Bolsonaro quer um partido só dele, mas não terá
21 novembro 2021 às 00h00
COMPARTILHAR
Ele está há dois anos sem uma sigla e a menos de um ano de tentar a reeleição. O tempo passa e trabalha contra as pretensões do presidente
No dia 12 de novembro de 2019, o presidente Jair Bolsonaro deixava o PSL, partido que o abrigou para a viabilização de sua candidatura à Presidência, e anunciava o lançamento de seu próprio partido: o Aliança Pelo Brasil era lançado também naquele dia, com pompa e uma escultura de sua logo formada com cartuchos de balas. Tinha tudo para ser o ninho perfeito da extrema-direita nacional.
O objetivo da nova sigla seria basicamente um: dar todo o suporte, sem contestação, para todas as ideias de seu protagonista, o próprio Jair. As palavras do manifesto do Aliança, em seu anúncio, dizem por si só: “Muito mais que um partido, é o sonho e a inspiração de pessoas leais ao Presidente Jair Bolsonaro, de unirmos o país com aliados em ideais e intenções patrióticas.”
Já são mais de dois anos desde que a intenção de criar o partido foi declarada, com a ambiciosa meta de já efetivá-lo para as eleições municipais de 2020. Eram necessárias 491 mil assinaturas validadas (apoiamentos) em prol do novo partido. Até as vésperas do aniversário de dois anos daquele manifesto, na quinta-feira, 11, o Aliança Pelo Brasil tinha obtido exatas e frustrantes 153.646 canetadas em seu favor – menos de um terço do necessário.
Já faz tempo, porém, que Bolsonaro havia desistido de criar sua própria agremiação. Viu logo que isso dava muito trabalho, que não seria coisa tão fácil – e trabalho, convenhamos, não é algo que o presidente gosta de ter. Para voltar a ter um partido, passou a confiar em seu potencial de “alecrim dourado que nasceu no campo sem ser semeado”, algo que poderia ser traduzido também como “a última bolacha do pacote”.
Desde aquele 12 de novembro, a cada semana, o mundo real da política tem provado a Bolsonaro que não é um cercadinho do Palácio da Alvorada onde todo dia algumas dúzias de fãs se aglomeram para apoiar o “mito” de forma fanática. A realpolitik faz hoje essa mesma militância bolsonarista ter de colocar no saco seus desejos irrefreáveis de “limpeza” (palavra propositalmente ambígua) do Brasil e fechar os olhos à entrega da condução do governo à tropa do Centrão – o mesmo que participou do mensalão, do petrolão, que tirou Dilma Rousseff do cargo sem crime de responsabilidade e que manteve Michel Temer lá, claro, à custa de um bom pagamento.
E, assim, que agora, há mais de dois anos daquele manifesto e a menos de um ano das eleições, o presidente da República não tem partido. É algo inédito na redemocratização, mas que seria apenas uma efeméride curiosa, não fosse o fato de que, a cada semana que se passa, fica mais difícil ser aliado eleitoral de Bolsonaro.
A política desafia as leis da física newtoniana – ou confirma a de Einstein, numa livre interpretação dos princípios da relatividade: um ano até a eleição é, ao mesmo tempo, uma eternidade e um prazo curtíssimo. Uma semana a menos no calendário do TSE não seria nada para quem tenta costurar uma aliança vitoriosa para fazer a campanha e “bater a eleição”, isso se todos os demais partidos também parassem de correr atrás do mesmo objetivo no mesmo prazo.
Deslocado da realidade por conta do cargo que ocupa e dos assessores que ao mesmo tempo o temem e o iludem, Jair Bolsonaro pensava que seu tempo seria diferente do relógio dos demais e que poderia prorrogar esse jogo por seus próprios caprichos – sintoma, novamente, da síndrome do alecrim dourado.
