Iris vai encontrar terra arrasada

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Do ponto de vista financeiro, o prefeito eleito de Goiânia será recebido por um tapete vermelho de 350 milhões de reais. Com um detalhe: cheio de buracos

Iris Rezende, ao retornar de sua falsa aposentadoria política, disse que seria candidato porque a situação da Prefeitura de Goiânia é muito ruim. Nesse aspecto, ele tem toda a razão, embora seja óbvio que ele não se desaposentou por essa razão. Na verdade, sua aposentadoria foi uma ótima estratégia para sair da mira dos seus adversários e, ao mesmo tempo, desviar a atenção e o tiroteio político para aquele que mais o ameaçava na época, o deputado federal Waldir Soares, que foi automaticamente alçado à condição de alvo a ser batido.
Mas sobre a situação da Prefeitura, o período sabático de Iris não foi longo o suficiente para que as coisas deteriorassem a tal ponto que justificasse, pela sua ótica política, um retorno triunfal. Estava muito ruim antes, permanece muito ruim agora. A sua equipe de transição, que inclui Dário Campos, seu ex-secretário de Finanças e que poderá retornar ao cargo, conclui em rápido diagnóstico precoce que compromissos já contratos e restos de contas que não vão ser quitadas este ano vão compor uma herança danada de 350 milhões de reais. As folhas de pagamento dos servidores, pelo menos foi o que garantiu o prefeito Paulo Garcia, vão ser pagas em dia.
O buraco de 350 milhões de reais no cofre não é o único grande desafio que Iris terá pela frente em seu terceiro retorno à Prefeitura para cumprir seu quarto mandato. Milhares de outros buracos estão nas ruas e avenidas, e certamente não serão todos eles tapados. E daqui até sua posse, outros mais surgirão. O prefeito Iris também encontrará um rombo na qualidade do atendimento da rede municipal de saúde, no serviço de limpeza. Enfim, uma buraqueira extraordinária. Se há algum consolo, ele pode ter certeza absoluta de que não foi escolhido o único dos céus para debelar tantos problemas sérios e que cobram soluções imediatas: todos os prefeitos eleitos vão encontrar situações assemelhadas ao caos.
O grande problema que poderá atormentar os primeiros meses de Iris Rezende é a impaciência da população. Parte dessa impaciência é natural pelo incômodo que o serviço público de má qualidade gera. A outra parte, talvez com carga maior do que a primeira, é que Iris se apresentou ao eleitorado como um salvador da pátria goianiense, então é natural que exista a esperança de muita gente em soluções imediatas para problemas estruturais e conjunturais da cidade. Só que não existe dinheiro suficiente para tocar o barco e, ao mesmo tempo consertar os estragos no casco. Vai ter que na vegar com remo quebrado.
Aparentemente, ele não poderá sacar do bolso do seu colete uma velha solução — invariavelmente adotada em todos os seus mandatos tanto como prefeito como no governo do Estado: aumentar a arrecadação via elevação de impostos. No caso, IPTU e ITU. Além do gravíssimo problema econômico que só agora começa a se diluir e perder a força em nível nacional, o cidadão já está sufocado o suficiente e poderá se rebelar contra mais impostos. Até pelo fato de que a curva da arrecadação tenderá a cair mais com aumentos acima da correção inflacionária, explodindo assim a inadimplência. Nesse aspecto, não existe qualquer espaço para manobra. Iris terá que usar toda a sua imensa experiência administrativa para fazer curva na reta. Não será fácil.
A médio prazo, Iris Rezende poderá criar um problema bastante complicado se realmente quiser municipalizar o serviço de água. A encrenca não é somente pela quebra de contrato, que terá que ser decidida na Justiça. Se perder, teria que indenizar o Saneago em dezenas de milhões de reais — inexistentes no caixa da Prefeitura — e ainda correria o sério risco de ficar com os canos espalhados pela cidade transportando vento e não água. Como a captação não é totalmente feita no município de Goiânia, a Prefeitura teria que “comprar” água da própria Saneago, ou construir novas barragens, e assim passaria a ter que indenizar municípios vizinhos que por ventura tenham território inundado. Enfim, é uma encrenca ainda não inteiramente dimensionada.
Ao todo, conforme levantamentos preliminares, Iris Rezende anunciou obras ao longo de seu mandato que podem ultrapassar fácil a capacidade econômico-financeira da Prefeitura de Goiânia, que vem perdendo participação no bolo municipal do ICMS por falta de uma política de incentivo a novos empreendimentos. Esse caso aparentemente não tem solução já que Iris, na campanha, defendeu a ideia de orientar a cidade para o aspecto administrativo próprio de uma capital de Estado. Se ele não mudar de ideia, ou encontrar uma outra forma de substituir a expansão econômica da cidade, fatalmente terá que, assim que a crise for totalmente superada, elevar o custo dos impostos, o que tornará a vida na cidade muito mais cara.
Iris Rezende é provavelmente o mais experiente administrador eleito nas eleições de outubro em todo o Brasil. E ele precisará, sim, além de colocar em prática esse conhecimento adquirido ao longo dos anos, redescobrir uma veia criativa que talvez ainda não tenha aflorado. Na década de 1960, quando assumiu a Prefeitura de Goiânia pela primeira vez, ele inovou ao urbanizar uma prática comum no meio rural, o mutirão. Hoje, nem o campo se vale mais desse tipo de ação comunitária, a não ser em comunidades isoladas e muito pobres. Numa capital como Goiânia, mutirão talvez soe antigo demais para ainda assim ser moderno. E a modernidade não é um artigo de luxo para o goianiense, mas uma necessidade que abrange todos os setores da vida dos cidadãos, como o trânsito, a limpeza e conservação e o atendimento na rede básica de saúde.
Iris prometeu realizar a melhor administração de sua vida. Tomara que consiga.