Feirantes do Mercado Aberto da Avenida Paranaíba lutam por revitalização e apoio do poder público

05 abril 2025 às 21h00

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Construído e inaugurado em 2003, o Mercado Aberto de Goiânia, localizado na Avenida Paranaíba, já foi uma das principais referências no comércio de confecções, calçados e acessórios da capital. A idealização do espaço fez parte da revitalização do Centro e tinha o objetivo de retirar os quase dois mil camelôs espalhados pelas avenidas Anhanguera e Goiás. Hoje, no entanto, o local enfrenta uma dura realidade de abandono e esvaziamento, segundo os próprios feirantes ouvidos pela reportagem do Jornal Opção, que esteve no local nesta quarta-feira, 2.

Olívia Vieira, que foi a secretária responsável pela construção do espaço, lembra que o então prefeito Pedro Wilson (PT) herdou uma demanda histórica em dos ambulantes que ocupam o centro da cidade. “Havia no centro 1.995 ambulantes que desenvolviam atividades comerciais sem a menor condição de dignidade de uma pessoa humana. Além disso, conviviam com o descontentamento dos moradores e pedestres, além do conflito com o comércio estabelecido”, afirma.
Neste contexto, foi elaborado o projeto ‘Mercado Aberto’, com a participação dos camelôs e de todo o comércio da região. Várias parcerias foram estabelecidas para viabilizar a construção do espaço na Avenida Paranaíba, que tinha como eixo principal o desenvolvimento sustentável e o desenvolvimento social com inclusão.
“Com um processo transparente, foi possível, por fim, transferir essa quantidade de ambulantes para o mercado aberto, tendo como lema o diálogo e o respeito, sem a necessidade de usar a força policial. Há registro de que a única capital do país que conseguiu esse feito foi Goiânia”, argumenta.
Clientes sumiram
Feirantes que atuam há décadas no local relatam a drástica redução no número de clientes e a precariedade das condições de trabalho. Insegurança, falta de infraestrutura e descaso do poder público são apontados como fatores que levaram à decadência de um espaço que, no passado, era sinônimo de prosperidade.

Os comerciantes que testemunharam a transformação do Mercado Aberto ao longo dos anos narram os desafios que enfrentam diariamente para manter suas atividades. A presença de moradores em situação de rua, o tráfico de drogas e a ausência de políticas públicas efetivas afastaram consumidores e tornaram inviável a permanência de muitos feirantes. Muitos sobrevivem apenas porque atuam em outras feiras da cidade, como a Feira Hippie, enquanto aguardam medidas que possam revitalizar o local.
Apesar do cenário desanimador, ainda há esperança entre os trabalhadores. A proposta de revitalização apresentada por autoridades municipais reacendeu a expectativa de dias melhores, embora os feirantes temam que os custos das mudanças tornem inviável sua permanência.
Para eles, o Mercado Aberto ainda tem potencial para recuperar seu prestígio, desde que receba investimentos em segurança, limpeza e estrutura. O futuro do espaço dependerá das decisões que serão tomadas nos próximos meses e da disposição do poder público em valorizar um dos mercados mais tradicionais da cidade.
Feirantes lamentam abandono
José Wilson da Siqueira, 56 anos, é feirante e trabalha tanto no Mercado Aberto onde começou sua trajetória como na Feira Hippie. Com mais de 20 anos de atuação, ele testemunhou as transformações do espaço e o impacto da falta de estrutura.
“Eu era camelô na Avenida Goiás. Quando nos trouxeram para cá, o movimento era extraordinário. Conseguir um ponto aqui era difícil, era caro. Mas agora, o que virou? Acabou”, desabafa. Segundo José Wilson, os primeiros cinco anos foram de grande movimentação, mas, com o tempo, a decadência se instalou. “A troca de prefeitos foi mudando tudo. Vieram os moradores de rua, que começaram a bagunçar o espaço, e isso afastou os clientes”, relata.

