Embora não possua uma legislação que regulamente candidatura sem ser individual, a partir de 2016 proliferaram candidaturas de grupos pelo país. Principal pesquisador sobre o assunto, o professor de Administração Pública na Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC), Leonardo Secchi, chegou a definir essa nova modalidade em três categorias: candidatura compartilhada, coletiva e coletiva partidária. Apesar de haver experiências na década de 1990, o primeiro coletivo, no formato atual no Brasil, foi eleito em Alto Paraíso, coordenado pelo então candidato a vereador João Yuji.

Advogado especialista em direito eleitoral, Wandir Allan de Oliveira esclarece que não existe previsão legal para candidatura com mais de uma pesssoa. “O que o TSE (Tribunal Superior Eleitoral) admite é que haja o apoiamento e o uso da designação do coletivo no nome utilizado para concorrer às eleições”. Ao observar esse critério, em Goiás, apenas a candidatura de Weslei Garcia de Paulo, do Psol, está apta. Ele representa o Coletivo Pequi Educação. Para ele, os mandatos coletivos são iniciativas políticas que buscam democratizar os mandatos e descentralizar decisões do parlamentar. “Na prática, uma candidatura coletiva enfoca inovar o formato de se fazer política nos espaços legislativos e dar realmente um caráter de participação ampla nas ações dentro do parlamento”, afirma. No entanto, o candidato compreende que não há lei assegurando tal proposta, mas apenas decisões políticas. “Até onde estamos observando, ainda não há respaldos jurídicos sobre as existências formais dos coletivos”, salienta.

Acerca da formação do coletivo, Garcia compreende que a partir de três integrantes já se pode formatar uma candidatura com esse modelo. “O nosso, por exemplo, é um grupo para além de eleições, coletivo Pequi da Educação, onde, um grupo de pessoas irão discutir vários temas e farão desse coletivo um movimento permanente. Tanto, que existem pessoas que fazem parte do Coletivo Pequi da Educação, mas não estão participando da chapa eleitoral para o Mandato Coletivo”, exemplificou ao Jornal Opção. Questionado se os membros naturalmente integrarão um futuro gabinete parlamentar, o candidato sinaliza para essa possibilidade. “Por se tratar de um acordo político, podem existir várias formas de distribuição dos membros do coletivo. Pode sim ser um acordo de antecipação de cargos no gabinete, ou todos se tornarem co-deputados e dividirem, inclusive, até o salário. Ou um terceiro formato. Mesmo que todos ocupem vagas no gabinete, todos serão co-deputados ou co-deputados e terão de submeter sempre coletivamente todas as decisões”, comenta.

Outra candidatura apontada pelo próprio partido como sendo coletiva é da líder estudantil Dani Cruz (PDT). No entanto, essa esbarrar no requisito apontado pelo advogado eleitoral, para estar cadastrada no sistema da Justiça Eleitoral com o nome do coletivo, que se apresenta nas redes sociais como ‘Coletivo Onda Jovem’. “Nós, do Coletivo Onda Jovem, somos 8 (pessoas) divididas em várias cidades do estado de Goiás. Acreditamos que assim conseguiremos estar mais perto da população e das especificidades de cada região”, explicou ao Jornal Opção.

O nosso, por exemplo, é um grupo para além de eleições, coletivo Pequi da Educação, onde, um grupo de pessoas irão discutir vários temas e farão desse coletivo um movimento permanente”,

Weslei Garcia, Psol

No caso desse coletivo, Dani Cruz enfatiza que os membros não serão apenas assessores de gabinete, mas co-deputados. “Em caso de sucesso nas urnas, os membros do coletivo trabalharão como se parlamentares fossem, com a divisão da remuneração e das responsabilidades. Assim, há uma despersonalização da liderança política não só como narrativa, mas como prática. As decisões serão tomadas em assembleias periódicas, sendo que poderão ser criados conselhos em cada segmento que o coletivo atua para dar celeridade nas decisões. Nada impede que algum membro do coletivo seja contratado pelo gabinete por suas qualificações individuais, mas é importante deixar claro que não é esse o papel do coletivo. O papel central é democratizar as decisões parlamentares tomadas a partir de diálogos com o coletivo”, propõe.

