Esta é a sétima reportagem de uma série especial intitulada “Mulheres e Poder” sobre o valor da participação feminina na economia, política, cultura e sociedade.

Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em todos os estados, mais mulheres completam o ensino superior do que homens. Em algum momento de suas carreiras, há um gargalo, pois existem menos mulheres pesquisadoras do que homens na ciência e na docência universitária. Entretanto, o cenário está em um momento de mudança. 

Hoje, 21,3% das mulheres têm ensino superior completo, enquanto a proporção é de 16,8% para homens. A única faixa etária em que as mulheres são minoria é a dos maiores de 65 anos, na qual 11,6% dos homens têm diplomas enquanto 10,7% das mulheres concluiu a graduação. Esse dado indica que as gerações em que concluir os estudos era exclusividade masculina já fica no passado. No Centro-oeste, a frequência no ensino superior é bem mais alta do a média nacional: 35,7% para as mulheres, e 30,7% para os homens.

Resta saber por que, então, dentro da docência e da pesquisa na pós-graduação, apenas 47,3% das pessoas são mulheres. Para responder a esta questão, o Jornal Opção ouviu Mariana Pires de Campos Telles, professora da Universidade Federal de Goiás (UFG) e da Pontifícia Universidade Católica de Goiás. 

Pesquisadora na área de genética de populações e genética molecular, Mariana Telles foi responsável pelo programa de vigilância genômica do coronavírus em Goiás durante a pandemia de Covid-19. Hoje, é coordenadora geral do Programa Araguaia Vivo 2030, maior expedição de coleta dados da história do Araguaia.

“Com certeza, dentro da academia, as mulheres ainda enfrentam muitas barreiras que os homens não enfrentam”, diz Mariana Telles. “É uma luta diária. Temos de ter muita determinação para equilibrar as demandas do dia-a-dia. Nem toda mulher cientista quer ser mãe, mas algumas querem, e a maternidade ocorre em um momento da vida quando a carreira científica exige produtividade”.

No dia 26 de dezembro de 2023, Maria Caramez Carlotto, professora da Universidade Federal do ABC (UFABC), utilizou as redes sociais para denunciar discriminação de gênero em parecer do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). A pesquisadora teve seu pedido de bolsa de produtividade recusado sob a justificativa de que “provavelmente suas gestações atrapalharam” a realização de pós-doutorado fora do país, “o que poderá ser compensado no futuro”.

A denúncia incentivou novos relatos de pareceres do CNPq que discriminam mulheres cientistas. Em outro caso, a professora Cibele Russo, do Instituto de Ciências Matemáticas e de Computação da Universidade de São Paulo (USP São Carlos), teve sua bolsa recusada por baixa produtividade. O documento justifica a decisão apontando “pequeno número de alunos formados” orientados pela professora no período em que Cibele Russo foi mãe.

Mariana Telles afirma que é plenamente possível conciliar a carreira com a maternidade desde que haja suporte das instituições. “Quando iniciei meu doutorado e me tornei professora universitária, muitos colegas me desanimaram, disseram que era impossível ter filhos e ser cientista. Fui capaz de conciliar as coisas porque tenho uma boa rede de apoio em casa, mas esse não é o caso de todas as mulheres. É necessário que as instituições concedam licenças para as doutorandas que têm filhos. Não temos estruturas de creches e berçários. Os homens cientistas que se tornam pais não passam por essa dificuldade.”

O critério para determinar quais pesquisadores receberão bolsas de produtividade em instituições como o CNPq é a produtividade — número de alunos orientados, artigos publicados, colaborações com instituições externas. “Há uma luta para que os órgãos de fomento à pesquisa considerem o currículo das pesquisadoras, e não apenas a produção no período da maternidade. As mulheres não deveriam ser obrigadas atuar como os homens para serem consideradas competitivas na academia”.

Mariana Telles: “Já começamos a criar uma cultura na ciência” | Foto: Reprodução / PUC-GO

A despeito das dificuldades, diversas iniciativas para incentivar a entrada de meninas na ciência têm dado resultados, diz Mariana Telles. A pesquisadora cita programas como o Futuras Cientistas, do CNPq, que se iniciou no Nordeste e se espalhou por todo o Brasil. “O programa capta estudantes do ensino médio e faz imersão durante as férias de janeiro. Nós, docentes, participamos deste projeto de extensão voluntariamente. Duas garotas que me acompanharam no Laboratório de Genética & Biodiversidade no ano passado recentemente me agradeceram pelo período de experiência, que fez a diferença na escolha de carreira delas. Esse tipo de trabalho é muito gratificante e se espalha, pois novas mulheres nesta carreira vão incentivar outras pelo exemplo”.

Há programas voltados para as jovens aspirantes a pesquisadoras também na Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Goiás (Fapeg), como o Goianas na Ciência. “Isso é muito importante, pois cria uma cultura. A gente funciona com exemplos, pessoas que nos motivam. Ver mulheres em lugar de destaque desempenhando trabalhos importantes é estimulador, abre possibilidades”, diz Mariana Telles.

“Os programas para incentivar a entrada na carreira, entretanto, devem vir acompanhados de programas de permanência”, afirma. “A estrutura das universidades precisa melhorar para compatibilizar a maternidade, e precisamos criar uma cultura na qual falar abertamente sobre a queda da produtividade em função dos filhos não seja uma vergonha. Faz parte do processo. A produção das mães cientistas desacelera, mas a produtividade logo volta ao normal.”