O que as pesquisas revelam é uma verdade não absoluta

15 maio 2022 às 00h00

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Os vários levantamentos apontam maiores e menores diferenças entre Lula e Bolsonaro. Mas por que isso acontece?

Foi-se o tempo em que havia apenas Ibope, Datafolha e um menos cotado Vox Populi, pelo menos em nível nacional. A cada eleição, mais e mais pesquisas de intenção de voto entram (literalmente) em campo para avaliar periodicamente como está o desempenho dos candidatos à Presidência.
Desta vez não há mais Ibope – que encerrou trabalhos do tipo, mas cuja equipe de profissionais formou o Ipec –, mas Datafolha e Vox Populi continuam e ganharam companhia de vários outros institutos: Qaest, Ipespe, PoderData, Paraná, Big Data, Futura, MDA, Brasmarket. Antigamente tinham como parceiros veículos de comunicação, especialmente TVs e periódicos; hoje, os institutos trabalham em sua maioria para entidades corporativas e consultorias de investimentos.
A proliferação de levantamentos fez como que houvesse resultados bastante diversos, por exemplo, em relação à disputa presidencial. Mais do que isso, há, nos índices, uma certa divisão entre algumas e outras. Nas primeiras, a diferença de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) para Jair Bolsonaro (PL), há mais de um ano, está sempre com dez pontos ou mais. Já em outros levantamentos, essa vantagem petista cai substancialmente.
O que estaria ocorrendo? Erros de metodologia? Má-fé de uma parte dos institutos, tentando favorecer algum dos postulantes?
Na verdade, talvez não haja nada mais do que as diferenças que deveriam mesmo aparecer, de fato. Isso tem tudo a ver com o formato das entrevistas, ou seja, a maneira como se faz o banco de dados de cada rodada das pesquisas: por entrevistas presenciais, onde a abordagem é cara a cara entre pesquisador e eleitor; e por telefone, em que, na ligação, as perguntas feitas por um robô vão conduzindo o questionário, com a pessoa entrevistada respondendo por meio do teclado, acionando o número “x” ou o número “y”, de acordo com o comando de voz da inteligência artificial. Isso, por vezes, torna o processo, muitas vezes, enfadonho e até irritante.
Em outras palavras, a diferença entre os números estaria relacionada a como fazem as entrevistas. Mas em que tipo de pesquisa Lula se dá melhor? E por quê? E Bolsonaro, em quais levantamentos ele se aproxima do petista? E por quê? Mais ainda, a chamada terceira via se sai muito mal em todos os cenários. Qual a razão?
Primeiramente, é preciso dizer que tanto as amostragens feitas presencialmente como as que se dão por ligações telefônicas têm métodos científicos validados e podem ser utilizados, de acordo com uma quantidade de entrevistados e em determinada margem de erro. Não existe, portanto, pesquisa “errada”: apenas ocorre que elas vão dar o resultado que poderiam dar, dentro do universo pesquisado, mas não necessariamente vai ditar o que estará nas urnas no fim da tarde de 2 de outubro
Então, temos pesquisas que podem ser consideradas metodologicamente corretas, mas com suas idiossincrasias. E são esses “detalhes particulares” que fazem – ou podem fazer – uma diferença crucial que, lá na frente, causar estranheza a eleitores, principalmente os de algum candidato que ficar atrás do que os índices demonstravam.
Aqui entra uma questão que merece parênteses: a pesquisa reflete a intenção do eleitorado em um determinado momento, com uma determinada margem de erro. Ou seja, entre o dia da pesquisa e o encontro com a urna na cabine eleitoral, muita coisa pode mudar. Por isso, se diz sempre que os levantamentos apontam “tendências”.
Deixado esse recado, é preciso ir às questões práticas: quando um pesquisador vai a campo, ele tem uma relação de perfis os quais ele deve procurar. Isso parece, em princípio, mais fácil do que é na prática. Imagine ter de entrevistar uma dúzia de pessoas de classe alta, com poder aquisitivo acima de 10 salários mínimos mensais, numa região de condomínios fechados.
Ora, no Brasil, para essa tarefa é preciso primeiro passar pelo filtro da segurança da portaria, o que costuma ser burocrático e demorado. Isso faz com que a abordagem presencial encontre maior dificuldade de contato com pessoas mais protegidas – geralmente de condição financeira superior.
Por outro lado, a entrevista ligação telefônica também tem seus problemas. Por incrível que pareça, o aparelho celular ainda não é de uso universal num país continental, seja pelo preço, seja pela questão funcional – algumas pessoas tem muito mais dificuldade de utilizar suas funções. Mais do que isso (de novo): como as ligações são sempre automáticas, quem está do lado de cá da linha tem a opção de desligar. Ao saber que é para uma pesquisa de intenção de votos, muitos já fazem isso, porque não querem mesmo saber de política. Outros vão se cansando. Ficam até o fim os mais engajados.
Em todas as pesquisas, não importa se com contato pessoal ou por ligação, Lula tem tido melhor desempenho entre os mais pobres e Bolsonaro, nas classes mais altas. Isso tem levado vários estudiosos a alertar para o fato de que as pesquisas presenciais estão representando melhor as opiniões dos mais pobres, em detrimento dos mais abastados – já que é mais difícil acessá-los –, enquanto as consultas por telefone encontram gente mais rica e/ou mais militante. E, convenhamos, ninguém no Brasil hoje consegue ser tão militante quanto os bolsonaristas.
O que há de comum em todos os levantamentos? Se tomarmos em perspectiva maior, o que existe é um cenário bem monótono desde mais de um ano atrás: Lula na frente, Bolsonaro sempre com um eleitorado que lhe garante o 2º lugar com bastante folga e os demais concorrentes achatados abaixo de dois dígitos nas intenções de voto. A consolidação do voto nos dois mais destacados também é muito grande, com uma média de 80% de seus eleitores em potencial garantindo que não mudarão de voto.
Disputa monótona
Também nisso não há nada de anormal apontado pelas pesquisas: Bolsonaro é o atual presidente e Lula é o político mais memorável das últimas décadas para uma enorme faixa da população. A não ser que ocorra um fato extraordinário, a tendência é de que a disputa continue monótona, apenas com uma questão a definir – porém, importantíssima: a migração dos votos dos demais candidatos para os líderes, algo muito comum em pleitos com esse perfil, fará com que a decisão da eleição presidencial se dê ainda em primeiro turno?
Nesse aspecto, as pesquisas devem ficar de olho em duas circunstâncias que podem fazer o eleitor pensar duas vezes ao opinar, seja para um entrevistador ou um robô do instituto: o avanço do risco de uma tentativa de golpe (algo infelizmente cogitado e cujo alerta se dá em torno do discurso contra o sistema eleitoral) e a piora da crise econômica no tripé formado por inflação, desemprego e juros altos.
O segundo fator será ainda mais determinante. Como diz o jornalista Álvaro Borba, “as pessoas vão votar com o estômago porque a barriga é muito sábia e não se deixa enganar”.