A cada dia de sessões, os votos em pautas importantes do mais novo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Cristiano Zanin, têm deixado perplexos os setores chamados progressistas da sociedade. O ex-advogado de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que chegou a ser visto por parte da esquerda e do PT até mesmo como um herói por sua atuação nos processos da Operação Lava Jato – não se sabe nessa “admiração extrema” se inclui o próprio presidente –, começou sua rotina na Corte suprema dando sinais de que poderia claramente ter sido indicado por Jair Bolsonaro (PL).

Em poucas semanas, Zanin votou, entre outras coisas, contra considerar atos de homofobia e transfobia crimes de injúria racial; contra o princípio de insignificância para crimes como o furto de itens de pouco valor; contra o reconhecimento da arguição de descumprimento de preceito fundamental (ADPF) sobre a violência policial contra os povos Guarani e Kaiowá no Mato Grosso do Sul; e contra a descriminalização do porte para consumo pessoal da maconha, motivo que tem causado o encarceramento por tráfico de gente pega com quantidade mínima da droga.

Na quinta-feira, 31, na Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) sobre os atos golpistas, seu presidente, Arthur Maia (UB-BA), se disse surpreendido com o que chamou de “inovação” por parte de Zanin, que concedera direito de optar entre dizer ou não a verdade ao coronel PM Fábio Augusto Vieira, ex-comandante-geral da Polícia Militar do Distrito Federal. Sim, Lula escolheu seu pupilo para o STF com o compromisso de que fosse um garantista, mas não precisaria exagerar.

Mas um ministro do STF tem de se condicionar ao que pensa ou quer quem o indicou? Aqui é preciso antes dizer que, por mais que se possa intuir como Lula gostaria que seu escolhido votasse, não se pode ter certeza nem mesmo disso. Basta, como um exercício bem fora da caixinha, imaginar como o próprio presidente votaria em questões como a descriminalização da maconha, por exemplo. Em outras palavras, o presidente é bem menos ligado a pautas identitárias do que a média dos políticos de esquerda e isso, de certa maneira, “espeta” sua base.

É preciso ressaltar, também, que Lula queria alguém de confiança “dele”, não um ministro progressista ou de excelência técnica. Este é, na visão de muitos, o grande erro de Lula, que acaba assim por repetir Jair Bolsonaro (PL): entender a instância definitiva do Judiciário como uma extensão de seus interesses particulares.

Por óbvio, Zanin já era um competente advogado criminalista quando assumiu a causa do então ex-presidente nos processos da Lava Jato – caso contrário, seu escritório não teria sido contatado e, muito menos, contratado. Daí a ter ser seu nome como merecedor de indicação ao STF a distância deveria ser muito maior do que a travessia da Praça dos Três Poderes. Em favor do novato, o fato de que não é nenhuma novidade que presidentes digam “às favas com a meritocracia” e, ao proceder a indicação, coloquem entre os 11 ministros, por décadas, juristas medíocres até então, mas que “pendem” para seu lado.

O que está pesando sobre Lula é o fato de que ele escolheu alguém que, até o momento, poderia tranquilamente ter sido um terceiro nome indicado por seu antecessor

A questão é que Lula parece ter “inovado” com Cristiano Zanin. Primeiramente, já no intervalo que durou desde o surgimento do nome dele nos bastidores até sua confirmação para o cargo na sabatina com o Senado, a indicação do advogado do petista foi “estranhamente” bem recebida nos círculos do poder mais de direita – além de parlamentares sabatinadores da oposição, também empresários e líderes religiosos lhe demonstraram bastante simpatia. Nem parecia que o escolhido era o advogado do “ladrão”, como batiam (e batem) em Lula vários dos que votaram a favor de Zanin.

Na verdade, o cargo de ministro do STF sempre foi muito mais político do que técnico e não tem nada de errado nisso. Nos Estados Unidos ocorre da mesma forma: presidentes republicanos escolhem ministros conservadores e presidentes democratas escolhem ministros progressistas.

O que está pesando sobre Lula é o fato de que ele escolheu alguém que, até o momento, poderia tranquilamente ter sido um terceiro nome indicado por seu antecessor Bolsonaro. Os votos de Zanin se emparelham muito mais com os de Nunes Marques e André Mendonça do que com a velha guarda da Corte.

E a questão não é que um indicado por Lula tivesse de ser uma espécie de “pau mandado” do presidente – como, diga-se de passagem, nunca ocorreu nas demais indicações. Ainda que alguns ministros escolhidos por ele ou por Dilma Rousseff tivessem pontos de vista mais afinados com os governos petistas, é bom nunca se esquecer de que o impeachment de uma e a prisão em segunda instância de outro se deu com um plenário com maioria de seus.

A questão é o governo Lula representa uma ideia de Nação oposta à de Bolsonaro. Portanto, é sempre interessante que os indicados pelo Executivo, já que há essa oportunidade estratégica, levem à cúpula do Judiciário a posição da maioria que decidiu nas urnas um determinado rumo para o País.

Por isso, os progressistas deram um respiro de alívio quando Zanin proferiu seu voto contra o marco temporal, talvez a votação mais esperada para este ano do STF. Como estava acontecendo até o momento, Zanin não era o primeiro nome ao STF do governo Lula, mas o terceiro de seu antecessor. De qualquer forma, ainda que pareça cedo para afirmar, a escolha se mostra mais lamentável do que parecia, justamente porque haveria dezenas de outros nomes mais adequados para a estatura de uma cadeira tão restrita.

Os conservadores se assustaram foram com uma grande expectativa ao cinema para ver “Barbie”, a boneca que, durante sua história de décadas se tornou, além de um ícone do consumismo, também o estereótipo da mulher da família tradicional. Saíam revoltados das salas ao perceber o que haviam feito com o símbolo que ela representava, na visão deles.

Mal comparando, menos por ele do que por Lula, o ex-advogado foi a Barbie dos progressistas, no que diz respeito a insatisfação de expectativas. E, pior, cada decisão dele se transforma em nova frustração para a ala. A diferença é que, em vez de duas horas, esse filme da vida real tem previsão de 27 anos de duração. Dizem as más línguas que, continuando no embalo da ré civilizatória que engatou, até o fim do ano Zanin terá revogado a Lei Áurea.

Em semanas, Lula terá escolhido o substituto da ministra Rosa Weber, que encerrará sua trajetória no STF como presidente da Corte. E “substituto” é o termo, porque o presidente não se mostra disposto a escolher uma mulher para substituir a mulher. Entre a militância, na base do “vão-se os anéis, ficam os dedos”, já se diz que será de bater palmas de pé se o petista não escolher para o STF um quarto ministro de Bolsonaro…