Goiás tem duas opções: cumpre rigorosamente a quarentena 14 por 14 ou deixa aqueles que amamos morrer

05 julho 2020 às 00h00

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Decisões possíveis para frear a curva de mortes e ocupação de leitos de UTI para Covid-19 precisam ser ouvidas, internalizadas e obedecidas

O ideal seria um lockdown. Sim. Fecha tudo. Mas é viável? Não. Primeiro porque os empresários esperam até hoje que os empréstimos venham com condições facilitadas dos bancos privados. Vieram? Não.
Em segundo lugar, o Senado aprovou no dia 16 de junho a prorrogação por mais 60 dias da suspensão de contrato ou redução de jornada dos trabalhadores da iniciativa privada por meio da Medida Provisória 936.
Entramos no mês de julho sem a medida ter sido sancionada e o decreto publicado para que os empregadores possam usar o mecanismo para tentar respirar em meio à crise intensificada pela pandemia da Covid-19.
Auxílio emergencial
Já o auxílio emergencial, que se mostrou eficaz em socorrer aqueles que ficaram sem renda, dos informais e desempregados aos microempreendedores individuais (MEIs), valerá por mais dois meses com o mesmo valor, R$ 600. Medida acertada do governo federal, que garante ao menos o que comer a milhões de famílias.
Em um cenário de complicações econômicas, a saúde é quem mais sofre. E o País já perdeu mais de 60 mil pessoas para a Covid-19. Quando esta coluna foi escrita, o novo coronavírus caminhava para atingir a marca de mais de 600 vítimas em Goiás.
E tudo isso em um processo de aceleração do contágio, do total diário de mortos e da sobrecarga dos leitos da Unidade de Terapia Intensiva (UTI) destinados ao tratamento de pacientes com Covid-19 na rede pública.
Leitos disponíveis
Em Goiânia, as vagas disponíveis para internação em leitos de UTI têm variado diariamente entre dez e nenhuma. Há duas semanas, todas as 107 vagas estavam ocupadas nos seis hospitais que atendem casos do novo coronavírus na capital, de acordo com o sistema da Secretaria Municipal de Saúde. Goiânia tem mais de 7 mil casos confirmados da Covid-19, com o total de óbitos cada vez mais próximo de 200.
Desde segunda-feira, 29 de junho, Goiás tem confirmado um número diário superior a mil novos casos da doença. Até o dia 25 de maio, o Estado tinha menos de cem mortes confirmadas por Covid-19 e um total de 2.512 pessoas com o novo coronavírus.
40 dias depois, Goiás se aproximava de 30 mil pessoas com o Sars-CoV-2 e superava 600 vítimas. No dia que rompeu a barreira dos quatro dígitos nas mortes, com 104 óbitos, o Estado confirmava em 26 de maio mais oito óbitos e 161 novas infecções pelo coronavírus.
Redução do intervalo

Dos três primeiros três casos confirmados, no dia 12 de março, Goiás demorou 75 dias até chegar a cem mortes por Covid-19. A evolução da doença se apresentava em velocidade lenta até 20 de abril, quando começou o processo de reabertura das atividades consideradas não essenciais.
Naquela data, o Estado tinha um total de 403 casos confirmados e 19 mortes. Da morte cem até o óbito 200, o intervalo foi encurtado para 15 dias. A vítima 300 da doença foi registrada oito dias depois. Desde 26 de junho, o registro de mais cem vítimas da doença começou a surgir com apenas cinco dias. Mas do óbito 500 para o 600, o intervalo foi de apenas dois dias.
No domingo passado, quando o Estado registrou um total de 22.012 casos confirmados do novo coronavírus e 435 mortes por Covid-19, os três pesquisadores da Universidade Federal de Goiás (UFG) responsáveis pelas projeções de avanço da doença em Goiás já avisavam há mais tempo: chegou a hora de fechar tudo, precisamos sair da condição de isolamento social pela metade ou veremos 18 mil goianos vítimas da doença até setembro.
Muita gente preferiu insultar um dos cientistas, mas não quis enxergar a realidade.
Recorde de mortes
Três dias depois, chegávamos a 521 mortes na quarta-feira, 2. Oito dias depois da reabertura de galerias e shoppings. Um dia depois da volta das atividades na Rua 44. Cinco dias depois, a 602 vítimas.
A tendência, com um isolamento de apenas 38% – que em março chegou a superar 60% -, é ver o aumento diário de novos casos pular da casa de mil para 2 mil a cada 24 horas. As mortes começaram a bater recordes nos boletins. Eram 23.606 em todo o Brasil no dia 26 de maio. 37 dias depois, 60.713 vítimas.
Em Goiás, as mortes saltaram de 104 para 521 no mesmo intervalo. Os números diários de óbitos no Estado começaram a assustar até quem acreditou que a Covid-19 era só uma “gripezinha” e não acometia quem tem histórico de atleta.
Marca triste
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Apenas na quarta-feira foram confirmadas 46 novas vítimas da doença. Mas a coisa piorou. Na sexta-feira, 3, vieram mais 57 mortes em 24 horas. Mantido esse ritmo de aumento de óbitos, podemos chegar à marca de cem mortes em menos de dois dias no Estado, o que não queremos que se torne realidade, mas está cada vez mais próximo.
Diante deste cenário, há quem queira tratar seus pacientes que apresentem sintomas leves com cloroquina. Mas há quem entendeu o recado, encarou o desgaste político, reconheceu que era preciso restringir as atividades, reduzir o número de pessoas nas ruas e estabelecer 14 dias de fechamento.
Não é um lockdown, o que seria ideal. Mas isolar as pessoas por duas semanas e reabrir nos 14 dias seguintes, em movimentos de ida e volta alternados, pode ajudar a entender melhor o avanço do vírus, criar algum acompanhamento sério dos contatos dos pacientes e tentar reduzir o contágio.
Pelas vidas dos que amamos
Com 14 dias de abertura, que tendem a possibilitar maior flexibilização das atividades – antecedidos de 14 de restrição -, o impacto na economia pode ser menor do que se fizéssemos um lockdown. E milhares de vidas têm a chance de ser poupadas por medidas duras, mas responsáveis por preservar a vida dos habitantes do Estado, de Goiânia, dos seus vizinhos, amigos e parentes.
Em duas semanas, dois amigos perderam seus pais, outros cinco testaram positivo para o novo coronavírus e recebem acompanhamento médico a distância. Uns estão com sintomas mais graves da Covid-19, outros com manifestações mais leves da doença.
Que a minha mãe e os seus avós possam contar aos netos e bisnetos sobre aquele tempo maluco que vivemos durante a pandemia em 2020, dos dias difíceis às restrições impensáveis. Mas que estejamos vivos para contar essa história.