A canalhice política contra Goiás

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Em delação premiada, o ex-senador petista Delcídio do Amaral admitiu que a CPI do Cachoeira foi incentivada por Lula como vingança contra lideranças goianas

A informação não é uma surpresa. O ex-senador petista Delcídio do Amaral, em depoimento ao juiz Marcelo Bretas, do Rio de Janeiro, admitiu que a CPI do Cachoeira foi criada com o objetivo de prejudicar as lideranças políticas de Goiás, Estado que sempre representou uma forte presença oposicionista em nível nacional. Delcídio disse mais. Contou que a CPI foi incentivada pessoalmente por Luiz Inácio Lula da Silva, que queria se vingar de Marconi Perillo por causa do Mensalão.
A estratégia funcionou durante um certo tempo até que se descobriu um elo entre Cachoeira e a Delta Construtora. Foi aí que a coisa desandou e fugiu do controle. A CPI, criada e embalada para funcionar contra Goiás, que Delcídio classificou como “CPI regional”, se transformou em CPI nacional. As investigações, que até então visavam somente autoridades goianas, de repente encontraram a ponta de um novelo muito maior, e que fatalmente, segundo Delcídio, desembarcaria no colo do governo petista e suas campanhas eleitorais. A solução foi esvaziar rapidamente a CPI. A vingança de Lula não completou o ciclo que ele esperava. Pelo contrário, abriu uma fresta sobre seu comportamento e as campanhas do governo federal.
Embora a maioria conheça os fatos que antecederam a instalação dessa CPI, não custa resumir o que aconteceu, e por que Lula transformou Marconi em seu inimigo.
Em maio de 2005, um alto funcionário dos Correios foi flagrado exigindo e recebendo propina de um falso empresário — na realidade, era um advogado contratado por um fornecedor da empresa estatal exatamente com o objetivo de flagrar o ato. A partir desse fato, desenrolou-se um enredo de segredos da alta corte republicana do início da era Lula, onde a propina era moeda corrente para sustentar maioria governista no Congresso Nacional. O processo se tornou conhecido como “mensalão”, neologismo criado por um dos principais acusados, o ex-deputado e presidente nacional do PTB Roberto Jefferson.
Em Goiás, o governador Marconi Perillo, procurado pela imprensa, disse ter alertado o presidente Lula a respeito desses “financiamentos” clandestinos que sustentavam e azeitavam a máquina política em Brasília. Ele disse a Lula que a denúncia de “mensalão” era verdadeira, e que havia chegado ao seu conhecimento por uma deputada de sua base.
Em Brasília, Lula considerou a declaração de Marconi como um dos fatores que contribuíram decisivamente para a instalação da CPI dos Correios, que resultou na abertura de muitos dos segredos da relação promíscua entre o Palácio do Planalto e a sua base de sustentação no Congresso Nacional. As investigações revelaram que o propinoduto do “mensalão” atingiu a antessala presidencial através do então ministro da Casa Civil e deputado federal licenciado José Dirceu.
Lula foi reeleito no ano seguinte apesar de todos os desgastes. No início, ele dizia que não sabia de nada e que tinha sido traído. Esse discurso mudou ao longo dos anos. Ao mesmo tempo, Marconi Perillo foi eleito para o Senado, onde ficou até 2010. Naquele ano, voltou para o Estado e se candidatou ao governo. Lula fez de tudo para impedir a vitória dele. Tentou impor a candidatura do então presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, pelo PMDB, mas não conseguiu impedir a supremacia de Iris Rezende dentro do partido. Ainda assim, na campanha, ele veio a Goiás pedir votos contra Marconi. Deu em nada. Marconi foi eleito.
Em 2011, o Estado enfrentava uma séria crise administrativa. As rodovias, abandonadas pelo governo anterior, estavam completamente esburacadas. Os hospitais públicos amontoavam doentes pelos corredores, muitas vezes no chão porque até macas faltavam. O caixa estadual tinha sido raspado até o último centavo e, de quebra, o governo anterior tinha deixado um “estoque” de 10 mil concursados aprovados para contratação pelo governo iniciado em 2011.
Foi durante o início da recuperação das finanças estaduais que Lula teve a oportunidade de se vingar politicamente, em meados de 2012. Uma investigação da polícia federal contra Carlinhos Cachoeira, apontado como chefe de um grupo que explorava jogos de azar clandestinos, serviu como pano de fundo para a criação da CPI do Cachoeira. Conforme o depoimento de Delcídio do Amaral, Lula estava por trás dessa operação.
A motivação da CPI — que na realidade era uma CPMI, reunindo Câmara dos Deputados e Senado — foi uma canalhice política que atingiu duramente todos os interesses da população goiana. O Estado ficou paralisado durante meses, com o governo acuado por um vendaval de denúncias escolhidas a dedo para vazamentos. A vingança de Lula estava em curso, e foi levada adiante sem medir consequência para Goiás até que se percebeu que o fogo se voltaria contra os tais “vingadores”. Marconi conseguiu sobreviver, mas o senador Demóstenes Torres não se livrou do julgamento político em Brasília, e perdeu seu mandato. Demóstenes era também um alvo a ser abatido na vingança de Lula.
Qual foi o custo do ano perdido de 2012 por Goiás por conta dessa vingancinha, desse capricho de Lula contra adversários políticos? É muito difícil dimensionar o prejuízo econômico, social e político. Mas, certamente, foi imenso. Os empresários, que estavam reiniciando planos de investimento em Goiás, adiado por conta das incertezas administrativas do governo anterior, se assustaram com o abalo da estrutura política durante a CPI. Ambiente político tumultuado não combina com investimentos novos. Lula se lixou para seis milhões de goianos, e focou somente nos seus objetivos pessoais. Goiás também perdeu, pelo menos naquele momento, o protagonismo político exercido pelo senador Demóstenes Torres.
Esses fatos agora são apenas história. Goiás permanece focado em seu futuro, e que ele seja cada dia melhor. l