Paralisia do Ministério da Educação é mácula incômoda do governo Bolsonaro
05 janeiro 2020 às 00h00
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De forma proposital, pautas periféricas deixam funcionamento do MEC comprometido no primeiro ano em pasta que não tomou novo rumo após mudança de titular
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Quem não se lembra de como a realidade da falta de medidas e ação do Ministério da Educação (MEC) na gestão do então ministro Ricardo Vélez Rodríguez foi escancarada pela deputada federal Tabata Amaral (PDT-SP) no dia 27 de março de 2019? “Em um trimestre não é possível que o sr. apresente um Power Point com dois, três desejos para cada área da educação. Cadê os projetos? Cadê as metas? Quem são os responsáveis? Isso daqui não é planejamento estratégico. Isso daqui é uma lista de desejos. E eu quero saber onde que eu encontro esses projetos. Quando cada um começa a ser implementado? Quantos serão entregues? Quais são os resultados esperados? São três meses. A gente consegue fazer mais do que isso”, questionou a parlamentar a Rodríguez na ocasião.
Pouco tempo depois, Ricardo Vélez Rodríguez caiu no MEC. Se o ministro foi colocado na pasta por indicação do ideólogo do governo, o astrólogo Olavo de Carvalho, o colombiano naturalizado brasileiro deixou o cargo por pressão do mesmo filósofo autodidata que influencia e indica nomes na gestão do presidente Jair Bolsonaro (sem partido). De um aluno descrito como não tão olavete assim pelo próprio Olavo, veio Abraham Weintraub, um ministro disposto a botar em prática a batalha ideológica travada pelo astrólogo em seu curso on-line de filosofia.
Se antes tínhamos um ministro da Educação que se isolou em seu gabinete na capital federal e não recebia ninguém, o novo titular da pasta tratou de comprar briga com todos os ditos doutrinadores, os professores universitários, com o ensino público superior, a pesquisa científica desenvolvida nas instituições federais de educação, os alunos e suas estruturas acadêmicas. Os locais de busca do conhecimento e capacitação intelectual e profissional se tornaram, no discurso de Weintraub – ou devo dizer “Abe”? – espaços de “plantações extensivas de maconha” e fabricação metanfetamina nos laboratórios de química.
Tudo bem que o ministro da Educação se guie pelo anticientificismo, já que é aluno e discípulo do divulgador da distorção de todo e qualquer conhecimento produzido e confirmado no mundo, que esteja no posto para atender a um projeto do governo federal de precarizar o ensino público e abrir espaço para um domínio do mercado educacional pela iniciativa privada, como prevê o Decreto número 10.195, de 30 de dezembro de 2019, publicado no último Diário Oficial da União (DOU) do ano passado. Mas esperava-se que a educação fosse tratada minimamente com seriedade, não apenas com pautas paralelas que não resolvem em nada a necessidade de melhorar e universalizar o acesso e a qualidade do ensino no Brasil.
Entendemos que Weintraub deva ser mesmo um fã da série Breaking Bad, já que a metanfetamina não é uma droga facilmente encontrada no Brasil. Mas na cabeça do ministro da Educação, os alunos das universidades federais nos cursos de Química usam os espaços de experimentação científica para fabricar entorpecentes sintéticos. E tudo com base em um delírio pautado pela teoria da conspiração olavista que nada ajuda a comprovar nada, colabora para a confusão que compõe hoje a formação de opinião dos bolsonaristas fiéis e contribui para alimentar uma plateia sedenta por uma luta fictícia contra supostos inimigos da nação.
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Mas o que foi feito até aqui para manter a educação pública em funcionamento, seja ele o mais precário possível? Nada. A reformulação do Fundeb [Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação] segue um momento de incerteza no Congresso. Não foi aprovado no tempo e a urgência necessários. Há quem imagine que talvez em maio de 2020 volte a ser analisado. Até lá, governos estaduais e municipais que se virem para manter escolas abertas, funcionários pagos em dia sem a contrapartida obrigatória federal e consiga atender a demanda estudantil por vagas, que seguirá com déficit.
Já há uma inversão na regra da oferta de bolsas parciais ou integrais no ensino superior brasileiro. Como discursava o ex-ministro Vélez Rodríguez, que defendia a busca por uma boa renda profissional sem a necessidade da formação universitária para todos, apenas destinada a uma “elite intelectual”, o Programa Universidade para Todos (Prouni), criado no governo petista, foi reduzido no primeiro da gestão Bolsonaro. Hoje são as instituições particulares as donas de mais da metade dos descontos de parte ou toda a mensalidade a seus estudantes. Esse número por meio do Prouni já foi superior a 70% vindo de vagas ofertadas no programa pelo MEC.
O governo federal resolveu tratar como prioridade no Ministério da Educação um modelo alternativo de escola, que ganhou o nome de cívico-militar. O projeto, nos moldes das escolas militares existentes em Goiás, virá em uma primeira etapa com 54 unidades no Brasil. O decreto de dezembro estabeleceu a existência da Diretoria de Políticas para Escolas Cívico-Militares. E a iniciativa privada está aberta a participar do modelo, que como existe hoje nos Estados é administrado pelas Polícias Militares.
