Com o “mago” João Santana, pedetista já botou seu bloco na rua, esconde o vermelho do partido e busca cavar espaço para se viabilizar e ganhar o centro

Não faz três meses desde que seis pré-candidatos à Presidência nas próximas eleições juntaram suas assinaturas para subscrever um manifesto pela democracia. Entre veteranos e novatos na corrida pelo Planalto, estavam lá Ciro Gomes (PDT), Eduardo Leite (PSDB), João Amoêdo (Novo), João Doria (PSDB), Luciano Huck (sem partido) e Luiz Henrique Mandetta (DEM).

Para ser mais preciso na data, a carta foi divulgada em 31 de março, no dia em que o Brasil completava 57 anos do golpe militar de 1964 e estava sob a mais alta tensão do tipo no período da redemocratização, com a saída conjunta dos comandantes das três Forças – Exército, Marinha e Aeronáutica. Edson Pujol, Ilques Barbosa e Antonio Carlos Moretti Bermudez já deixariam seus postos em solidariedade à demissão do general Fernando Azevedo e Silva do Ministério da Defesa, por este não se submeter à intenção de Jair Bolsonaro (sem partido) de interferir politicamente nas Forças Armadas, mas foram demitidos por outro general, Braga Netto, que, por arranjo do presidente, trocava a Casa Civil pela Defesa.

No fim, a união serviria para mostrar de que, naquele momento, não importava a disputa eleitoral, mas a defesa de valores maiores e mais perenes do que uma corrida periódica atrás de votos. O documento, porém, não procurou, para signatários, possíveis postulantes mais à esquerda. O PT, por exemplo, não foi convidado. Talvez sinalizando evitar “extremismos”, como se Lula e cia. equivalessem em radicalismo ao fenômeno ora observado no País.

Portanto, a própria carta provava que a disputa eleitoral não estava assim tão longe do cenário, embora a proposta do “grupo dos 6” seria a de todos aliviarem a pré-campanha, evitando desgastes entre si, como em uma trégua, até que se encontrasse entre eles um nome de maior fôlego para que todos, então, o encampassem. Complexo na teoria, muito mais complicado na execução.

Principalmente por causa de Ciro Gomes, como se veria. Menos de um mês depois da missiva em conjunto, mais precisamente em 22 de abril, era anunciada pelo PDT a contratação do marqueteiro João Santana, ninguém menos do que o coordenador das vitoriosas campanhas presidenciais de Lula, em 2006, e Dilma Rousseff, em 2010 e 2014.

Candidatíssimo e em plena campanha para a reeleição, Bolsonaro pode até não ter o ex-presidente petista como adversário, mas, a não ser por grave motivo de força maior, deve anotar o nome de Ciro como adversário certo no pleito.

É bem verdade que o currículo de Ciro parece um flashback: ex-prefeito de Fortaleza (1989-1990), ex-governador do Ceará (1991-1994), ex-ministro da Fazenda (1994-1995), ex-ministro da Integração Nacional (2003-2006) e ex-deputado federal (2007-2011). São 10 anos sem ocupar mandato e mais de 25 anos sem o principal posto de alguma esfera do Poder Executivo.

Mas também é bem verdade que o cearense aguerrido – às vezes também tomado por arrogante por conta do temperamento explosivo e da língua sem papas – continuou ativo politicamente e se mostrando disposto ao embate eleitoral. Tem estofo para o cargo de presidente, um plano de governo para mostrar, liderança regional e conhece o mundo da política.

Note-se: tudo o dito como qualidades políticas no parágrafo anterior, em termos eleitorais, o atual mandatário do Planalto nunca demonstrou ter – o que não o impediu de chegar lá. Ou seja, democracia não é meritocracia.

