Pouco adiantou aumentar o número de leitos, mostrar a alta de casos confirmados, mortes e a ocupação da rede de saúde, goianos insistem em fazer da vida um jogo de sorte ou azar na crise sanitária

Goiás superou na tarde desta terça-feira, 2, a marca de 400 mil casos confirmados de Covid-19. São 401.535 infecções identificadas no Estado desde março de 2020. Na manhã de hoje, as pessoas que estão com a doença ou que tiveram Covid-19 nas cidades goianas eram 398.958. O que significa que 2.577 casos da doença foram confirmados a partir das 10 horas.

No dia anterior à confirmação de que superamos 400 mil casos de Covid-19, o isolamento social foi o segundo pior do ano para uma segunda-feira. De acordo com dados da ferramenta InLoco, Goiás teve apenas 32,6% de pessoas que ficaram em casa. Isso no primeiro dia de vigor das medidas restritivas às atividades econômicas consideradas não essenciais durante a pandemia em quase toda Região Metropolitana de Goiânia e outras cidades do interior do Estado.

Abaixo da média nacional de isolamento, que ficou em 34,2%, Goiás só teve uma segunda-feira pior no total de pessoas em casa no dia 22 de fevereiro, quando a taxa foi de 29,6%. É o sétimo pior índice do País, na frente apenas de Espírito Santo (31,91%), Mato Grosso (31,24%), Mato Grosso do Sul (30,98%), Minas Gerais (30,8%), São Paulo (30,5%) e Tocantins (30,05%).

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Quase um ano

Há quase um ano, no dia 22 de março de 2020, lá no início da pandemia, o isolamento chegou a ser de 62,2% no Estado. O que ocorreu desde então? Passamos a viver uma situação menos preocupante em relação à doença? Pelo contrário. 340.453 pessoas em Goiás apresentaram sintomas suspeitos de Covid-19, além de 10.687 casos confirmados de síndromes respiratórias agudas graves não especificadas. Se incluirmos as 156.530 infecções por síndromes gripais não identificadas, a situação do baixo índice de isolamento fica ainda mais incompreensível.

Talvez o total de mortes não esteja alto, podemos imaginar. Nada disso. São 8.545 vítimas da Covid-19 em Goiás nos quase 12 meses de pandemia. Além dos óbitos confirmados pela doença, 252 mortes aguardam confirmação se foram causadas pelo mesmo motivo e 2.367 goianos perderam a vida para síndromes respiratórias agudas graves não especificadas, mortes que não saberemos quantas foram causadas pela Covid-19.

Mas ainda falta olhar a situação da rede hospitalar. É de se imaginar que o baixo isolamento social se justifique pela grande oferta de vagas disponíveis nas UTIs [Unidades de Terapia Intensiva] e enfermarias para pacientes com Covid-19, que precisam ficar em alas separadas dos internados por outras doenças.

Leitos de UTI

A rede estadual de saúde conta com 878 leitos destinados a casos de Covid-19. Do total, a ocupação é de 90,55% (dados de 18h37 de terça-feira, 2), com 83 leitos de enfermaria e UTI disponíveis. Das 419 vagas em Unidades de Terapia Intensiva geridas pelo Estado, apenas 21 leitos estão liberados para receber novos pacientes com a doença. Ocupados estão 94,99% do total na saúde pública goiana, mesmo com abertura de 28 novas vagas de UTI para Covid-19 no Estado.

O governo de Goiás conta com 459 vagas de enfermaria para Covid-19 na rede pública de saúde. Mas a ocupação está em 86,49%. Disponíveis para a internação de novos pacientes com a doença ou a suspeita, o Estado conta com 62 leitos de enfermaria.

Será que a resposta está na soma de leitos de UTI e enfermaria para Covid-19 nas redes pública e privada no Estado? A taxa de ocupação de vagas nas Unidades de Terapia Intensiva para a doença está em 92,35%. São 88 leitos de UTI para Covid-19 disponíveis de 1.150 nos hospitais particulares, estaduais e municipais. Então de onde vem a tranquilidade da população que não se isola em casa quando pode ou usa máscara no queixo quando vai para a rua?

Mapa de calor

Na mais recente nota técnica publicada pela Secretaria Estadual de Saúde (SES-GO), Goiás é avaliado na pandemia em seis indicadores para verificar a situação de 18 regiões do Estado. Na primeira avaliação semanal, seis regiões apresentavam condição de calamidade, a mais grave por novos casos, mortes e ocupação de leitos de UTI e enfermaria para Covid-19. Oito estavam em situação crítica – média – e quatro em condição de alerta.

