O tempo passou rápido e já se vão 365 dias desde que o ex-metalúrgico, ex-líder sindical, fundador do PT e personagem protagonista da história da redemocratização nacional subiu a rampa do Palácio do Planalto pela terceira vez. Só o fato de ter voltado ao cargo máximo da Nação depois de ficar quase um ano e meio preso condenado por corrupção – em um processo que, a cada dia, ganha mais indícios de lawfare – já vale um roteiro epopeico para um megadocumentário ou algo do gênero saga.

Mas presidente da República, assim como treinador de futebol, vive de resultado e o veterano Luiz Inácio Lula da Silva precisa apresentá-los. Ele próprio sabe disso mais do que ninguém e, ainda uma coisa bem mais séria, sabe que seu desempenho à frente do time Brasil é uma condicionante para a estabilidade democrática e institucional.

E neste primeiro ano – ou ano 9 dos governos Lula –, o velhinho não decepcionou. Quer dizer, não decepcionou no conjunto da obra, embora ficasse devendo fazer mais no entender exatamente daqueles que foram e são seus primeiros apoiadores. Sim, é fato: se tem um grupo que pode se considerar mais descontente com o saldo ao fim destes 12 meses é a esquerda mais combativa.

No começo do ano, o campo progressista queria mais mulheres no Supremo Tribunal (STF). Como havia duas vagas a serem abertas e uma delas seria desocupada por Rosa Weber, a meta era convencer Lula a escolher duas ministras, tendo uma delas – na visão desse grupo – quase que obrigatoriamente de ser negra. Que decepção: o primeiro indicado foi ninguém menos do que seu advogado particular, o terrivelmente branco Cristiano Zanin, em lugar de Ricardo Lewandowski. Mas o golpe mais duro veio quando outro homem, ainda que não propriamente um caucasiano, tomou o lugar de Rosa: o ministro da Justiça, Flávio Dino, a escolha certa no momento errado, que reduziu à unidade representada por Cármen Lúcia a representação feminina na Corte.

Também houve desapontamentos por parte de indígenas e de ambientalistas, que esperavam um governo mais combativo contra a aprovação no Congresso do marco temporal e do chamado PL do Veneno, o projeto de lei que regulamenta uma infinidade de agrotóxicos e que foi sancionado, com alguns vetos, nos estertores do ano.

Quem votou em Lula para ter o retorno pleno dos programas voltados aos mais remediados, esses sim, tiveram o que comemorar. Aos poucos, vão sendo retomadas na íntegra as ações sociais que sempre foram marcas do PT nas variadas áreas: Bolsa Família (transferência de renda), Minha Casa Minha Vida (moradia), Mais Médicos (saúde básica) e o Desenrola (crédito) – esse, uma boa novidade –, entre outros. O salário mínimo voltando a aumentar acima do índice inflacionário também é um alento.

Já quem não votou no PT e apostava no fracasso da política econômica com o companheiro Fernando Haddad à frente do Ministério da Fazenda, teve de engolir aquele que foi o “craque do jogo” este ano, entre todos os nomeados por Lula. Sucessor natural do presidente na fila do Planalto para 2026 ou 2030, Haddad já tinha obtido vitórias antes de o governo começar, com a negociação de um orçamento exequível ao invés da bomba-relógio enviada ao Congresso pelo desgoverno anterior.

A grande vitória com gol de placa de Lula e Haddad em 2023 foi a aprovação da reforma tributária

Mas o sucesso na área econômica foi além: o produto interno bruto (PIB) cresceu acima das expectativas, a inflação esteve controlada e com viés de queda, o dólar terminou o ano mais baixo do que estava em 31 de dezembro passado e a Bolsa bateu recorde atrás de recorde de pontuação máxima neste dezembro. Preços dos combustíveis e de muitos itens alimentícios caíram – inclusive a propagandeada picanha –, embora tenha havido um revés em outros alimentos, como o arroz e o azeite.

Mas a grande vitória com gol de placa de Lula e Haddad em 2023 – além de Simone Tebet, que também fez sua parte no Ministério do Planejamento – foi a aprovação da reforma tributária após décadas de discussão. É um texto que está longe de qualquer perfeição, e descontenta um pouco a todos os envolvidos. Há quem ache que perdeu mais, inclusive. O fato é que a novela acabou e o País vai ter alguns bons anos para se adaptar, aos poucos, à nova forma de pagar impostos.

No cenário internacional, outra referência aos campos de futebol: como diz o refrão das arquibancadas, “ah, o Brasil voltou!”. A não ser que parta de um terraplanista das relações internacionais, não há como negar a capacidade de Lula de se fazer presente e estrelando eventos nas grandes cúpulas mundiais. Ainda que tenha havido pisadas na bola em certas declarações – como a “dificuldade” em ser mais claro quanto à invasão russa à Ucrânia e mais rápido para condenar o terrorismo do Hamas em 7 de outubro –, o presidente deu peso novamente ao País nas diversas mesas de negociações. A construção de seu discurso na Assembleia Geral das Nações Unidas, em agosto, foi uma das recentes páginas mais brilhantes da notável diplomacia brasileira.

Na agenda global que mais envolve o Brasil, a do meio ambiente, o governo federal obteve uma vitória com a queda nos índices de desmatamento da Amazônia e na apresentação de um projeto de economia verde, o que muito interessa ao mundo, no momento. Há também um compromisso de investimento bem maior em energias renováveis, coisa que o Brasil, diga-se, já está bem à frente da grande maioria dos países, graças ao potencial explorado da hidreletricidade. Porém, o descaso que parece existir em relação à devastação do Cerrado precisa gerar um movimento de 180 graus, puxado pela Presidência. Marina Silva, como ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, não pode ser apenas uma companhia lendária nas COPs que Lula frequentar: ela tem de receber todo o respaldo necessário diante dos eventuais entreveros com outras pastas do governo, como já foi escrito recentemente nesta coluna.

No fim e no geral, Lula se mostrou o mesmo de sempre: longe de implantar o “comunismo” no Brasil, trouxe para seu lado boa parte do Centrão, numa configuração muito mais danosa, aliás, do que nos velhos tempos do início do século. Os presidentes do Legislativo federal, o deputado Arthur Lira (pP-AL) e o senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG), não têm do que reclamar do presidente. Hoje, ao invés do que havia até 2022, o curto-circuito a ser sanado entre os Poderes envolve Congresso e Judiciário.

Isso porque o petista deveria ter “Conciliador” como seu aposto. Não tem nenhum político no Brasil que tenha feito tanto bem àqueles que geralmente o detratam: ruralistas, militares, evangélicos, banqueiros, todos eles foram beneficiados em governos lulistas passados e da mesma forma ocorre neste – basta ver o Plano Safra emplacado no meio do ano para o agronegócio, por exemplo.

Longe de ser um radical, Lula é puro espírito de benfeitor, irônica e especialmente a quem mais o critica. E assim, certamente, seguirá sendo em 2024 e até o fim de seu(s) governo(s).