O governo federal desdenhou da fortíssima crise mundial de 2008, gastou perdulariamente e agora cai na dura realidade do caos financeiro. O tsunami chegou

Delfim Netto e Lula, “Ninguém segura este país” e “Brasil, ame-o ou deixe-o”: fórmulas iguais para tratar a economia | Fotos:  Silvia Costanti/Valor e Ricardo Stuckert/ Instituto Lula
Delfim Netto e Lula, “Ninguém segura este país” e “Brasil, ame-o ou deixe-o”: fórmulas iguais para tratar a economia | Fotos: Silvia Costanti/Valor e Ricardo Stuckert/ Instituto Lula

Os sintomas sempre foram pra lá de evidentes. Ou seja, não foi por falta de avisos alarmantes que não se fez absolutamente nada realmente sério para se preparar para um período difícil no final da década passada. Mas eram tempos de Luiz Inácio Lula da Silva e sua versão socialista do “Brasil, ame-o ou deixe-o” ou “Ninguém segura este país”, inaugurado na década de 1970 pelo então czar da economia brasileira, o falso milagreiro, como se viu depois, Delfim Netto. A fórmula, obedecidas as óbvias proporções tanto das épocas em que ocorreram como de viés ideológico, foi absurdamente idêntica nestes dois casos.

Com Delfim, em pleno regime imperial das baionetas militares inaugurado em 1964, quem alertava para o fato de que o país estava financiando uma euforia econômico-financeira muito além de sua real capacidade e base estrutural instalada, era defenestrado. Com Lula também. Os opositores jamais tiveram qualquer complacência.

Na época de Delfim Netto, sem a forte presença do gigante chinês no mercado mundial, e muito antes do que se convencionou chamar de globalização da economia, o Brasil investiu em obras de custos espetaculares e resultados estruturais. Com Lula, para citar apenas dois exemplos, estão aí as obras até hoje inacabadas da Copa do Mundo e das Olimpíadas, e a derrama de dinheiro vivo em países cujo interesse estratégico econômico e diplomático para o Brasil é igual a zero.

Lula pulava uma fantasiosa “marolinha” enquanto um tsunami se formava no horizonte. Externa­mente, a economia do planeta soluçava uma crise que só foi menor que a de 1929, quando a Bolsa americana quebrou e levou junto economias de toda uma vida de países e pessoas. Internamente, os sinais da crise foram insistentes e consistentes. A tal ponto que, na base do otimismo absolutamente irreal, lançou com pompa e glória de um “Brasil Grande”, o PAC, Programa de Aceleração do Crescimento. Nem Delfim foi tão criativo.

Depois, quando nem esse tal de PAC andou como deveria andar, lançou a versão 2, como os filmes caça níqueis americanos ge­ralmente, e sinceramente, rotulados de “o retorno”. Esses dois PACs fizeram carreira e chegaram a chegar filhotinhos, como o PAC de Mobilidade. No papel, os dois programas prometiam investimentos de quase 1,5 trilhão de reais. Ulalá, ninguém segura este país.

É claro que de programa mes­mo o PAC tinha muito pou­co. Tanto é que pouco tempo depois começaram as desonerações em setores específicos da economia brasileira para incentivar a roda do consumo interno, como na indústria automobilística, que chegou a zerar o famigerado IPI, e a chamada linha branca, que inclui geladeiras, máquinas de lavar roupa e outros badulaques modernos da vida cotidiana.

Em nenhum momento houve qualquer mexida na linha estrutural da economia, que fazia água por todos os lados. Retirou-se com baldes uma enxurrada amazônica. É óbvio que uma hora o barco afundaria. E afundou.
Finalmente, o governo federal acordou do sonho da prosperidade dos banquetes gratuitos e caiu na realidade dos custos do marmitex. Estamos no fundo do poço. A economia brasileira, que vinha rodando com os quatro pneus arriados, teve que parar para consertar os estragos de anos de irresponsabilidade nos gastos, desprezo pelos sinais de crise e por absoluta falta de visão estratégica futura.

O grande problema é que a presidenta Dilma Roussef en­frenta neste momento não somente a crise econômica, mas também um ambiente político francamente deteriorado. O resultado dessa péssima combinação é que o necessário plano de ajuste fiscal espeta toda a descomunal conta no bolso dos cidadãos, sem atacar realmente excessos da máquina administrativa. O melhor exemplo disso é o conjunto de aumento de preços controlados e de impostos e a manutenção de todos os 39 Ministérios. Não se fez um único corte, nada, na máquina administrativa, enquanto se promove um também necessário reestudo das benesses sociais, algumas delas extremamente exageradas.

E por que não cortar geral, inclusive na estrutura perdulária da máquina administrativa federal? Por que, e infelizmente, Dilma não é só uma das protagonistas e beneficiárias dos fatores que levaram ao quadro econômico, mas também vítima de uma base governista impatriótica, mesquinha, não republicana e que se sustenta exatamente pelo lado mais canalha da atuação política.

Foram-se os tempos de ufanismo de se emprestar dinheiro para o FMI. Chegou a época de se observar a maior empresa do Brasil, e uma das maiores do planeta, a Petrobras, mendigar empréstimos pelo mundo. Resta apertar os cintos porque o tsunami chegou.