Do grupo inicial da terceira via, sobraram Ciro, Leite, Doria e Mandetta. Há pouquíssimas chances de surgir outro nome competitivo, mas mesmo no quarteto a coisa está complicada de vingar

Se a leitora ou o leitor já tem por hábito acessar esta coluna a cada edição – se ainda não, recomendo –, então provavelmente se lembrará de que na Conexão anterior houve, logo no começo do texto, uma referência ao manifesto pró-democracia lançado no último 31 de março. Assinavam o documento seis então possíveis candidatos à Presidência da República nas próximas eleições: Ciro Gomes (PDT), Eduardo Leite (PSDB), João Amoêdo (Novo), João Doria (PSDB), Luciano Huck (sem partido) e Luiz Henrique Mandetta (DEM).

[relacionadas artigos= “334464”]

Para recordar: o texto, intitulado Manifesto pela consciência democrática, faz a devida e necessária anteposição entre democracia/liberdade versus ditadura/autoritarismo, propositalmente na data de aniversário do golpe cívico-militar de 1964. Reunia, como se leu, personagens políticos de diferentes matizes. No entanto, é preciso reparar em um detalhe fundamental dessa aliança: a ausência, nela, do PT, um player incômodo para muitos, mas peça protagonista no campo democrático brasileiro. Uma ausência que diz muito: por ela se demonstra que o documento, além de bem posicionado, era também eleitoral.

Mais de dois meses e meio depois, muitas daquelas assinaturas já perderam o valor, se o motivo era mesmo pela corrida para o Planalto. Dentro e fora da lista de meia dúzia de atores políticos, as semanas de maio e junho foram marcadas por desistências de pré-candidatos com relevância para mais do que um ponto porcentual na disputa para a Presidência.

Em maio, o ex-juiz da Operação Lava Jato e ex-ministro da Justiça de Jair Bolsonaro (sem partido), Sérgio Moro, havia comunicado à consultoria para a qual passou a trabalhar que não concorreria ao cargo. Já era desafeto da esquerda, por conta da Lava Jato e dos processos de Lula, tornou-se inimigo da direita radical ao sair da Esplanada dos Ministérios atirando no ex-chefe. Sem base, sem chance.

No dia 10 de junho, foi a vez de João Amoêdo, fundador do partido Novo, soltar um comunicado renunciando à pré-candidatura, que já havia sido até mesmo oficializada por sua sigla. Mas o banqueiro percebeu que o Novo, criado para ser ultraliberal, estava (e está) dando uma forte guinada para se tornar a sigla mais confiável no apoio às políticas bolsonaristas, que de liberais só têm a casca.

A mais recente retirada estratégica foi do literalmente mais midiático de todos os nomes – e de uma forma bem típica: o apresentador de TV Luciano Huck anunciou, em entrevista ao colega de Rede Globo Pedro Bial, no programa Conversa com Bial, que estava fora da disputa e pronto para substituir Fausto Silva – que foi desligado da emissora e está indo para a Band, além de enfrentar problemas de saúde – nas tardes de domingo.

O grupo despedaçado
Do grupo inicial, sobraram Ciro, Leite, Doria e Mandetta. Há pouquíssimas chances de algum candidato competitivo surgir fora desse quarteto. Mas mesmo dentro dele a coisa está complicada de vingar. Os governadores de São Paulo e do Rio Grande do Sul são do mesmo partido e em primeiro mandato. Tentariam um pulo dessa altura ainda sem nenhuma evidência de sucesso para o risco?

No momento, ainda que os tucanos queiram forçar um quadro do partido, não há clima. Doria carrega um peso e um trunfo. Começando pela segunda parte, ele é o “pai da vacina” e provavelmente o homem que antecipou em pelo menos meses a execução do plano de imunização nacional, ao apostar na parceria com a China e na estrutura do Butantan para bancar a CoronaVac como alternativa viável. Novamente recordar é preciso e, antes do sinal verde da Agência de Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), o então ministro da Saúde Eduardo Pazzuello havia estimado para março o início da vacinação no Brasil.

Claro que tem um grande componente político no enredo da vacina, mas basta refletir em quantas vidas foram salvas somente por Bolsonaro ter mordido a isca do “calcinha apertada” – como ele e os bolsonaristas se referem pejorativamente ao governador paulista – e entrado na corrida da imunização, mandando buscar às pressas, da Índia, milhões de doses da AstraZeneca. O grande obstáculo do governador paulista é ter de enfrentar inimigos em duas frentes: à esquerda, o PT e seus aliados, os quais ele sempre combateu de forma dura; e à direita, o efeito reverso do BolsoDoria que promoveu, quando se viu obrigado ao afastamento do presidente. Algo semelhante com o problema de Sérgio Moro.

O gaúcho Eduardo Leite também deu apoio, ainda que discreto, a Bolsonaro no segundo turno de 2018. Como o colega de partido e de cargo, administra um Estado onde é rejeitado pela oposição tradicional e, desde a pandemia, pelos apoiadores do presidente, justamente por ter adotado um posicionamento científico, privilegiando o combate à Covid-19, ainda que tendo de assinar portarias com restrições de deslocamento, fechamento de comércios e fiscalização de máscaras. Medidas impopulares que, em países normais, poderiam se reverter em capital político, mas não no Brasil, onde pelo menos 30% endossam o negacionismo do governo federal. E, pior: Leite, ao contrário de Doria, não tem vacina em seu baralho.

Luiz Henrique Mandetta se tornou um “queridão” da população brasileira entre março e abril do ano passado. Sua forma de lidar com a pandemia recém-chegada ao País, de defender o Sistema Único de Saúde (SUS), bem como a disposição didática de conceder entrevistas diárias a cada fim de tarde para ávidos repórteres e espectadores ansiosos o fizeram ganhar uma popularidade inesperada. Esse foi o bônus. O ônus veio de quem poderia ter surfado na onda justamente por meio de seu auxiliar: dando seus primeiros passos no negacionismo pandêmico, um Bolsonaro inseguro e autoritário passou a fritar Mandetta para praticamente forçá-lo a se demitir. O ministro não entregou o cargo e o presidente teve de assumir o que queria.

Alçado ao primeiro plano da política, Mandetta tem no DEM um partido enfraquecido e esvaziado com a crise entre seu presidente, ACM Neto, e o agora expulso deputado Rodrigo Maia, ex-presidente da Câmara. Com projeção nacional, ele ficou muito grande para governar seu Estado de origem, mas, como bom articulador que se tornou, sabe que não tem cancha para ser cabeça de chapa ao Planalto. Com o prefeito Eduardo Paes (PSD), ele costura uma possível candidatura ao governo do Rio, bem como a saída do DEM.

Sobrou Ciro Gomes, de quem falamos bastante exatamente na última Conexão. Que, por sua vez, vê seu partido também sendo esvaziado por adesões ao projeto de Lula (PT), um dos vórtices que estão consumindo as demais pretensões eleitorais. Que cada vez mais busca um eleitorado à direita, a ponto de ter feito, na semana passada, uma live no Instagram com a jornalista negacionista Leda Nagle.

Na prática, Ciro é o último dos seis mosqueteiros do centro “democrático” ou “alternativo”. O fio de esperança da terceira via. Mas a aposta do pedetista é alta e, diz o ditado, quanto maior a altura também maior é o tombo. Se não fizesse política com o fígado, talvez já fosse presidente. Mas sem fígado não seria Ciro Gomes.