Pode ser que alguma coisa aconteça de última hora, porque eleição, como futebol, às vezes é uma “caixinha de surpresas” – expressão no sentido original criada pelo jornalista Benjamim Wright, pai do ex-árbitro Fifa José Roberto Wright. Mas, quem acompanhou o processo desde seu início (bem como as pesquisas de intenção de voto, que tiveram intensificação nas últimas semanas), apostaria notadamente quase todas as fichas em que nada vai mudar drasticamente (e literalmente) de um dia para outro.

O cientista político Alberto Carlos Almeida, autor de A Cabeça do Eleitor” e A Cabeça do Brasileiro – e que recentemente publicou, também na temática eleitoral, A Mão e a Luva: o que Elege um Presidente, em dupla com Tiago Garrido –, há quase um ano já vinha classificando como “entediante” o atual processo eleitoral. Cada divulgação de resultado de pesquisa acabou corroborando essa consideração. Os índices de todos os candidatos se alteraram quase sempre dentro da margem de erro.

O motivo é básico, como o próprio Almeida, já havia justificado: há na disputa, como principais oponentes, dois candidatos ambos populares, ambos tachados de populistas e ambos venerados por seus militantes. Ambos, também, já se sentaram e sentiram os contornos da cadeira de presidente.

A política brasileira não foge ao padrão da América Latina e tem como uma característica mitificar seus principais personagens. Foi assim com Getúlio Vargas, depois com Juscelino Kubitschek e, mais recentemente, com Luiz Inácio Lula da Silva (PT) – aquele que quer a cadeira do Planalto de novo. E o petista concorre com ninguém menos do que ganhou a alcunha de “Mito”. O atual fiel depositário do assento.

Pelo bem da verdade, que se diga: o apelido de Jair Bolsonaro (PL) já existia antes da vitória eleitoral de 2018, quando ele ainda era o Bolsomito, um deputado federal que tinha como principal produtividade de sua atuação parlamentar aumentar a audiência de programas de TV vespertinos com declarações que, de tão estúpidas e deslocadas do bom senso, encantavam, de um modo bizarro, um quantitativo cada vez maior de pessoas.

Eram, na verdade, fãs. E seguem sendo até hoje, condescendentes com o ídolo em tudo, desde que o carregaram pela primeira vez no desembarque de algum aeroporto de alguma cidade, onde, a partir de 2014, começou a construir sua campanha eleitoral para presidente.

Lógico que ele não imaginava que chegaria lá, ao assento da cadeira mais famosa de Brasília. Para que tal fato inusitado não fosse apenas um conto de Gabriel García Márquez, ocorreu uma tempestade perfeita: o desastre da economia no segundo governo de Dilma Rousseff (PT); o sentimento antipolítica que nasceu como flores do mal das manifestações de 2013; e a amplificação do ódio aos partidos políticos, com especial destaque para o PT, trazido na bagagem da Operação Lava Jato. Bolsonaro, o antipolítico com 30 anos de política, foi eleito assim. Mas o desastre de sua gestão era, para recorrer a Gabo de novo, a crônica de um enredo anunciado. A pandemia foi só um toque de ironia da História.

Depois de quatro anos de “governo em campanha” por parte do presidente, a dúvida que resta, por tudo o que tem havido de entediante, é se Lula vencerá Bolsonaro no primeiro ou no segundo turno. Por isso, foi emblemática a imagem do presidente na última semana desta campanha: berrando dia sim, outro também, contra Alexandre de Moraes, seu arquirrival no Supremo Tribunal Federal (STF) e também atual presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), o algoz que ele escolheu desde o ano passado para diante se autoimolar. Em sua indefectível live realizada em algum cubículo – porque a Justiça Eleitoral, como deveria mesmo proceder, cortou-lhe o barato de usar os recursos públicos do Palácio da Alvorada para atividades de campanha –, ele mostra olhar de desespero e cabelos desgrenhados, compondo um visual que exala derrota.

Por outro lado, Lula, a despeito do atrito com o dublê de candidato Padre Kelmon (PTB), que quase transformou o debate dos presidenciáveis em versão global do Programa do Ratinho, mostra serenidade e bom humor. Se eleito, talvez sejam os momentos menos tensos que enfrentará nos próximos anos, diante do quadro em que se encontra o País e do que se espera de uma oposição que estará disposta a tudo para destruir qualquer pacto que tenha o PT à frente.

Ciro Gomes (PDT) e Simone Tebet (MDB) chegaram ao fim da campanha se cruzando, tanto nos debates como nas linhas dos gráficos das pesquisas eleitorais. Mais do que isso, o viés de baixa de um e o de alta da outra refletem as escolhas que ambos fizeram desde que estavam em pré-campanha. O pedetista jogou todas as fichas no personalismo de seu projeto; a emedebista esperou todos os nomes da terceira via minguarem para fazer emergir o seu. Deve terminar com a medalha de bronze da corrida.

O sentimento é de que, pelo menos neste primeiro turno, ter tédio foi uma vitória, diante do temor de tanta violência política que se prenunciava.