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A cada solavanco, que quase sempre equivale a um terremoto, provocado pelo avanço da Lava Jato, a Brasília dos políticos articula alguma alternativa atrás de sobrevivência

Embora a lista fechada seja mais avançada do ponto de vista democrático, o sistema não aprimora a democracia | Foto: Divulgação

É difícil não perceber que quase todas as mexidas nas leis eleitorais discutidas, articuladas e aprovadas pelos atuais detentores de mandato visam a proteção de seus próprios interesses políticos. Isso não é novidade. O sistema eleitoral brasileiro parece caminhar sempre e inexoravelmente rumo a uma piora sistemática do processo de escolha, tornado praticamente um jogo de cartas marcadas de um velho baralho profissional.

A última dessas “jogadas” é uma tal de lista fechada ou lista partidária. A respeito disso, inclusive, circula nas redes sociais, especialmente no Facebook, uma analogia sobre esse sistema eleitoral que faz menção a um cliente em um restaurante. Na historinha, o consumidor chega ao estabelecimento, se senta à mesa e pede o cardápio para o garçom, que imediatamente informa que o modo de servir refeições mudou. A partir de agora, não existe mais um cardápio de livre escolha, mas um prato-surpresa que será preparado pelo cozinheiro-chefe. O cliente diz que vai procurar um outro restaurante, mas desiste depois de ser informado que todos os estabelecimentos adotaram a mesma prática. A história termina afirmando que isso é como a tal lista fechada nas eleições.

É assim mesmo? Não, não é. Usando essa mesma analogia, o cliente teria a informação, antes de entrar, do prato que é servido. E faria assim a escolha que quisesse depois de ver o que cada restaurante teria a oferecer, arroz, macarrão, vegetais ou carnes. Escolhido o prato, aí, sim, o tal consumidor entraria no restaurante, se sentaria à mesa e receberia o tal prato escolhido ainda do lado de fora e após ter feito a comparação com os demais estabelecimentos. Ou seja, ele não entraria “no escuro”, mas sabendo previamente o que iria comer. Essa, sim, é a lista fechada nessa analogia.

Pode-se questionar se o atual sistema não é mais democrático. E a resposta é que não, não é. Até porque a tal livre escolha individual não existe. Voltando ao tal restaurante, o voto atualmente é como se o cliente pedisse arroz, o garçom anotasse feijão e o prato servido fosse macarrão. Isso porque o voto aberto individual não é computado inicialmente para o escolhido, mas para a coligação partidária, para só depois cair para o partido e, então, chegar ao candidato. E muito embora o voto tenha sido computado, o eleito pode não ser exata e necessariamente aquele que foi escolhido pelo eleitor. Arroz, feijão e macarrão.

De qualquer forma, tanto o voto aberto como a lista fechada são sistemas de eleição proporcional. O oposto disso é o voto distrital, em que o eleito é aquele que tiver maior votação em uma região demarcada — o distrito eleitoral. Entre um sistema e o outro, há o híbrido voto distrital misto — metade dos eleitos sai dos distritos e a outra metade vem do sistema proporcional, geralmente através de lista partidária ou fechada. Nesse caso, o eleitor escolhe duas vezes para o mesmo cargo, um para o representante do distrito e o outro dentro da lista. Para aumentar de vez a confusão desses caminhos eleitorais pelo mundo, há ainda um sistema complicadíssimo: a lista partidária com voto individualizado. O eleitor escolhe o partido — a lista — e dentre os candidatos, indica seu preferido. Nesse caso, o processo também é proporcional e não distrital.

Enfim, o que se pretende mostrar aqui é que não existe unanimidade na democracia para as eleições. O pior modelo é o adotado no Brasil porque faz com que o candidato tenha como primeiro adversário o seu colega de partido. Quem perde vira suplente do colega ao lado, da mesma trincheira partidária. É por essa razão também que em todas as campanhas há acusações de “invasão” de diretórios entre candidatos do mesmo partido.

Voltando a Brasília, embora a lista fechada ou lista partidária seja mais avançada do ponto de vista democrático e proporcional, a adoção desse sistema agora não visa um aprimoramento da democracia brasileira, mas uma indisfarçável manobra para manter tudo exatamente como está. A migração de um sistema para o outro demanda alguns anos de debates, informações e divulgação plena para que todos os cidadãos possam realmente conhecer, absorver, compreender e então usar a lista fechada como seu poder de decisão. Adotar a lista já nas eleições do ano que vem tem mesmo o modus operandi do casuísmo porque provavelmente provocaria uma abstenção bem maior do que a registrada nas eleições atualmente, além da explosão de votos brancos e nulos, beneficiando, sim, os atuais mandatários, que possuem pequenos ou grandes colégios eleitorais — alguns são autênticos “currais”. É uma mudança grande demais para não mudar coisíssima alguma. Ou mudar o mínimo possível.

Mas esse “tiro” pode literalmente sair para o lado errado. Isso porque os partidos que se prepararem para eleições com lista fechada de maneira adequada podem lançar candidatos novos, sem manchas provocadas pela Lava Jato e outras operações do tipo, e fazer uma campanha eleitoral mostrando que as listas dos partidos adversários contêm candidatos que frequentam uma outra listinha, a de Rodrigo Janot. Como na vida, quando a malandragem é muita, termina por devorar o malandro. Pode ser esse o caso. l