Viajar de moto pelo norte de Goiás, especialmente em setembro, é experimentar o Cerrado em sua forma mais direta e visceral. Sem vidros, sem ar-condicionado, sem filtros: apenas o vento seco no rosto, o perfume da vegetação nativa e a paisagem se revelando curva após curva. Foi assim que segui, saindo de Trindade, passando por Brasília, atravessando a estrada com tempo e sensibilidade suficientes para perceber detalhes que, de carro, certamente passariam despercebidos.

Cruzei São Gabriel de Goiás e São João d’Aliança apenas pela rodovia, mas, mesmo esse contato breve, bastou para perceber a força que o Cerrado exerce sobre tudo e todos que vivem ali. É uma região onde a terra vermelha, as chapadas, os campos limpos e a vegetação retorcida compõem um cenário que não é apenas bonito — é único, histórico e insubstituível.

O ar extremamente seco e limpo daquela época do ano deixa a atmosfera quase translúcida. A constelação de Escorpião estava inteira sobre mim, brilhando com nitidez impressionante enquanto eu conduzia a moto pela escuridão da estrada. A luminosidade das estrelas parecia mais intensa do que o farol. Em um determinado trecho, precisei parar: a combinação entre o silêncio da noite, a grandiosidade do céu e a vastidão do Cerrado me emocionou a ponto de chorar ali mesmo, ao lado da pista. Poucos lugares no Brasil proporcionam esse tipo de encontro com a natureza.

Mas essa beleza contrasta com a vulnerabilidade do bioma. O Cerrado — berço das principais bacias hidrográficas do país e habitat de uma biodiversidade única — segue como o mais devastado do território brasileiro. Áreas queimadas, fragmentos de mata substituídos por pastagem e trechos de solo exposto aparecem ao longo do caminho, ainda que em meio a uma paisagem exuberante. A experiência da viagem, tão intensa e inspiradora, evidencia também o quanto estamos próximos de perder parte desse patrimônio natural.

A região da Chapada dos Veadeiros, que inclui Alto Paraíso e São Jorge, já é um dos polos mais fortes de ecoturismo no Brasil. Recebe visitantes interessados em trilhas, cachoeiras, cultura tradicional, espiritualidade e observação astronômica. Porém, esse turismo só se sustenta a longo prazo se houver preservação real — com regulamentação, fiscalização, ordenamento territorial e planejamento que integrem comunidades locais, pesquisadores e o poder público.

É preciso compreender que proteger o Cerrado não é apenas uma pauta ambiental: é uma pauta econômica, social e estratégica. O bioma abastece rios que alimentam sistemas hídricos de diferentes regiões do país. Sua vegetação tem papel central na regulação climática. A perda de cobertura nativa significa perda de água, de biodiversidade, de segurança alimentar e até de oportunidades de desenvolvimento sustentável.

Atravessar o Cerrado de moto em setembro me deu a certeza de que preservá-lo é um imperativo. A sensação de liberdade ao cruzar aquela imensidão dourada, o impacto das montanhas sob o sol baixo da tarde, o céu desenhado por Escorpião na noite limpa — tudo isso só existe porque o Cerrado resiste. Mas não resistirá sozinho.