Pesquisador do IF Goiano é destaque na Science… por fraudar artigos
06 dezembro 2024 às 16h11
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Nesta semana, Guilherme Malafaia Pinto, mestre em Biologia e professor do Instituto Federal Goiano no Campus Urutaí, se tornou destaque internacional pelos motivos errados. Seu nome figurou nesta terça-feira, 3, na revista Science, em uma matéria sobre o uso da identidade de cientistas para produção de revisões falsas em artigos. A reportagem revelou como dezenas de revisões por pares em artigos de Malafaia publicados no periódico Science of the Total Environment (STOTEN), da editora Elsevier, eram, na verdade, fictícias.
A matéria da Science — de título “‘Foi muito nojento’: o nome deste cientista foi usado para escrever falsas revisões por pares” — explica que revisões por pares falsas se tornaram um tipo cada vez mais comum de fraude acadêmica. A revisão por pares é o processo de avaliação de artigos científicos por especialistas da mesma área, que visa garantir a qualidade dos artigos publicados. Como os periódicos abrem espaço para que autores sugiram possíveis revisores, o autor pode fraudar o sistema fornecendo endereços de e-mail falsos, criados pelo próprio autor, sob o nome de cientistas reais e relevantes.
A publicação aborda a perspectiva de Michael Bertram, da Universidade Sueca de Ciências Agrárias, que teve seu nome usado como revisor de artigos que ele nunca havia visto. A Science afirma que a Elsevier retirou 34 artigos de Malafaia na STOTEN por possuírem revisores fictícios. Uma busca no ScienceDirect (base de dados bibliográfica da Elsevier) nesta sexta-feira, 6, revelou que já são 38 retratações.
Em resposta, Guilherme Malafaia publicou uma carta aberta à comunidade científica. Ele afirma: “Fui pego de surpresa ao receber uma comunicação da Equipe de Ética da Elsevier alegando que os endereços de e-mail usados pelos revisores em 42 dos meus artigos publicados Stoten não pertenciam aos revisores indicados.” Ele diz que pediu esclarecimentos a respeito de como identificar corretamente revisores e procedimentos adotados para avaliar a validade das revisões, mas diz que não recebeu resposta da editora. Afirma ainda que as revisões dos 42 artigos foram feitas correta e rigorosamente.
Nas 28 páginas da carta aberta (que podem ser lidas neste link), entretanto, Guilherme não diz a razão e o motivo de ter informado como revisores cientistas que não tinham conhecimento dos artigos. Ele também não explica como e onde encontrou os endereços de e-mail que ele enviou como potenciais revisores.
Como a academia permitiu isso?
Pesquisadores têm um grande incentivo para aumentar o número de publicações em seus currículos, pois, na concorrência por bolsas e financiamento, a quantidade de artigos publicados em periódicos de impacto costuma compor grande parte da nota. A revisão por cientistas relevantes dá maior credibilidade aos artigos e garante espaço em periódicos de maior relevância.
Um cientista disposto a cometer fraudes é um concorrente desleal — pesquisadores com o mesmo tempo de experiência não conseguem competir com seu currículo artificialmente inflado por bolsas e financiamento. Como estudantes orientados pelo pesquisador mal-intencionado frequentemente compartilham a coautoria de suas publicações, os currículos dos alunos também são inflados — mesmo que eles não tenham conhecimento de fraude alguma.
Assim, contraditoriamente, um pesquisador fraudador pode ser conveniente. Nenhuma reitoria de universidade acompanha exatamente como todas suas milhares de pesquisas são conduzidas; poucos alunos têm segurança e determinação para questionar os métodos de seu orientador e professor. Na instituição de ensino e pesquisa, contrariar um pesquisador com currículo astronômico é ainda mais difícil quando se considera a quantidade de verba e financiamento que ele traz para a instituição.
Ironia
Em um editorial do Núcleo de Extensão e Pesquisa em Avaliação em Saúde (Nepas), Guilherme Malafaia escreveu:
“Quando levamos em consideração a necessidade de publicarmos trabalhos bons e de alto impacto, na tentativa de equipararmos os periódicos brasileiros àqueles reconhecidos internacionalmente, o papel e a contribuição dos revisores nesse processo se tornam ainda maiores. Sem dúvidas, o processo de avaliação por pares trata-se de um tema importante que tem suscitado discussões no âmbito da publicação de trabalhos acadêmico-científicos. Mantida no esteio do princípio da independência, a avaliação crítica dos artigos a serem publicados é componente indissociável do trabalho acadêmico, no qual se inclui o processo de produção e avaliação científica”