Com Alckmin “quase” na chapa, Lula mostra que a terceira via é ele mesmo

26 dezembro 2021 às 00h00

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Disseram que o petista travaria uma guerra de extremos com Bolsonaro. Justiça se faça: ele nunca foi um radical e não quer guerra com ninguém
Uma charge-meme (acima) já bastante conhecida por quem acompanha a política ironiza a terceira via como um caminho entre a direita e a esquerda, mas que logo adiante se une à mesma rota da direita.
A arte, de autor supostamente desconhecido, claro, já ganhou outras versões. Em uma delas, o sentido é o contrário: a terceira via se juntaria à esquerda, mostrando que ela seria um prolongamento da mesma rota canhota, segundo os críticos de viés direitista, principalmente os bolsonaristas. Em uma terceira adaptação, o presidente Jair Bolsonaro (PL) e o ex-presidente Lula (PT) seriam rotas diferentes só na aparência, conduzindo os destinos para o mesmo rumo. A terceira via, essa sim, seria o “caminho novo”.
Tudo são retóricas de rede social. Essa alternativa, em tese, poderia ser Ciro Gomes (PDT) ou Sergio Moro (Podemos), que não se bicam e oferecem históricos e ideologias opostos em quase tudo. Condicionou-se, então, na conjuntura atual, a considerar terceira via ao que diz aquela última versão da charge acima: nem Bolsonaro nem Lula, porque ambos seriam extremos que levariam ao mesmo buraco. Uma comparação inócua, que não resiste aos números ou à vivência de quem tem mais de 30 anos. Lula governou o Brasil por oito anos e deixou o País com altíssima popularidade e elegendo sua sucessora. Bolsonaro é isso que está aí.
Na prática, usando da experiência de quem já disputou cinco eleições presidenciais e meia – contando 2018 como a fração –, o petista vem mostrando que é ele mesmo a terceira via que se busca para combater os extremos – até porque, politicamente, na atualidade só há um extremo e está no governo.
Apesar de ser fundador e principal nome do partido que é referência da esquerda brasileira, Lula prova, a cada semana, que ele é um candidato de centro. Mais do que isso, o único e necessário nome para que o País faça a transição do fundo do poço como Nação para um retorno à normalidade política e democrática das instituições.
Um jantar foi promovido no domingo, 19, pelo Prerrogativas – um grupo de advogados progressistas de São Paulo, autointitulados como defensores do Estado democrático e do devido processo legal. Era um momento para desagravar a democracia, mas com uma finalidade específica: dar palco a Lula para conversar com os mais diversos atores políticos do primeiro time da cena brasileira.
O que se revelou, porém, foi mais do que apenas o início da construção de uma frente ampla: Lula apresentou para o Brasil a imagem de um pré-candidato a presidente com a serenidade necessária para conduzir o País ao largo do extremismo. O principal sinal disso? O aceno gigante ao “coadjuvante de honra” da noite, Geraldo Alckmin (sem partido), para compor uma chapa ao Palácio do Planalto.

Mas não foi só isso. O que prova o peso do evento no restaurante paulistano dos Jardins é o leque de convidados: lá estavam João Pedro Stédile, da cúpula do Movimentos dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), e o deputado Rodrigo Maia, ex-DEM e ex-presidente da Câmara; Marcelo Freixo (PSB), ex-PSOL e pré-candidato ao governo do Rio, e Antônio Carlos de Almeida Castro, o Kakay, advogado criminalista conhecido do mundo da política; a ex-prefeita de São Paulo Marta Suplicy, ex-correligionária, ex-ministra e ex-desafeta de Lula, e o senador Renan Calheiros, ex-aliado e um dos artífices do impeachment de Dilma Rousseff; o ex-senador tucano e candidato derrotado nas prévias do PSDB Arthur Virgílio e o deputado e vice-presidente da Câmara, Marcelo Ramos, do PL de Bolsonaro, ambos do Amazonas.
O encontro com Lula reuniu também presidentes de partidos de um espectro que vai da centro-direita à esquerda: Gleisi Hoffmann (PT), obviamente; Luciana Santos (PCdoB), Carlos Siqueira (PSB) e Paulinho da Força (Solidariedade), já aliados eleitorais para 2022; e também Baleia Rossi (MDB) e Gilberto Kassab (PSD). Também houve representantes da Rede, do PV e do PSDB – o já citado Arthur Virgílio, correligionário e aliado do governador de São Paulo, João Doria.
Dos manda-chuvas das siglas, Kassab e Rossi se mantiveram mais reservados – ambos têm pré-candidatos à Presidência, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD), e a senadora Simone Tebet (MDB). Mas a presença no ato pró-democracia (e pró-Lula, claro) já sinaliza, no mínimo, sobre de que lado estarão em um eventual segundo turno.
Político que sabe fazer política, o ex-presidente não se colocou como postulante, embora todo mundo tenha certeza de sua candidatura. É uma postura que convida ao diálogo, que ajunta aliados, que demove resistências. Diante de alguém com quem já teve os maiores atritos, como Alckmin, rival de segundo turno em 2006, Lula diz para esquecer o passado e focar em algo maior. O olhar é de futuro, apesar da idade de ambos – o petista tem 76 anos e o ex-tucano, 69.
Fazendo um balanço, faltou um partido e um nome importantes no evento: PDT e Ciro Gomes. Parlamentares pedetistas já pressionam o presidente da sigla, Carlos Lupi, por uma desistência do cearense de sua pré-candidatura. Veem claramente que não há espaço, nesta eleição, para um outro nome de esquerda decolar. Sabem que a eleição será plebiscitária. Estão de olho na sobrevivência dos próprios mandatos, no que precisarão de mais recursos do partido, que seriam desperdiçados com a aventura cirista. Até quando e onde vai a postulação quixotesca? Isso não se sabe, embora se saiba o que Lula fará quando – sim, parece ser questão de tempo, dentro da racionalidade – Ciro Gomes enfim desistir: esquecerá que foi chamado de ladrão inúmeras vezes pelo até então adversário, o trará para seu time e lhe dará uma posição de destaque.
Disseram que Lula versus Bolsonaro seria uma guerra entre extremos? Justiça se faça: Luiz Inácio Lula da Silva nunca foi um radical. Não quer guerra com ninguém. Embora seu discurso muitas vezes apele para o emocional da militância das esquerdas – o que colaborou bastante para que ele se tornasse a figura simbólica dessas forças –, o grande talento do petista sempre foi negociar o possível. Desde o período da ditadura militar, quando se tornou o grande líder das greves dos metalúrgicos do ABC Paulista, esse é seu principal trunfo.
Lula comunista?
Como presidente, seu primeiro ato foi chamar o banqueiro eleito deputado Henrique Meirelles para o Banco Central, governou sob a cartilha tucana que criou o Plano Real, agradou a empresários e industriais e, ao mesmo tempo, tirou milhões da miséria com um eficiente programa de transferência de renda. Isso não é comunismo, nunca foi, é capitalismo com apelo social.
Agora, Lula se une a Alckmin no que remete a uma sonhada união PT/PSDB nos primórdios da Nova República. Eram partidos irmãos, mas, ciumentos um do outro, entraram em guerra fratricida. No fim, depois de ambos governarem o País por mais de 20 anos, o conflito venceu, a barbárie chegou e o extremismo está no poder. A foto do petista e do ex-tucano com as respectivas mulheres, clicada por Ricardo Stuckert, pode ficar marcada como o mais importante sinal de armistício em prol da volta ao modo civilizatório por estas bandas. O Brasil precisa.