As escolhas equivocadas de Sergio Moro
06 dezembro 2020 às 00h00

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Juiz super-herói projetado à glória como encarnação do corajoso magistrado que condenou políticos se contradiz mais uma vez ao passar para o lado do balcão que presta consultoria a empreiteiras atingidas pela Lava Jato

“Atuou como juiz federal por mais de 20 anos. Durante seu mandato, foi juiz presidente em processos criminais complexos, tanto nacionais como internacionais, incluindo a Operação Lava Jato, maior iniciativa de combate à corrupção e lavagem de dinheiro da história do Brasil. A Lava Jato gerou uma onda anticorrupção não só no Brasil, mas em toda a América Latina.”
O parágrafo anterior é uma apresentação bastante elogiosa de uma figura que atuou por 22 anos como juiz federal e se tornou para grande parte da opinião pública no Brasil a encarnação do combate à corrupção e da coragem para colocar políticos e empresários corruptos atrás das grades. Nem precisava escrever o nome da figura pública, mas o trecho citado é parte do texto que anuncia a contratação do ex-juiz e ex-ministro da Justiça e da Segurança Pública no governo Jair Bolsonaro (sem partido), Sergio Moro, com sócio-diretor do departamento de disputas e investigações em São Paulo da consultoria internacional Alvarez & Marsal.
A empresa que presta consultoria a grandes clientes deixa para o sócio-diretor da Alvarez & Marsal da área de investigações da América Latina, Steve Spiegelhalter, ex-promotor do Departamento de Justiça dos Estados Unidos, a apresentação pública de Moro no site da consultoria. “A experiência de Sergio como ministro da Justiça e Segurança Pública do Brasil, somado à sua extensa bagagem em anticorrupção, crime do colarinho branco e lavagem de dinheiro, contribuirá para solucionar os problemas dos clientes.” No material da Alvarez & Marsal, o ex-juiz e ex-ministro brasileiro afirma estar “ansioso para contribuir para o legado da empresa de impulsionar a mudança e ajudar clientes a resolver desafios atuais e antecipar os futuros”.
Nada de estranho

Até aqui tudo bem. Um operador do direito, após deixar a carreira na magistratura, tem o direito de escolher os caminhos financeiros e profissionais que julgar interessantes e relevantes, inclusive com uma oportunidade de ganhos como a oferecida pela consultoria internacional de se tornar sócio-diretor da empresa. Sobre sua atuação, a A&M se limita a descrever o básico no texto que anuncia a chegada de Sergio Moro a seu time de diretores: “Empresas, investidores e entidades governamentais ao redor do mundo recorrem à Alvarez & Marsal (A&M) quando as abordagens convencionais já não são suficientes para fazer mudanças e alcançar resultados”.
Mas o trecho seguinte dá uma pista maior da atuação da consultoria. “Com o apoio de mais de 5 mil pessoas em quatro continentes, fornecemos resultados tangíveis para corporações, conselhos, empresas de capital privado, escritórios de advocacia e agências governamentais que enfrentam desafios complexos.” Agora que sabemos qual é o perfil dos clientes e o tipo de serviço oferecido pela Alvarez & Marsal, seria interessante saber quem está na lista de empreiteiras brasileiras que contrataram a consultoria da A&M. Com escritórios instalados no Brasil a partir de 2004 nas capitais estaduais Belo Horizonte (MG), São Paulo e Rio de Janeiro, a empresa atua para as brasileiras Odebrecht, Queiroz Galvão, OAS e Sete Brasil.
Parte do acordo de leniência com executivos da Odebrecht passou pelas mãos do então juiz Sergio Moro na 13ª Vara Federal de Curitiba (PR) como um dos processos oriundos das investigações da Operação Lava Jato. A OAS também está envolvida no caso do tríplex do Guarujá, no litoral paulista, que levou à primeira das duas condenações contra o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), pena definida em primeira instância por Moro. Com as críticas pelo possível conflito de interesses em ter o ex-magistrado que julgou casos nos quais figuravam como réus pessoas ligadas às empreiteiras, a Alvarez & Marsal divulgou que existe um termo contratual que proíbe Sergio Moro de atuar em ações judiciais como representante legal das empresas citadas.
Quem diria?

“Foi estabelecido uma cláusula contratual em que Moro não atuará em projetos que possam gerar conflitos de interesse. Mais do que isso, a A&M não advoga em defesa das companhias, mas como advisor para reestruturações e transformações corporativas, esta última prática onde se encontra a área de ‘Disputes and Investigations’.” A resposta da consultoria não soluciona os problemas causados à imagem de Moro como figura política que figura como aspirante a adversário de Bolsonaro na disputa presidencial de 2022. Como poderia o ex-juiz escolhido pela opinião pública como o paladino da moralidade contra os corruptos do País figurar como representante da consultoria contratada por empresas contra as quais atuou para colocar executivos, como o presidente da Odebrecht, na cadeia, inclusive um ex-presidente da República que teria recebido um apartamento como propina?
Ao tirar a carteira da Ordem dos Advogados do Brasil para voltar à advocacia, Moro fez uma escolha natural entre todos os ex-juízes, desembargadores e ministros de cortes supremas que vendem seus nomes a escritórios que se tornam enormes grifes do direito nos tribunais em todo o País. Mas o ex-ministro do governo Bolsonaro foi além. Resolveu emprestar seu nome, conhecimento e informações de bastidores dos processos contra as empreiteiras clientes da consultoria para ajudar em processos de recuperação judicial e – por que não? – auxiliar na hora de livrar a barra de executivos das empresas contratantes da A&M na Justiça.
Nem precisa ser diretamente, como impede a cláusula contratual. Moro é uma arma a favor dos clientes que atuou para condenar só de fazer parte da empresa que presta serviços às empreiteiras em recuperação judicial e que respondem a processos judiciais. Sergio Moro fez claramente uma escolha econômica. Mirou no dinheiro e foi. É uma escolha justa e digna. Mas não para quem sonha em ser presidente da República como a imagem do salvador da pátria, homem correto, sem incoerências, que age de acordo com o que dita a lei – que ainda precisa ser avaliado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) na denúncia de suspeição na 2ª Turma – no combate à corrupção e na tentativa de extirpar a ilegalidade da gestão pública.
Economia versus política
Financeiramente, Moro acerta. Moralmente, o ex-juiz se equivoca mais uma vez. Assim como errou ao aceitar ser ministro de Estado do presidente eleito que derrotou nas urnas o pré-candidato que o então magistrado condenou e mandou prender.