A política dentro do armário: quantos gays estão hoje em cargos eletivos em Goiás e no Brasil?
24 agosto 2023 às 17h34
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Goiânia está preparada para ter um prefeito gay? E Goiás? Elegeria um governador homossexual? O Brasil está preparado para presidente da comunidade LGBTQIA+? A resposta é não. Mas deveria em todos os casos. E por um simples fato: já temos no país (Eduardo Leite, no Rio Grande do Sul, por exemplo). Sejam eles assumidos ou não. Mas quantos gays estão em cargos eletivos hoje no Brasil? É uma pergunta difícil de ser respondida.
Nas últimas eleições, dois candidatos assumidamente gays bateram na trave em Goiás: Matheus Ribeiro (PSDB) saiu das urnas como primeiro suplente de deputado federal e Fabrício Rosa (PT) está na suplência na Assembleia. Se não fossem assumidos, teriam mais votos e estariam eleitos? É algo pra refletir.
Os dois — que nunca assumiram um cargo eletivo até agora — não se elegeram por pouco, mas ambos têm motivos para comemorar. Cada voto que tiveram pode representar menos um eleitor preconceituoso. Matheus, que já aparece como provável candidato a prefeito de Goiânia, é a prova viva de que há espaço para políticos que falam abertamente sobre homossexualidade nos partidos. Ele seria a aposta do PSDB goiano e nacional como a cara do futuro do partido em Goiás.
Brasil afora, o Rio Grande do Sul, por exemplo, já elegeu (duas vezes) um governador homossexual: Eduardo Leite (PSDB). Um homem igual a ele estar no comando de um Estado tão tradicional como é o que governa tem um grande valor. Um jovem gay que sonha em seguir a carreira política pode perceber que é possível estar em uma posição de poder sem esconder quem realmente é.
No entanto, o próprio movimento gay critica Eduardo Leite. Para líderes da comunidade LGBTQIA+, o governador deveria levantar mais a bandeira do arco-íris. Na visão deles, Eduardo foi eleito apesar de ser gay e não porque é homossexual, o que é muito diferente. Fabrício Rosa, por exemplo, militante em Goiás, acredita que “é preciso separar a pessoa do projeto político”.
Eduardo chegou a desistir no cargo de governador para ser pré-candidato a presidente. Não conseguiu se viabilizar nem dentro do próprio partido. Mas voltou ao governo do Rio Grande do Sul e venceu novamente a eleição. Mesmo assim, na última disputa presidencial, ficou em cima do muro: não declarou voto nem em Luiz da Silva (PT) nem em Jair Bolsonaro (PL). E fez isso justificando que revelar seu voto poderia interferir na sua eleição. Na verdade, estava jogando para o futuro, pois planeja, talvez em 2026, disputar a Presidência. Por isso decidiu delimitar território, ou seja, nem esquerda nem direita, e sim centro.
Eduardo Leite tinha razão. Ao aliar sua imagem a Lula, perderia o eleitorado conservador, que vota nele, apesar de ser gay. Se apoiasse Bolsonaro, perderia, inclusive, a maior parte do público LGBTQIAPN+ que se vê representada por ele, mas que tem aversão pelo líder do PL. E sua estratégia, pelo visto, funcionou. Conseguiu a vitória nas urnas e hoje é um dos nomes proeminentes no Brasil. Muito mais pelo perfil de sua gestão do que pela orientação sexual.
Mas e em Goiás? Seria Matheus Ribeiro o Eduardo Leite do Cerrado? Isso só o tempo e as urnas dirão. O próprio Matheus afirma que se sente lisonjeado com a comparação e admira o colega tucano. Mas ambos, mesmo sendo gays e sofrendo na pele o peso da homofobia, têm privilégios. São brancos, tiveram acesso ao estudo e possuem recursos financeiros suficientes para viverem uma vida confortável. Isso os coloca em uma posição diferente na sociedade do que um homossexual pobre e negro.
