Nenhum governante brasileiro foi mais odiado pela população que Dilma Rousseff e Collor de Mello. Cada um da sua forma, ambos caíram em desgraça por causa da situação econômica. Ele  foi cassado. Esse será o destino dela?

Ex-presidente Collor de Mello e presidente Dilma Rousseff: incompetência e corrupção são a marca deles
Ex-presidente Collor de Mello e presidente Dilma Rousseff: incompetência e corrupção são a marca deles

Quem viveu e sobreviveu aos duríssimos tempos de Fernando Collor desde a campanha eleitoral de 1989 até o final de sua Presidência, em 1992, tem clara lembrança de que existem muitas semelhanças entre aqueles momentos e o atual, da presidente Dilma Roussef. Mas também existem diferenças, a mais elementar delas bastante sutil, que resultam num quadro geral que poderá até terminar da mesma forma, mas por consequências bastante diferentes.

Nas campanhas, como de resto em praticamente todas elas, o roteiro central é invariavelmente o mesmo: favoritos sempre projetam um futuro imediato maravilhoso, cheio de melhorias e esperanças de amanhãs melhores. Quem corre atrás, faz exatamente o oposto, revelando quase sempre dias tenebrosos, de dificuldades e de correção de rumos. Nesse aspecto, Collor e Dilma protagonizaram campanhas roteirizadas exatamente na mesma linha otimista. Uma certa dose crítica contra os adversários imediatos – Collor contra Lula e Dilma contra Aécio. No mais, idênticos nas fartíssimas doses de pujança, bonança e um país quase tão maravilhoso quanto o próprio nirvana da cidadania plena.

Ambos também foram idênticos em seus primeiros meses de governo. Collor, que vendia a esperança de que tinha em mãos todas as armas eficazes contra o mal que assolava o Brasil naquela época, a inflação estratosférica que corroía salários e rendimentos médios e devorava reputações de moedas brasileiras como nunca antes na história do país, inaugurou-se como presidente e o seu mandato de primeiro civil eleito diretamente pela população após o regime militar de 1964, com um conjunto de medidas econômicas duríssimas. A principal delas, um inédito confisco do dinheiro da população que dormitava em contas correntes e nas cadernetas de poupança. Na campanha eleitoral, obviamente, ele jamais admitiu nem de longe que cometeria tal impropério. Ao contrário, sugeriu o tempo todo que o desrespeito às regras do jogo econômico era objetivo de Lula, seu adversário.

Dilma, ainda no final do mandato passado, mas especialmente no início deste, também sacou a caneta da maldade, e distribuiu um pacotaço que igualmente surpreendeu não somente seus eleitores, mas também aqueles que não votaram nela. O Brasil do crescimento acabou numa canetada só, e surgiu em seu lugar uma recessão tão brutal que poderá perdurar por, na melhor das hipóteses, dois anos, algo que não ocorre no Brasil há quase um século – entre 1930 e 1931.

Outra enorme semelhança entre o meio mandato de Fernando Collor, que durou pouco mais de dois anos, e o início deste segundo mandato da presidente Dilma Roussef é a inundação de sérias, contundentes e profusas denúncias de corrupção. No caso de Collor, o mar de lama começou a aparecer através de um braço de governo que sequer tinha mandato ou cargo público, o seu tesoureiro de campanha, o empresário Paulo Cesar Farias (falecido num inquietante caso que ceifou a vida também de sua namorada, Suzana Marcolino alguns anos depois), e teve sua apuração iniciada dentro de CPI do Congresso Nacional. O abalo definitivo do império colorido ruiu com delações de um motorista e de seu irmão, Pedro Collor (também falecido, por causas naturais).

Com Dilma, as denúncias começaram durante o primeiro mandato, se intensificaram no final do ano passado, e explodiu de vez como um vulcão ativo desde o começo deste. Em ambos os casos, além de enriquecimentos ilícitos em meio a esquemas bilionários fraudulentos, denúncias de uso indevido de dinheiro sujo nas campanhas eleitorais. Tudo muito semelhante, cada qual com suas particularidades.

Com tantas coisas e fatos exatamente iguais, é possível imaginar destinos idênticos para os mandatos em questão? Collor foi cassado. Dilma, neste momento, vive sob essa ameaça. As semelhanças param por aqui. O desfecho, sim, poderá ser igual, mas as motivações, além das coincidências, estão divorciadas do verdadeiro autor de um impeachment: a população.
Ao contrário do que diz o texto constitucional, não é o Congresso Nacional que cassa o mandato. É o povo. Collor sofreu o impedimento porque a população assim o exigiu, e se o Congresso não atendesse essa exigência, seria derrubado junto.

Naquela época, diante de uma crise econômica grave, mas principalmente sob a ruína do discurso da moralidade, arrasado por vendaval de denúncias em várias instâncias do núcleo central do poder, o mandato de Collor foi pulverizado pelas multidões nas ruas. Dilma também está diante de uma crise econômica brutal, e em escala piorada porque encontrou a casa relativamente em ordem, ao contrário de Collor que assumiu como esperança derradeira contra o monstruoso confisco permanente da inflação. E também enfrenta sérias denúncias de que o núcleo de onde emana seu poder é podre, muito embora, ao contrário de seu colega de infortúnio, não seja apontada como beneficiária direta de fortuna ilícita. Ela, não, mas o seu esteio político, sim, incluindo aquele que foi o principal responsável por sua ascenção ao Palácio, o ex-presidente Lula, seu “padrinho”.

Além disso, em outro aspecto Collor e Dilma estão distanciados um do outro em relação ao processo de impeachment que o primeiro sofreu e a segunda pode ainda vir a sofrer: a confiança na linha sucessória. O então vice-presidente de Collor, Itamar Franco (já falecido), gozava de ótima imagem perante a população, e se exibia publicamente como um político autenticamente mineiro em sua melhor expressão. O vice de Dilma é Michel Temer, que em termos de imagem se encontra a zilhões de anos-luz de distância de Itamar. Esse fato, inegável, tem um peso definitivo no estabelecimento da avaliação sobre as diferenças, respeitadas a época e inúmeras particularidades de cada situação, entre a cassação de Collor e a ameaça sobre o impedimento de Dilma. Aos olhos da população, a linha sucessória de Collor era absolutamente confiável. A de Dilma, não.

Há quem pregue e defenda a cassação de Dilma. Talvez seja a maioria da população. Mas é quase possível assegurar que a ênfase atual não é a mesma, sequer semelhante, a de 1992. Naquela época, a população queria despachar Collor. Hoje, provavelmente o que se gostaria mesmo é que a crise econômica fosse despachada, e como ela não tem sido efetivamente combatida, ao contrário, parece estar sendo incentivada pelo governo, o mandato de Dilma está se interligando com as dificuldades e desesperanças da economia. E, assim, sua cassação não pode ser descartada.

Independentemente de qualquer outra coisa, a maior diferença dentro de um panorama geral de muitas semelhanças entre o processo de impedimento de Collor e a possibilidade de impeachment de Dilma, é que a população queria e impôs o fim do mandato do primeiro, e está lavando as mãos em relação ao mandato da atual presidente. Não vai à luta pelo encerramento constitucional precoce, mas está pouco se lixando se isso acontecer. Ao mesmo tempo, e dentro dessa mesma ótica, se houver uma guinada na política de crise, dificilmente o impedimento de Dilma vai se concretizar. Ela tem condições de manter o mandato, mas não o prestígio. Esse está irremediavelmente perdido.