Na dúvida de quando o novo coronavírus chegou, melhor mesmo é proteger a população

05 abril 2020 às 00h00

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Presidente e empresários levantam a voz para criticar sem qualquer ponderação governadores por defenderem a vida diante da imprevisibilidade e letalidade da doença

O Brasil tinha a certeza de que receberia equipamentos de proteção individual para médicos, respiradores para hospitais de campanha e insumos para capacitar a rede de saúde em todo o País para atender minimamente bem a demanda do aumento de casos mais preocupantes de síndromes respiratórias agudas graves. Muitas das internações podem ter sido causadas pela Covid-19. E talvez bem antes do que imaginávamos.
Precisamente 36 dias antes do que tínhamos como registro confirmado do primeiro contágio pelo novo coronavírus na cidade de São Paulo. Aquela noite de terça-feira de Carnaval já foi deixada para trás. O Ministério da Saúde confirmou na quinta-feira, 2, que o caso inicial de morte e confirmação até agora conhecido de Covid-19 no País se deu em 23 de janeiro em Minas Gerais, mas, no dia seguinte, disse que foi um erro no registro do óbito, que teria ocorrido em 23 de março. Uma mulher que tinha 75 anos morreu com sintomas de síndrome respiratória aguda grave.
Hoje sabemos, após exames, que tratava-se da doença causada pelo novo coronavírus, o Sars-Cov-2. Isso levou o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, a recomendar às pessoas sem sintomas de doença respiratória que usem máscaras caseiras. A pasta inclusive publicou um manual de como fabricar sua máscara de pano, TNT ou outro material em casa.
Recomendação exagerada?
Mas se nem a Organização Mundial da Saúde (OMS) recomenda o uso de máscaras por quem não está com sintomas como tosse, catarro, espirro e febre, não é profissional de saúde ou vive na mesma casa que uma pessoa em quarentena, por que o Ministério da Saúde quer que as pessoas usem máscaras de fabricação caseira?
A primeira explicação é não gerar uma corrida maluca por máscaras cirúrgicas, N-95 e outros modelos usados em unidades de saúde. Além de não desabastecer o equipamento de proteção individual para quem realmente precisa, há uma tentativa de criar um hábito antigo de países asiáticos de prevenção contra os efeitos da poluição do ar e a proliferação de gotículas de saliva contaminadas.
Espere um pouco! Mesmo assim não faz sentido.
Medidas necessárias
É a partir daqui que tudo faz todo sentido. Quando o Brasil soube, comunicado pela China, que não receberia mais os itens que tinha solicitado, toda a estratégia de ampliação da rede de hospitais de campanha, sete deles no interior de Goiás, e de abastecimento da rede de saúde pública com respiradores e equipamentos de proteção individual foi pelo ralo. E foi aqui que o governador Ronaldo Caiado (DEM) viu que precisava agir para tentar proteger ao máximo a população do Estado.
A economia já sente e muito o baque do fechamento obrigatório do comércio e da indústria nas inúmeras atividades consideradas não essenciais pelo decreto de emergência em saúde pública estadual prorrogado na sexta-feira, 3, até o dia 19 de abril. Em projeção feita pela Universidade Federal de Goiás (UFG), o número de casos confirmados da Covid-19 pode chegar a 2,2 milhões de habitantes de Goiás e matar 400 pessoas no Estado sem a adoção de medidas de isolamento social e restrição às atividades econômicas.
Já com a adoção de regras de fechamento, a necessidade projetada de 58 mil leitos de hospital cairiam para 9 mil vagas na rede de saúde em Goiás. Com a restrição continuada, a projeção cai para 21 mil casos confirmados daqui a 30 dias e o total de mortes pode ser menor, abaixo de 200. O estudo da UFG apontou que a flexibilização do decreto estadual levaria à verificação de 110 mil pacientes com Covid-19 no início de maio.
Reclamações incorretas
Houve, até aqui, um foco equivocado nas reclamações. Líderes empresariais e industriais evidenciaram governadores e prefeitos ao pedir a reabertura do comércio nos Estados. Mas se esqueceram que não há dicotomia na defesa da economia e da vida. São duas questões mais do que importantes que caminham juntas. E os presidentes de associações e federações bem sabem que cabe ao governo federal dar o suporte necessário aos negócios, desde o microempreendedor individual ao grande industrial.
Mas parece que há uma dificuldade em cobrar do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) que deixe o palanque eleitoral com foco em 2022 um pouco de lado e lidere a aplicação imediata e já bastante atrasada de medidas emergenciais de garantia de renda e sustentação a trabalhadores e empresas. Qual é a barreira para direcionar o foco das reclamações à falta de ação rápida e madura do chefe da nação, eleito com o apoio da maioria das lideranças empresariais e industriais do País?
A renda mínima emergencial de R$ 600 a R$ 1,2 mil, que tem sido chamada de forma mais do que errada de “coronavoucher”, ainda não saiu do papel. O Congresso aprovou o socorro aos trabalhadores autônomos, desempregados e microempreendedores individuais há seis dias. Vou repetir. Seis dias. E só na quinta-feira, 2, depois de muita pressão, uma Medida Provisória foi publicada, mas sem a liberação imediata do recurso, que ficou para terça-feira, 7.
Desculpas cansativas
Em entrevistas quase que diárias, tanto Bolsonaro como o ministro da Economia, Paulo Guedes, inventam desculpas para não pagar logo a renda mínima emergencial. Mesmo com uma liminar do ministro do Supremo Tribunal Federal, Alexandre de Morais, em uma das mãos do governo federal e um decreto de calamidade pública aprovado pelo Congresso na outra, o que ainda falta para fazer algo efetivo para socorrer a economia em um momento tão urgente? Descer do palanque.
Se há uma subnotificação evidente dos casos de Covid-19 no Brasil e em Goiás, além de existir agora uma dúvida de quando começou o contágio comunitário, entre pessoas que estavam no País, Caiado agiu mais do que corretamente ao tentar proteger os goianos. Por mais que até o Estado tenha uma previsão de frustração em seu orçamento na casa dos bilhões de reais, cabe ao gestor público eleito tomar decisões, embasado de informações técnicas, em defesa da população.
E foi o que fez, ao seguir nota técnica da Secretaria Estadual de Saúde, recomendação da OMS, do Ministério da Saúde e do conhecimento que tem como médico. A pergunta que fica é quando os líderes empresariais goianos vão olhar para o presidente da República, que insiste em botar a vida e a renda de milhões de brasileiros em risco grave, e cobrar por medidas que já deveriam ter sido tomadas há mais três semanas?