Para entender melhor a questão, é preciso decifrar como a desigualdade se articula. Ajuda nessa missão o conceito sociológico de interseccionalidade, termo criado pela feminista negra estadunidense Kimberlé Crenshaw, que, em 1989, sistematizou o modelo teórico que definiu que todo sistema opressor age não de forma sobreposta, mas interseccional. Para ela, a opressão se dá entre as minorias em níveis diferentes, uma vez que as pessoas são atingidas pelos preconceitos de classe, gênero, orientação sexual, raça ou etnia de formas distintas.
Toda a sociedade tem sua parcela de culpa na opressão da comunidade LGBTQIA+. Quando alguém se assume gay, lésbica, bi — ou toma pra si qualquer outra letra dessa sigla que não para de crescer – enfrenta o preconceito. Olhares tortos, piadinhas de mau gosto e violências – de todos os tipos – são rotina na vida dessas pessoas até mesmo antes de se assumirem. E isso contribui para que muita gente se tranque no armário e jogue a chave fora.
Por conta da sociedade patriarcal e preconceituosa em que vivemos, a própria comunidade LGBTQIA+ luta contra a homofobia internalizada em seus corpos. Afinal, parafraseando o sociólogo francês Pierre Bourdieu, o oprimido reproduz o discurso do opressor. E só quebrando essa corrente secular de silenciamento e opressão que o Brasil poderá avançar.
Pensando no contexto de Goiás, hoje não há, nem no Legislativo nem no Executivo, nenhum político assumidamente gay (ou lésbica, ou trans, ou bi etc). Mas isso não significa que eles não estejam por aí, pois estão. Em menor número, mas, sem dúvida, estão. Alguns nem fazem mais questão de esconder sua orientação, mas preferem não falar abertamente sobre isso publicamente como estratégia eleitoral para não perder votos. Não fazem, mas deveriam.
Quem primeiro o fizer, levará muita pancada. Os mais conservadores gritarão em alto em bom som: “aberração”. Para não dizer coisas bem piores que os preconceituosos não só pensam como falam. No entanto, abrirá caminho para tantos outros que terão a coragem de sair do armário sem culpa nem vergonha de ser feliz.
Enquanto isso, a orientação desse ou daquele político é alvo de comentários – maldosos ou não, mas sempre em tom de fofoca — nos corredores de casas legislativas e órgãos públicos. O burburinho, por vezes infundado, se dá por conta do preconceito. Esse machismo estrutural torna ainda mais difícil que alguém com qualquer cargo público se assuma. Políticos precisam de apoio de todos os lados para serem eleitos. E, sendo gay, perde os mais conservadores.
Poderia um gay ter o apoio da Igreja, por exemplo? Até poderia, desde que ele não fizesse do arco-íris sua bandeira. Por exemplo: o papa Francisco já declarou que os homossexuais são bem-vindos à Igreja. Para ele, a homossexualidade é pecado, mas não um crime. Na prática, a Igreja Católica, apesar de não celebrar casamentos homoafetivos, na visão de seu líder máximo, pode apoiar leis de união civil que garantam a casais gays os mesmos direitos dos heterossexuais. Mas daí a um padre declarar apoio a um candidato homossexual há um longo caminho pela frente.
De qualquer forma, cada um se assume gay na hora em que julga adequada e pode ser que esse momento nunca chegue. Cada ser tem sua própria jornada individual e isso deve ser respeitado. Afinal, esse não deixa de ser um assunto de natureza íntima. O objetivo aqui é a reflexão. Até porque a comunidade LGBTQIA+ na política em Goiás é muito maior do que se possa imaginar. Ocupam cargos no Legislativo e no Executivo, do primeiro ao último escalão. Não acredita? Tire a prova: abra um aplicativo de paquera gay em algum prédio público e espere para ver quantos “matchs” você terá. Aposto que irá se surpreender.