solidariedade sincera”, como relata o jornalista Jamil Chade – mestre em Relações Internacionais e conhecido por suas coberturas sobre cúpulas mundiais –, em visita que fez à sede da ONU em Genebra, na Suíça. Jamil vai além: diz que, mais do que párias, os brasileiros somos ameaças ao mundo pela forma o País resolveu lidar com o coronavírus. Não entendem, lá fora, como admitimos passar pelo momento atual sem nos revoltarmos.

Assim, junta-se mais um sentimento à raiva, à impotência, à revolta, à desesperança de grandíssima parcela dos brasileiros e brasileiras que não foram alienados pelo bolsonarismo: a vergonha. Quem é “patriota de verdade” sabe que não há momento mundial mais vexaminoso para o Brasil diante do globo.

Em 2021, somos, em registros oficiais, o país onde o coronavírus mais fez vítimas. Em registros proporcionais, não estamos nem entre os 50 que mais vacinaram, mesmo com uma máquina de imunizar chamada SUS. Enquanto outros países discutem a retomada à vida normal, a autoridade maior da República ainda tenta vender a ideia de que o tratamento precoce funciona, mais de um ano depois de essa novela ter sido encerrada pela via científica.

Tudo isso fez com que parte dos oposicionistas de origem – aqueles que assim estão desde as eleições – chegasse a uma conclusão, ainda com a pandemia galopante em torno de 2 mil mortos por dia: mesmo com toda a tragédia, desastre maior é Bolsonaro seguir no comando. Ter um presidente causador de danos maiores do que o vírus não é apenas slogan-justificativa para manifestação: é algo provado pelos fatos, dia após dia.

E lá foi a esquerda para as ruas. Em duas manifestações, se viu uma predominância do vermelho dos partidos desse bloco. Discursos em cima do trio elétrico, pessoas de diferentes gerações reunidas numa praça, bandeiras, adesivos, alto-falantes, gritos de ordem. Mas não pode ser só isso. Não pode ser só esses.

Tanto em 29 de maio, em uma primeira e delicada grande ação da oposição nas ruas durante a pandemia, como no sábado, 19, houve protestos de considerável porte contra o governo de Jair Bolsonaro em todos os Estados e no Distrito Federal, por centenas de cidades. O descontentamento com a gestão brasileira também levou pessoas a se concentrar em vários países do exterior.

Mesmo o PT, que tem em Lula o grande favorito para 2022 com o quadro atual, sabe que não dá mais para esperar. Dessa forma, seus líderes foram às ruas na segunda manifestação – a exceção foi justamente o ex-presidente. Só que as bandeiras dos atos precisam ser multicoloridas. É preciso que esses atos unam todos os brasileiros. Por quê, direita, centro e esquerda unidos assim? Porque agora é uma questão patriótica de fato.

Foi sintomático o envio de 3 milhões de doses da Janssen, vacina de dose única, pelos Estados Unidos ao Brasil. Mesmo sem ter relação próxima com o Itamaraty, que se ajoelhou para Donald Trump, adversário do presidente Joe Biden, essa foi a maior cota destinada a qualquer país. Seria por que passaram a gostar de Bolsonaro? Não, mas porque vacinar o Brasil o mais rapidamente possível reduz a ameaça que nos tornamos.

Um “superpedido” de impeachment deve chegar às mãos do presidente da Câmara, deputado Arthur Lira (PP-AL), na quarta-feira, 30. Assinaturas de políticos, entidades e celebridades dos mais diversos vieses ideológicos. A maior demonstração de uma frente ampla contra o desgoverno. Claro, Lira é aliado de Bolsonaro. Mas a intenção, no momento é apenas provocar um alerta à opinião pública e um constrangimento ao dono da caneta do aceite do processo de impedimento.

Com o desgaste do Covaxingate, o próximo passo será uma manifestação tão ampla quanto o pedido de impeachment, em 24 de julho. É preciso que todos os não bolsonaristas ocupem esse espaço, que não deixem apenas nas mãos dos “petistas”. Até porque tirar Bolsonaro do caminho, dá uma luz no fim do túnel para o Brasil daí em diante e também para a própria centro-direita, em 2022: sabem que é essa a chance, talvez a única, de ganhar de Lula e da esquerda no voto.

O PT e toda a esquerda também imaginam esse estratagema. Mas, se são patriotas de verdade, e não apenas de discurso, como os que hoje estão no poder, é preciso abrir mão das vaidades e interesses comezinhos em prol de algo muito maior: o futuro da Nação.