Ele aponta que a insegurança no local prejudicou os negócios. “O cliente chega aqui e vê gente vendendo droga, pessoas deitadas no chão, um ambiente fedendo a urina. Eu não voltaria. Você voltaria?”, questiona. Segundo ele, à noite, o espaço se transforma. “Os moradores de rua fazem a festa aqui. De manhã, chegamos e está tudo sujo, bagunçado. Até os banheiros precisam ser trancados, senão ficam imundos. São os feirantes que limpam.”
Quando foram transferidos para o local, José Wilson lembra que havia promessas de estrutura e segurança. “No início, tinha Guarda Municipal, extintores nas paredes, policiamento. Mas, com o tempo, tudo isso acabou. Ficamos por nossa conta. O tráfico tomou conta e tivemos que contratar uma equipe de segurança. Foi uma guerra, teve até tiro. Conseguimos afastar os usuários e traficantes por um tempo, mas depois a crise veio, e não conseguimos mais manter os seguranças.”
A pandemia também agravou a situação. “Ficamos 90 dias sem trabalhar. Quando reabrimos, metade dos feirantes não voltou. Uns faliram, outros desistiram, alguns faleceram. A feira que era lotada ficou vazia.” Hoje, segundo José Wilson, não dá para sobreviver apenas com as vendas no local. “Eu venho para não ficar parado. Às vezes consigo vender alguma coisa, mas sem estabilidade. O que me salva é a Feira Hippie.”
Apesar das dificuldades, ele ainda tem esperança. “A proposta do prefeito Sandro Mabel (UB) para revitalizar o Centro me deu uma injeção de ânimo. Ele veio aqui, fez filmagens, mostrou o projeto, e é bonito. Não sei se dará resultado, porque o centro é complicado. Mas, se revitalizar e fizer um trabalho de divulgação, talvez volte a atrair clientes. Não é fácil, mas temos esperança.”
O feirante Valdemir Rodrigues de Oliveira, de 58 anos, relembra os tempos áureos do Mercado Aberto, onde trabalha desde a sua fundação. No entanto, segundo ele, a realidade atual é bem diferente da promessa inicial.

“Desde o começo eu trabalho aqui. Anos atrás, era camelô, mas depois o prefeito Pedro Wilson organizou esse espaço para a gente trabalhar”, conta Valdemir. “Aqui era para ser um lugar como nunca vi igual, com cobertura, banheiro, tudo pronto para funcionar”.
Apesar da infraestrutura, o feirante relata que o movimento caiu drasticamente ao longo dos anos. “O mercado praticamente acabou, não vende nada. Aqui estamos abandonados”, afirma. Para ele, a principal causa do esvaziamento do local é o descaso do poder público.
“A gente não tem segurança. À noite, não dá nem para andar por aqui”, lamenta. O cenário impacta diretamente o número de comerciantes. “Hoje, temos cerca de 100 feirantes nas três quadras do mercado. No início, éramos mais de 1.000. O projeto original previa 1.380”, compara.
Valdemir explica que muitos continuam ali por falta de alternativa. “A gente fica porque não tem outra ocupação, outra renda. Montamos a banca e tentamos vender o pouco que dá. Tem dia que vende, tem dia que não”.
A situação obriga os trabalhadores a buscarem outras fontes de renda. “Só daqui não dá para sobreviver. Graças a Deus tem a feira hippie, a mãe de todas, onde trabalhamos três dias e conseguimos pelo menos nos manter”, revela.
Sobre o projeto de revitalização do Mercado Aberto, anunciado pela prefeitura, Valdemir se mostra esperançoso. “Se Deus quiser, vai trazer segurança para nós. Hoje, o que vemos aqui são moradores de rua andando com faca na mão, sem roupa, cheio de tatuagem. Não sou contra ninguém, mas acho que deveríamos ter mais segurança”, destaca.
A expectativa é que o novo projeto traga melhorias e um novo fôlego para os feirantes. “Vai ter segurança, vai ter, se Deus quiser”, conclui Valdemir.
Com 74 anos e uma vida dedicada ao comércio, José Martins Queiroz é um dos feirantes mais antigos do Mercado Aberto. Há 22 anos, ele trabalha sob a mesma cobertura e, apesar das dificuldades, nunca pensou em desistir. No entanto, seu grande sonho ainda está distante: ver o espaço revitalizado e valorizado.

“Eu queria que o prefeito, os vereadores olhassem para essa feira com carinho, com desejo de fazer algum benefício. Não é uma feira tão grande, mas está no centro da cidade e merece atenção”, afirma. Segundo ele, a falta de investimentos faz com que o local pareça abandonado. “Aqui precisa de cuidado. Está feio, está largado. O povo desacredita porque espera do poder público e nunca vê nada acontecer.”
José sugere medidas simples, como a limpeza da cobertura e melhorias na infraestrutura para atrair mais clientes e dar condições dignas aos comerciantes. “Poderiam lavar esse telhado com carro-pipa, cuidar da estrutura, incentivar a ocupação das bancas fechadas. Quando chove, entra água com vento porque não tem um muro ou meio-fio mais alto para segurar a enxurrada. Fica difícil até para quem vem visitar”, relata.
Para ele, um dos fatores que afastou clientes e feirantes foi a concorrência com a Região da 44, conhecida como polo de comércio popular. “O povo foi para lá porque aqui não teve incentivo. Se o poder público tivesse feito algo, ninguém teria saído. Quem ficou, sofreu ainda mais com essa perda.”
Hoje, Queiroz sobrevive com a aposentadoria, mas lembra dos tempos em que era possível viver apenas da feira. “No momento, não dá para se sustentar só com as vendas aqui. Se eu não fosse aposentado, não conseguiria continuar. É por isso que muita gente desistiu.”
Apesar das dificuldades, ele mantém a esperança de que a feira seja revitalizada. “Talvez eu seja um dos mais velhos aqui, e meu sonho antes de morrer é ver esse lugar ser reabilitado, bem arrumadinho, do jeito que precisa ser. Se isso acontecer, tenho certeza de que muita gente vai querer voltar”, conclui.
O representante dos feirantes, Valdir Luiz Marcelino, que atua na região há 22 anos, lembra com nostalgia dos tempos áureos do mercado: “Muitas lembranças boas. Aqui era a principal referência do ramo, tanto no atacado quanto no varejo. Chegamos a ter 1.300 feirantes”, recorda Marcelino. Atualmente, no entanto, restam cerca de 100 comerciantes.

