Ao filho meu filé mignon, ao povo uma medida salgada
21 julho 2019 às 00h00

COMPARTILHAR
Presidente Jair Bolsonaro (PSL) oferece a carne bovina mais macia ao 03 e, em seguida, diz que brasileiro requer quimioterapia para evitar cartão vermelho

“Lógico que é filho meu. Pretendo beneficiar o filho meu sim. Pretendo, tá certo? Se eu puder dar um filé mignon para o meu filho eu dou. Mas não tem nada a ver com filé mignon nessa história aí. Nada a ver. É realmente nós aprofundarmos o relacionamento com um país que é a maior potência econômica e militar do mundo.” Quem disse o que você acabou de ler foi o presidente Jair Bolsonaro (PSL), que afirmou lamentar se alguém discorda, mas que indicará de qualquer jeito o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), filho mais novo dos três que cumprem mandatos eletivos, a embaixador do Brasil em Washington, nos Estados Unidos.
Ao puxar o assunto em sua live semanal na quinta-feira, 18, Bolsonaro parabeniza o jornal Folha de S.Paulo, que o presidente adora atacar e criticar, por uma “matéria” assinada pelo deputado federal Pastor Marco Feliciano (Podemos-SP) sobre a sumula vinculante número 13 do Supremo Tribunal Federal (STF), que encerra a discussão sobre nepotismo no caso de o pai presidente indicar o filho para o cargo de embaixador. A primeira falha aqui é de conhecimento, além do caráter interpretativo do texto. Bolsonaro evidencia um problema de formação que muitos brasileiros infelizmente demonstram diariamente: a dificuldade em separar um texto factual, uma mera notícia, de um artigo de opinião.
Além disso, o presidente demonstra que não tem qualquer interesse em combater o que ficou caracterizado como mamata. A utilização de mandatos eletivos para beneficiar os seus é algo que Bolsonaro resolveu defender a qualquer custo. E agora encontrou a representação extrema do quão privilegiados serão seus filhos enquanto ele estiver à frente do governo federal. O filé mignon não é apenas uma carne bovina cara. Trata-se do corte mais macio do animal. “Pretendo beneficiar o filho meu sim. Pretendo, tá certo? Se eu puder dar um filé mignon para o meu filho eu dou.”
E por que ler de novo as frases ditas por Bolsonaro sobre “beneficiar o filho”? Justamente porque é aqui que o presidente escancara que não se preocupa tanto com as críticas, para as quais prefere dizer apenas “eu lamento”. Não se trata também do apelo que o chefe do Executivo nacional faz ao evocar o artigo de opinião publicado democraticamente pelo jornal Folha de S.Paulo escrito pelo deputado evangélico Pastor Marco Feliciano em defesa da nomeação de Eduardo Bolsonaro para embaixador nos Estados Unidos.
O que interessa aqui é o quanto a ética e a moralidade foram ignoradas. E como um político que se define como conservador, a primeira lógica guiar suas ações deveria ser a da imagem criada com as medidas que resolve adotar. E indicar o filho para embaixador passa longe de ser algo correto. Ultrapassa a linha da imoralidade. Para o conservador que se propôs a combater os privilégios, desvios de conduta e ilicitudes, não basta apenas observar se a súmula vinculante 13 do STF autoriza que o 03, com 35 anos, merece ou não o posto em Washington por ser um defensor da reeleição do presidente Donald Trump nos Estados Unidos.
É preciso mostrar que age com correção e moralidade. Não basta querer ser ético, tem também que transparecer a imagem da retidão. E dizer abertamente que lamenta, mas filho será tratado como um rei, com direito a filé mignon se possível, diante da coisa pública, não é algo minimamente aceitável para um presidente da República no exercício do mandato. Apesar de tentar colar na imagem dos que passaram a criticar a indicação nas redes sociais a figura do adorador do ex-presidente petista Luiz Inácio Lula da Silva, com citações ao movimento Lula Livre, Jair Bolsonaro se mostra atordoado por ter de enfrentar parte de seus eleitores mais fiéis, que demonstraram desta vez escárnio e incompreensão com o anúncio que envolve o nome do filho Eduardo.
Governo para poucos
Ficou claro para os eleitores na campanha que Jair Messias Bolsonaro poderia ser até interpretado como um outsider, mesmo com a entrada na política eletiva como vereador em 1989 e ter passado 28 anos na Câmara dos Deputados. Mas também restou evidente que seu governo seria para aqueles que concordavam com suas propostas. O slogan “Brasil acima de tudo e Deus acima de todos”, que foi oficialmente substituído por “Pátria Amada Brasil” na gestão, continua a ser usado. Inclusive na live da semana passada.
Na retórica bolsonarista, também nas ações, o que menos incomoda é a tentativa de se manter em campanha, sempre com citações a petistas, partidos de esquerda, inimigos da ditadura militar 1964-1985 e o ex-presidente preso Lula. Bolsonaro pai começa não ter mais vergonha de esconder que seus filhos influenciam sim em seu governo. O que levou, inclusive, à escolha do novo presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), Gustavo Montezano. O amigo de longa data dos “garotos” chegou com a missão de abrir a tal caixa preta do BNDES.