No sábado, 27 de fevereiro, 17 regiões apresentaram situação de calamidade, a mais grave, e uma ficou na crítica. As medidas restritivas às atividades econômicas não essenciais só começaram na segunda-feira. E mesmo assim teve carreata de um grupo de empresários que pedia coisas sem sentido como o tal “tratamento precoce”, que não existe. Os medicamentos defendidos pelo grupo são apontados como ineficazes em pesquisas científicas nas mais importantes revistas acadêmicas do mundo.

Precisou o prefeito Rogério Cruz (Republicanos), de Goiânia, receber o grupo de empresários no Paço na segunda-feira e explicar que os remédios não têm comprovação científica de eficácia, além de apresentar os números do aumento de casos confirmados, mortes e ocupação de leitos de UTI na capital por Covid-19. Neste momento, a regulação da Secretaria Municipal de Saúde conta com apenas 12 leitos disponíveis para novos pacientes nas UTIs para a doença em Goiânia.

Mortes na capital

Goiânia chegou a 2.651 mortes confirmadas por Covid-19, com 15 novos óbitos identificados na capital nas 24 horas que vão da tarde de domingo, 28 de fevereiro, até o meio-dia de segunda-feira, 1º. Infectologistas e epidemiologistas apelam ao senso de sobrevivência da população: se surgirem mais pacientes, a rede de saúde no Estado, pública e privada, entrará em colapso. As pessoas podem começar a morrer na porta dos hospitais por falta de vagas nas UTIs e enfermarias destinadas à doença.

Unidades de saúde já cancelaram cirurgias eletivas em grande parte dos hospitais privados de Goiânia por não terem como garantir vagas de UTI caso um paciente que seja submetido a uma intervenção cirúrgica precise de atendimento por alguma complicação durante o procedimento médico. Não cuidar cum urgência da prevenção e da redução de novos casos, mortes e internações é travar todo o sistema de saúde. Não só para Covid-19.

Que todos os goianos sigam o exemplo dado pelo governador Ronaldo Caiado (DEM) no momento em que sintomas leves que podem ser sinais da doença: fique em casa, procure encaminhamento médico e faça os exames necessários para saber se está com Covid-19. Na noite de ontem, Caiado sentiu febre e cancelou sua agenda desta terça-feira. O governador visitaria a União Química, no Distrito Federal, indústria que pretende fabricar 8 milhões de doses da vacina russa Sputinik V por mês assim que o imunizante for aprovado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).

Viver como se fosse acabar

Enquanto isso, parte dos jovens aproveitou – se é que esse seria o verbo correto – o “último final de semana antes do ‘lockdown'” para encontrar amigos nos bares, restaurantes e festas clandestinas na rua e casas de conhecidos. Cabe aqui um alerta. A irresponsabilidade antes da entrada em vigor dos decretos de fechamento das atividades não essenciais na segunda-feira pode resultar em um aumento de casos nas próximas duas semanas.

Pode até ser que alguns desses jovens esteja na fila de espera por vagas de enfermaria e UTI para Covid-19 quando o Estado nem mais vagas tiver. Talvez essa pessoa veja pais, mães, avós, tios e primos doentes. Será que ele se sentirá culpado por ter sido o responsável por prejudicar a saúde de pessoas próximas queridas? Enquanto brincamos de roleta russa com a Covid-19, muitos morrem sem condição de receber o atendimento adequado.

Até quando vamos ouvir a voz daqueles que dividem a população com afirmações que fogem à lógica, ferem a inteligência, o conhecimento e pregam a morte? Precisamos pressionar o governo federal para agilizar a compra de mais e diferentes vacinas, como Jansen e Pfizer, acelerar a distribuição de doses aos Estados e incentivar medidas de proteção contra a transmissão do Sars-CoV-2.

Não dê ouvidos a quem lhe vira as costas assim que o seu voto não é mais necessário. Enquanto dizem que nunca erraram, muitos continuam a morrer pela irresponsabilidade dos que são adorados como propagadores de palavras messiânicas vazias, repletas de achismos, mentiras e confusões. Mas que, na hora H, no dia D, nada fazem para salvar a vida dos brasileiros. Como é mesmo, ministro da Saúde, general Eduardo Pazuello? “Pra que essa ansiedade, essa angústia?”