Segundo ele, a decadência do Mercado Aberto começou com a ascensão da região da Rua 44, que se tornou o novo polo comercial da cidade. “O próprio empreendedor começou a migrar para lá, e a prefeitura não se mobilizou para dar suporte aos que queriam permanecer aqui”, explica.
O abandono do poder público também contribuiu para a degradação do espaço. A falta de segurança e limpeza afastou clientes e comerciantes. “Se tivessem tratado isso aqui como uma praça, com segurança e cuidados adequados, a história poderia ser outra”, lamenta o feirante.
Mesmo diante das dificuldades, Marcelino acredita no potencial do Mercado Aberto. “Estamos em uma localização privilegiada, perto de clínicas, laboratórios, garagens e do Estádio Olímpico. Precisamos de apoio para tornar esse espaço atrativo novamente.”
Questionado sobre conversas com o poder público, ele destaca que ainda não houve avanços concretos. “Ficamos sabendo de um projeto, mas nada foi apresentado oficialmente. Esperamos que a prefeitura nos inclua nas decisões e crie condições viáveis para nossa permanência”, afirma.
O temor dos feirantes é que um eventual projeto de revitalização traga custos inviáveis para os comerciantes já fragilizados financeiramente. “Se exigirem um investimento que não temos condição de fazer, o fechamento será inevitável”, alerta Marcelino.
Apesar dos desafios, ele segue lutando pela permanência dos feirantes. “Os comerciantes daqui me reconhecem como representante, e estamos buscando uma solução viável para todos. Esperamos que o poder público também faça sua parte.”
Projeto de revitalização ainda está em fase de levantamento, diz Segenp
A revitalização do Mercado Aberto, ainda está em fase de estudo, segundo Flávio Rassi, membro do Conselho de Governo e responsável institucional pela Secretaria Municipal de Gestão de Negócios e Parcerias (Segenp). De acordo com Rassi, a diretriz do prefeito é reordenar a cidade, mas qualquer projeto só pode ser estruturado após um levantamento detalhado das condições do local.
“A determinação do prefeito é reorganizar toda a cidade. Pegamos esses mercados e outras estruturas em uma condição terrível. Antes de traçarmos um plano de ação completo, precisamos entender a situação atual: quem está lá, quais são as necessidades e como podemos agir”, afirmou Rassi.

A situação do Mercado Aberto tem sido alvo de críticas por parte dos comerciantes, que denunciam abandono e a presença de moradores de rua no local. Para Rassi, o problema é reflexo da ausência do poder público nos últimos anos. “Infelizmente, a cidade estava abandonada. Quando não há fiscalização, ocorre ocupação irregular das calçadas, o que afasta os clientes dos espaços destinados ao comércio legalizado. Isso enfraquece o mercado, gera insegurança e prejudica os comerciantes que pagam seus impostos”, explicou.
O representante da Segenp destacou que a prefeitura tem atuado para reorganizar Goiânia e devolver a ordem às áreas comerciais. “Estamos ouvindo os comerciantes e estudando as melhores soluções, sem precipitação. Queremos melhorar o ordenamento da cidade e garantir um ambiente seguro para trabalhadores e consumidores”, ressaltou.
Quanto à destinação dos ambulantes que atualmente ocupam irregularmente espaços públicos, Rassi informou que a prefeitura tem oferecido alternativas, como aluguel social e a possibilidade de realocação em feiras organizadas. “Não há dificuldade para cadastramento e realocação. Nossa intenção é que esses trabalhadores cresçam, se formalizem e tenham acesso a crédito e treinamentos”, afirmou.
Por fim, Rassi destacou que a revitalização do Mercado Aberto faz parte de um plano maior para tornar Goiânia mais atrativa e organizada. “Goiânia tem potencial para ser a capital da moda no Brasil. Para isso, precisamos de uma cidade segura, limpa e organizada. Estamos trabalhando para oferecer as condições necessárias para o crescimento econômico e a prosperidade dos comerciantes”, concluiu.
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