Justamente por ser político experiente, Ciro sabe que terá de construir um caminho nada convencional para ter alguma chance. Como as pesquisas eleitorais mais recentes demonstram, há uma polarização de votos entre a esquerda e a extrema-direita. Em maio, na última pesquisa estimulada do Datafolha, Lula (41%) e Bolsonaro (23%) tinham juntos quase dois terços das intenções de voto. O restante de quem votaria em alguém somou 24%. Ciro teria 6%, um ponto porcentual a menos do que o ex-juiz e ex-ministro da Justiça Sérgio Moro (sem partido), com 7%. Fechando a tabela, Huck (4%), Doria (3%), Mandetta e Amoêdo, ambos com 2%.

Portanto, a bolha do centro, com o bloco dos que querem ser alçados à chamada “terceira via” não alcançaria, na pesquisa, nem um quarto dos votos, todos somados. Pode ser que o grupo – que não tem mais Amoêdo, já que o banqueiro desistiu da postulação na quinta-feira, 10 –, consiga fechar em algum nome. Se não for o de Ciro, porém, serão dois os concorrentes que sairão do grupo.

Com João Santana a tiracolo, Ciro já busca seu lugar ao sol de forma muito menos leve do que esperavam os demais democratas da carta. A estratégia já está montada, em uma nova metamorfose pessoal para alcançar a Presidência: em 1998 ele foi o ex-ministro responsável pelo Plano Real; em 2002 uniu o oligárquico Antônio Carlos Magalhães e o comunista Oscar Niemeyer para mostrar que podia aglutinar gente de diversas tendências; em 2018, com um discurso desenvolvimentista radicalizado, disputou a hegemonia da esquerda com o PT e perdeu a aposta.

Agora, com Lula tomando conta dos votos da esquerda e levando também parte dos que o próprio pedetista havia tido na última eleição, a luta e a chance de Ciro passam a ser os votos do centro e da direita que não virou extremista. Com o marqueteiro Santana, as cores de sua propaganda jogaram ao longe o vermelho. A rosa símbolo do PDT agora é branca, com a preservação dos contornos azuis, e as peças publicitárias do pré-candidato apostam no amarelo-limão com a complementação de um azul-escuro e um recheio de um branco para intermediar.

Amarelo com azul é a combinação tradicional do despedaçado PSDB, que duelou com o PT de 1994 a 2014 pela Presidência. Seis campanhas, PSDB 2 x 4 PT. Estaria, então, João Santana apostando em uma tomada do espólio eleitoral dos tucanos por Ciro Gomes? Mas esse povo – ou grande parte dele – não está agora com Bolsonaro?

Pois então, aí está o tamanho do desafio. E, embora a última Datafolha o tenha colocado em uma posição pouco confortável, dificilmente haverá outro nome mais viável para a posição de centro na eleição do que o pedetista. Talvez a estrutura partidária desse boa condição para João Doria ou Eduardo Leite, mas provavelmente ambos, desgastados pelo embate com o governo federal na pandemia, optarão pela busca da reeleição.

Ciro, então, tem dois fortíssimos adversários que precisará atacar – Lula e Bolsonaro – com o mesmo objetivo: ganhar a simpatia de forças do centro e da direita que tomaram ojeriza ao atual governante, mas também não querem de forma alguma a volta do PT. Investir em duas frentes numa guerra nunca é boa ideia, mas ele não tem opção.

A difícil missão de Ciro será se tornar o PSDB de antigamente, mas agora sem ter onde se apoiar. Bolsonaro e Lula são arquirrivais. O “anti” um do outro. Vão atuar como forças centrípetas, atraindo para si todos aqueles que puderem trazer para perto, seja por questão ideológica ou por interesses.

Resta a Ciro tentar abrir brechas com a tática que fez em um vídeo recente: criticar duramente Bolsonaro por sua gestão desastrosa, mas atacar os petistas que chamam de “gado” seus eleitores, tentando trazer parte dessa base ofendida para si – já que Lula deve sugar quase a totalidade dos votos da esquerda e da centro-esquerda. É isto: Ciro quer ser o pacificador do Brasil, mas vai ter de bater em alguém.