É algo ruim? Não necessariamente. Se receber a devida atenção em sua gerência e aplicação pedagógica, pode dar certo. Mas é uma alternativa dentro do ensino público, não a regra geral, inclusive por se tratar de uma alternativa entre os formatos de colégios existentes na rede gratuita de educação fundamental e média. Outras medidas mais importantes, como o ensino em tempo integral, ficou apresentado em uma proposta mal explicada de complemento das atividades curriculares em espaços das universidades privadas, que trocariam a cessão de salas para receber os alunos públicos por melhoria na avaliação da qualidade das instituições. Não parece nem um pouco lógico ou aceitável.
Essa sim seria a real balbúrdia, não aquela inventada por Weintraub, ao definir em abril que verbas das Universidades Federais Fluminense (UFF), da Bahia (UFBA) e de Brasília (UnB) seriam cortadas. Não foi nada bem digerida a justificativa estapafúrdia do ministro ao criticar as três instituições públicas. A real promoção da balbúrdia começou nas entrevistas concedidas por Bolsonaro ao dizer que não há pesquisa nas universidades federais, sem verificar que os dados da Clarivate Analytics apontam que, entre 2013 e 2018, 60% da produção científica brasileira se deu em 11 universidades federais e quatro estaduais.
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Só que o ano de 2019 começou com ministro que entendeu que seria bom obrigar alunos a serem filmados por funcionários de escolas públicas perfilados a cantar o Hino Nacional e dizer em voz alta o slogan da campanha eleitoral do presidente Jair Bolsonaro: “Brasil acima de tudo e Deus acima de todos”. A medida foi questionada, inclusive na Justiça, e a orientação enviada em carta aos diretores de colégios da rede pública foi cancelada pelo MEC. Já Weintraub aproveitou os baixos resultados do Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa) com dados de 2018 para atacas as gestões petistas na educação.
Esqueceu o ministro que no bolo dos alunos estão também os das escolas privadas, o que mostra que a educação paga no Brasil não está tão bem quanto o MEC acredita sem analisar os dados ao abrir as portas da rede pública para a entrada de empresários e gestores da oferta de serviço privado. Veio a absurda ideia, que para o Ministério da Educação de Weintraub parecia revolucionária e inovadora, de oferecer vouchers para que a família do estudante escolha onde quer matricular seu filho. Se, depois de toda a polêmica, a justificativa para o contingenciamento de verbas em todos os níveis no ensino público brasileiro se deu por frustração orçamentária em 2019 no início do ano, caberia aumentar os gastos com o pagamento de um plano de educação privada pelo MEC?
Para piorar o desmando da educação no governo federal no ano passado, uma medida incentivada pela cúpula do Palácio do Planalto tentou ganhar forma em 2019: o ensino em casa. Mas essa é uma política incentivada pelo Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, que tem uma titular também tão questionada em sua capacidade e eficiência como no MEC. A pastora Damares Alves. E aqui nem cabe discutir se “meninos vestem azul e meninas vestem rosa”, algo que caberia defender na Igreja Batista da Lagoinha, onde atuou como líder religiosa, não em um cargo público. A pergunta que os pesquisadores e especialista da educação no Brasil fazem à proposta do ensino domiciliar dos filhos é justamente qual conteúdo e como serão educadas as crianças submetidas a esse modelo, o que contraria a Constituição Federal.
O cenário não é dos melhores quando olhamos para os primeiros 12 meses do governo Bolsonaro na educação. Com condução desastrosa das políticas públicas chefiadas pelo MEC, o Poder Executivo evidencia que há um risco à oferta de educação pública universalizada e gratuita. A constatação é a de que a gestão federal tenta aplicar um modelo do Ministério da Economia, de Paulo Guedes, no Ministério da Educação: o Estado mínimo. Quem tem condição de arcar com os custos de educar seus filhos que pague por uma educação de qualidade. E quem não tiver como custear a formação escolar? Bom. Não parece ser uma preocupação do governo.
Peraí! Mas e a tal doutrinação, com professores formadores de militantes, como dizem governo e seus apoiadores? Vemos na prática que quem busca uma educação ideologizada, fechada, sem possibilidade de formar cidadãos conscientes e capazes de entender o mundo por conta própria não são os profissionais da educação, que os ministros da Educação, Ovalo de Carvalho e seus cegos discípulos tentam culpar por fazer o que eles tentam impor.
Os responsáveis por uma tentativa, ainda sem sucesso, de criar “idiotas úteis” – nas palavras de Bolsonaro -, são o Palácio do Planalto, seus Vélez Rodríguez, Abraham Weintraub e Damares Alves, além de uma cúpula de olavistas conspiracionistas e anticientificistas soltos em cargos de confiança no MEC, no governo, no gabinete do ódio e nas redes sociais. E, claro, aqueles sempre prontos a aplaudir o combate ao marxismo cultural e ao globalismo.