Voltando no tempo, é assim que se entende melhor a briga que teve com Luciano Bivar, deputado federal por Pernambuco e – mais importante – dono do PSL. Poderia chamá-lo de presidente da sigla, ou colocar aspas no tempo “dono”, mas no Brasil partidos políticos têm quem mande de fato e de direito e, geralmente, são a mesma pessoa. Duvida? Digite “dono do PSL” no Google e veja o que aparece. Chamar esse tipo de posição apenas de “presidente”, portanto, passa a ser um termo pouco insatisfatório.
Mas a mosca azul – pela qual Bolsonaro e sua família foram obviamente picados – acentua a distorção da realidade e causa atrofia do bom senso. Se isso ocorre com pessoas comuns, imagine o que pode acontecer com os que já sejam afetados “de origem” nesses aspectos. Para se filiar a uma nova sigla, a família Bolsonaro tem como condição – ou tinha, até tempos atrás – nada menos do que tomar conta do destino de todos os diretórios regionais. Não era apenas questão de “chegar agora e já querer sentar na janela” do ônibus, como disse em 2004 o então veterano Romário (hoje senador pelo PL e apoiador do presidente), quando jogava no Fluminense, sobre o técnico novato Alexandre Gama: a exigência era pegar o volante do motorista!
Dessa forma, ao querer dominar o PSL por ser presidente da República, Bolsonaro dividiu o partido sem conseguir tomá-lo. Derrota número um. A seguir, fez negociações ou sondagens com vários partidos – Patriotas, PRTB, PTB, Patriotas, Republicanos, PP etc. Com pandemia em alta e popularidade em baixa, seu cacife para negociar seus pontos foi minguando. Derrota número dois, essa bem lenta.
O capítulo PL
Até que surgiu uma luz no fim do túnel: o PL. O Partido Liberal é comandado por Valdemar Costa Neto, com a ficha corrida tendo condenação e prisão por corrupção e sendo réu de vários processos. O PL é um partido de médio porte, com 4 senadores e 43 deputados federais. Não se pode dizer que tenha uma estrutura ruim. Só que é um partido praticamente todos os outros, em maior ou menor grau, que se adapta às conveniências de cada reduto eleitoral. Em Pernambuco e na Bahia, as alianças do PL são com partidos de centro-esquerda como o PSB e o PT. Em vários outros Estados, há parlamentares liberais críticos a Bolsonaro, como é o caso do deputado Marcelo Ramos (PL-RO), vice-presidente da Câmara, que já garantiu que não ficará no mesmo palanque que o presidente.
Como se não bastasse as restrições do próprio Bolsonaro a acordos regionais com os “comunistas” – como ele e seu séquito chamam o PT e qualquer partido de linha semelhante – e com qualquer ligação com João Doria (PSDB), um de seus arquirrivais, os bolsonaristas mais radicais – até porque dizer “bolsonarista radical” seria redundância – querem seu presidente longe do PL. Há também uma disputa familiar entre o “01”, senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ), favorável à filiação, e o “02”, vereador Carlos Bolsonaro (PSC-RJ), que mostrou ao pai a repercussão negativa da notícia de sua anunciada filiação ao que considera um partido de corruptos.
Isso foi o estopim do mal-estar concluído em xingamentos que houve no último fim de semana, num diálogo por aplicativo entre Valdemar, no Brasil, e Bolsonaro, nas Arábias, o que mostra muita coisa. Primeiramente, que pode até ocorrer um acerto entre partido e pré-candidato nos próximos dias, mas que isso já esteve bem mais próximo. Mostra também que a coisa não será exatamente como quer o mandatário do País – que não será o mandatário do partido, como aliás garantiu ao pretendente a filiado o próprio dono do PL. E, por fim, mostra o nível de tensão que com certeza terá a relação. Os liberais carregarão o bônus de ter um nome bastante popular para o porte de sua sigla juntamente ao ônus deste ser um nome rejeitado por uma parcela maior ainda.
Se Jair Bolsonaro e sua patota querem mesmo um lugar no qual mandem e desmandem, talvez deveriam mesmo ter trabalhado mais na ideia do partido de extrema-direita. Mas, como já foi registrado parágrafos acima, trabalhar dá trabalho e os Bolsonaros não gostam muito disso.