Insistência em Tebet mostra como o partido do PIB faz questão de ter candidatura
10 julho 2022 às 00h00
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Luta inglória para a elite econômica: se a esquerda ainda detém seus votos, os que eram dos liberais estão no poder da extrema-direita
Os nomes (até dois meses atrás, assim, no plural) da chamada “terceira via” das eleições presidenciais de 2022 apareceram frequentemente como coadjuvantes dos textos desta coluna. Por pelo menos duas vezes, foram o tema central: na edição 2424, intitulada Com Alckmin ‘quase’ na chapa, Lula mostra que a terceira via é ele mesmo; e na edição 2441, com o título “A terceira via morreu antes de nascer. E já faz tempo”.
Aparentemente – mas só aparentemente, como será explicado adiante –, terceira via foi o nome convencionado para se chamar a candidatura que seria “a” alternativa à polarização entre os favoritos Luiz Inácio Lula da Silva (PT), sempre liderando as pesquisas, e Jair Bolsonaro (PL), candidato à reeleição e preferido, no momento, por cerca de um terço dos eleitores. O artigo definido “a” em vez de “uma” explica muito do porquê a tal terceira via não pode ser entregue a um qualquer ou a qualquer um.
A bola da vez – e que, parece, será de fato a “bola” até outubro – é Simone Tebet. A senadora sul-mato-grossense do MDB foi comendo pelas beiradas, despretensiosa em sua pretensão: com tantos conchavos e desacordos no caminho, foram caindo (não necessariamente nesta ordem): Luciano Huck (sem partido), Luiz Henrique Mandetta (União Brasil), Rodrigo Pacheco (PSD), Eduardo Leite (PSDB), Sergio Moro (União Brasil) e, por último, João Doria (PSDB). À exceção de Moro, nenhum deles sequer passou perto de dois dígitos. Alguns dos nomes tiveram – como Tebet tem – de chegar a 2% ou de se manter nesse índice nanico.
O processo dessa escolha, como foi se delineando, mostra que Tebet acaba sendo menos uma vitoriosa do que uma sobrevivente. Sem se desgastar com muita exposição, beneficiada por sua competente participação na CPI da Pandemia e tendo a estrutura do MDB como um ativo adequado ao momento, a senadora chegou ao fim da corrida pré-eleitoral como o nome de consenso. Mas que consenso?
O consenso, no momento, é de três partidos: MDB, PSDB e Cidadania. Todos menores do que um dia foram – talvez apenas não o Cidadania, que nunca foi grande – e mesmo assim bastante divididos: dentro de cada uma das siglas da terceira via, há não pouca gente que desde agora já apoia abertamente Lula ou Bolsonaro.
E então chega a hora da verdade dura de aceitar e que já foi bastante afirmada, mas que precisa ser repetida tantas outras vezes: nesta eleição, não há qualquer chance para a terceira via.
Na verdade, em qualquer nação do planeta, uma terceira via de fato é algo complicado de ser viabilizado. Ao contrário do que possa parecer pelo que vem sendo derramado nos ouvidos dos brasileiros nos últimos tempos, a polarização não tem nada de anormal: geralmente, a política se divide em dois lados. Nos Estados Unidos, são os democratas e os republicanos; no Reino Unido, os conservadores e os trabalhistas; em Portugal, os socialistas e os socialdemocratas. De vez em quando aparece um “fato novo” como foi Emmanuel Macron, tido como de centro, mas que, de fato, era a alternativa diferente na França.
E, que não assuste o que vai ser dito logo em seguida, mas, em 2018, Jair Bolsonaro foi o Macron brasileiro. Não ideologicamente falando, óbvio, mas por ter incorporado o voto daqueles que estavam insatisfeitos com os polos então opostos durante décadas: o PT, que de esquerda se tornou um partido de centro-esquerda; e o PSDB, que foi de socialdemocrata para a centro-direita em poucos anos de existência. Junte-se a sensação de continuísmo a uma Lava Jato no meio do caminho para desacreditar a política e temos o “coquetel” perfeito para um azarão ter chances. E foi o que aconteceu.
O problema foi que a ascensão de Bolsonaro tomou uma parte do eleitorado com que bancos e grandes empresários, congenitamente avessos ao PT – apesar de não poder reclamar dos ganhos nos governos do partido –, sempre “trabalhavam” para o PSDB, considerado o “partido do mercado”.
Em suma, trata-se disso a tal “terceira via”: aquele nome com quem a elite financeira/econômica pode contar para suas pautas, que incluem privatizações, redução de carga tributária e “flexibilização” de direitos, especialmente trabalhistas.
A grande mídia está dentro desse pacote. Quando chama de “terceira via” um candidato “nem Lula nem Bolsonaro”, não inclui Ciro Gomes (PDT), sempre constantemente posicionado em 3º lugar nas pesquisas, com algo entre 6% e 9% das intenções de voto; também está fora o deputado federal André Janones (Avante-MG), que aparece na maioria das pesquisas no mínimo empatado com Simone Tebet em 1%, mas frequentemente à frente, com 2%.
Por que esses nunca foram levados a sério como terceira via? Porque não têm os pré-requisitos exigidos pelos donos do PIB nacional, não são confiáveis para a implantação da pauta que, ao aderir desconfiados ao bolsonarismo para vencer o PT, entregaram a Paulo Posto Ipiranga” Guedes. Pensaram que o “Chicago boy” seguraria as rédeas do capitão no tocante à economia ultraliberal que se pretendia implantar, mas não deu nem perto.
O PIB nacional sempre teve candidato nas eleições. De 1989 ao primeiro turno de 2018. Ao iniciar a segunda fase do último pleito, como competente porta-voz, o Estadão deixou claro o pensamento do grupo: “Uma escolha muito difícil”, como resumiu o título do editorial da segunda-feira após as urnas que definiram Fernando Haddad e Jair Bolsonaro no duelo pela cadeira do Planalto a partir do ano seguinte.
Agora, a perspectiva da volta do PT, com Lula, e a evidente irresponsabilidade suicida de dobrar a aposta em Bolsonaro fazem os donos do PIB indigestos com os rumos dos últimos quatro anos ficarem atônitos. Se a esquerda ainda detém seus votos, os que eram dos liberais passaram para o poder da extrema-direita. E, no fim, para a terceira via sobrou Tebet.
Na Globonews, fiadora quase discreta mas sempre persistente da terceira via, o jornalista Guga Chacra teve um ataque de sincericídio que o deixou com todo o jeito de ombudsman da rede no programa Em Pauta, ao tocar no assunto:
“Sejamos honestos, terceira via inexiste neste momento. Se eu fosse correspondente estrangeiro no Brasil, eu não cobriria, sequer citaria numa reportagem, um candidato ou uma candidata com 1% das intenções de votos. Isso não é relevante, de forma alguma.”
Não há muito que fazer para quem é do partido do PIB, como as grandes empresas de comunicação podem expressar – e expressam. Guga só externou o ponto de vista dos que trabalham dentro da máquina que pode muito, mas não pode tudo. E, nos tempos modernos, vem podendo cada vez menos.