Bolsonaro tenta argumentar na live que não há cabimento em aceitar que o 03 se torne ministro das Relações Exteriores. A dúvida, ao menos em seu discurso público, seria a de como o filho Eduardo poderia comandar todos os diplomatas e embaixadores, mas não poderia ocupar a Embaixada do Brasil em Washington, caro para o qual o presidente defende que o “menino” tem toda a competência para exercer. “É realmente nós aprofundarmos o relacionamento com um país que é a maior potência econômica e militar do mundo.”
OK, presidente. Das atribuições que o sr. citou para dizer que seu filho Eduardo tem capacitação e competência para o cargo estão o domínio e fluência no inglês americano. Tem certeza? Ou melhor: are you sure?
Mas tudo bem. Imaginemos que um curso intensivo de inglês ajude Eduardo Bolsonaro a estar preparado. Quais são mesmo as outras qualificações que o deputado federal e filho do presidente tem para ocupar o cargo de embaixador do Brasil em Washington? Apoiar a reeleição de Trump? Completar a idade mínima para ser embaixador na quarta-feira, 10, um dia antes da indicação pelo pai?
Embaixada do hambúrguer
Se fritar hambúrguer for uma atribuição exigida de um embaixador, parece que nem isso Eduardo Bolsonaro fez de fato. De acordo com o próprio deputado federal, ele teria trabalhado de caixa e atendente na rede de fast food Popeyes, concorrente direto do KFC na venda de frango frito. O grande problema não é a mentira de ter fritado hambúrguer onde nem o produto existe no cardápio. A questão continua a ser a imoralidade da família populista dos moralizadores da nação.
Eduardo Bolsonaro diz, no vídeo publicado em 2017, que o “vergonhoso aqui [nos Estados Unidos] é você não ter emprego”. Mas para a família Bolsonaro, que parece querer tratar o cargo eletivo do pai como um atestado de liberdade para fazer o que bem entender a partir do falso poder populista da caneta Bic, o vergonhoso aqui, ou em qualquer lugar do mundo, seja para um presidente da República ou um embaixador, diplomata de carreira ou não, é se achar dono da coisa pública.
A mamata, ao contrário do que tenta passar Jair Bolsonaro, não acabou. Ela continua a ser investigada no PSL em Minas Gerais e pode ser o fator que sustenta até hoje o ministro do Turismo no cargo. O caixa dois do ministro-chefe da Casa Civil, desculpado como algo menor pelo herói nacional Sergio Moro no Ministério da Justiça e da Segurança Pública, cargo que aceitou justamente para fortalecer o combate à corrupção, também é motivo de muita atenção e curiosidade.
Mas a primeira demonstração da falta de limites se dá na imoralidade de lotear o Palácio do Planalto aos filhos do presidente. Qual será o próximo ato: nomear o vereador carioca Carlos Bolsonaro (PSC-RJ), o 02, chefia da Secretaria de Comunicação Social (Secom) do Palácio do Planalto?
*
Você sabe que a fome está lá? Nunca vi, nem vivi, mas eu vou é negar
Gostaria de escrever apenas sobre a imoralidade de um presidente da República indicar seu filho a embaixador. Mas Jair Bolsonaro disse o seguinte na sexta-feira, 19: “Passa-se mal, não se come bem, aí eu concordo. Agora passar fome não. Você não vê gente, mesmo pobre, pelas ruas com o físico esquelético como se vê em outros países pelo mundo”.
Pois é. Ao tentar corrigir, declarou o que vem a seguir. “Se for para entrar em detalhe, em filigranas, eu vou embora. Não estou vendo nenhum magro aqui. Temos problemas alimentares no Brasil? Temos. Não é culpa minha, vem de trás”, disparou. Pode não ser um caso evidente na família Bolsonaro, como o pai já disse, que pretende sim beneficiar o filho Eduardo e que se puder dar filé mignon para o 03 assim o fará, mas a fome existe em nosso País, presidente.
De acordo com os dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), tínhamos 7,2 milhões em situação de insegurança alimentar grave. O total correspondia a 3,6% da população do País em 2013. Só para ficar ainda mais claro, a insegurança alimentar grave é descrita pelo IBGE na pesquisa como “passar pela privação de alimentos”, o que pode “chegar à sua expressão mais grave”. E sabe qual seria essa manifestação, Bolsonaro? “A fome”, define o instituto.
Mas eu me esqueci que você questiona até os dados do IBGE. O que vale mesmo é governar na base da imoralidade dos falsos moralistas e no achismo dos que dizem saber tudo sem entender ou querer compreender nada. Mas como a população precisa urgentemente de “uma medida salgada”, como a Reforma da Previdência, e o filho 03 de filé mignon, parece que já sabemos quem são os que um dia podem passar fome e quais garotos nunca aceitarão que o problema é grave e existe.
Enquanto isso, podemos tentar rir da piada de mal gosto da mulher que queima o ovo do marido, como considera uma brincadeira o presidente em sua live semanal.
https://www.facebook.com/jairmessias.bolsonaro/videos/vb.211857482296579/716948275436963/?type=2&theater