Experiente com esse modelo de candidatura coletiva, o ex-vereador de Alto Paraíso, João Yuji, disse ao Jornal Opção se não houver um contrato registrado em cartório regulamentando tudo, de nada adianta uma candidatura nessas modalidades. “Alguns pontos que são chaves para mandatos coletivos: número ímpar, contrato escrito, se não tem contrato escrito, a pessoa que ganha a eleição, toma o mandato. Aconteceu isso aqui e outros mandatos também. A pessoa que ganhou a eleição não tem nem segurança jurídica, que pode sofrer um processo civil ou penal, não”, ensina. Para ele depois que se vence a eleição o poder pode subir à cabeça, a pessoa ser corrompida e passar a ignorar o coletivo. “Só usa o coletivo para se eleger, mas se transforma em um mandato individual. Então, contrato, número ímpar e se de fato as pessoas tinham um trabalho anterior juntos, se tem uma ligação entre àquelas pessoas, senão o grupo não se sustenta, se vai ser uma coisa só, se não tinha nem que seja uma relação de amizade ou algum trabalho, alguma ação social que tenham executados juntos antes. São as três primeiras coisas: número par, sem contrato, sem ações sociais antes, pode pular fora que é picaretagem”, alerta.

Nesse cenário, o ex-parlamentar por mandato coletivo diz que os formatos e as práticas destoaram muito o modelo proposto inicialmente por eles. “Foi um grupo de amigos de São Paulo, que chamava movimento Ecofederalista, é um grupo que não existe mais, mas a gente criou esse formato assim, como uma estratégia de curto prazo, mesmo. Para a gente conseguir levantar nossas pautas, do federalismo, da descentralização do poder legislativo”, recorda. Ele critica que essa modalidade ganhou outros fins. “Assim, foi uma coisa que virou uma ferramenta eleitoral muito eficiente para captar votos, mas que muitas vezes são apenas imagens, uma imagem que é vendida, inclusive aqui em Alto Paraíso, fizeram um mandato coletivo ‘Permacultura’, que não tem nada a ver com a gente, pelo amor de Deus, não associe eles com nosso nome, que eles estão compactuando com tudo que está acontecendo de errado’, denuncia.

“Mas é um exemplo, não é o único que usou o nome mandato coletivo. Não tem transparência, não combate a corrupção, é uma coisa totalmente fora dos nossos princípios, usaram o nome mandato coletivo, porque era uma coisa que estava dando voto, e foi uma ferramenta eleitoral eficiente. Então é uma ferramenta eleitoral que pode ser usada para o bem ou para o mal”, lamenta, indicando que agora observa falhas nesse modelo. “Então, eu tenho minha ressalvar quanto ao mandato coletivo, principalmente, por ter visto, acompanhado de perto, esse pessoal que surfou na nossa onda aqui em Alto (Alto Paraíso), e eu vi muitos mandatos coletivos pelo Brasil, foi criado uma frente nacional no passado, que os partidos nacionais se apropriaram, principal o PT e o PSOL”, se queixa.

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João Yuji, segundo da esquerda para a direito, juntamente com os integrantes do primeiro coletivo eleito no país, em 2016 | Foto: redes sociais

De acordo com Yuji, o grupo dele se baseou nos modelos já experimentados nos anos de 1990, que eram mandatos compartilhados. Nessa modalidade, um parlamentar individual cria mecanismos de participação popular dentro do mandato. “Então, por exemplo, sindicatos da base, movimentos sociais da base, tinha uma participação em algumas decisões, em planejamentos no mandato. Mas o mandatário, o parlamentar era uma pessoa só, era um parlamentar individual que estabelecia esses compromissos de forma de participação popular em momentos do mandato”, explana.

A partir dessa ideia, eles bolaram em São Paulo o coletivo mais amplo na participação direta. “O que a gente inovou em relação a esses compartilhados que já existiam, antes da gente tiveram algumas candidaturas coletivas, mas nenhuma foi eleita, o nosso foi o primeiro eleito no Brasil, o que a gente inovou? Porque a gente fez um contrato escrito, até as candidaturas anteriores não tinham isso, a gente criou contratos escritos, porque o direito eleitoral não reconhece o mandato coletivo e nem o direito parlamentar, como regimentos internos de Assembleias e de Câmaras também não reconhecem”, concluiu.

Para preencher a lacuna de ausência do respaldo da lei, Yuji e o grupo decidiram pelo registro do acordo em cartório, para terem segurança jurídica. “Porque vamos supor, se eu fosse eleito e não seguisse nada do pessoal que estivesse votando no mandato coletivo, caberia ação civil, por indenização, caberia ação penal, por estelionato”, pontua. No contrato, segundo ele, ficou estabelecido a “coletivização de todas as decisões de plenário, ou seja, todos os votos proferidos na vereança”. “A decisão sempre foi do grupo, maioria que decide e todo o dinheiro”, acrescenta. O ex-vereador lembra que o mandato se tornou voluntário, uma vez que decidiram que as remunerações do mandato seriam para investimentos na comunidade. “Não tinha verba de gabinete, não tinha nem gabinete, então era só o salário e as diárias, que as vezes recebíamos, todo esse dinheiro, a decisão sobre aplicação desse dinheiro sempre foi do grupo, sempre o grupo que decidiu aplicar. A gente fez voluntário, sempre para ações comunitárias, ações sociais, nunca a gente pegou como uma remuneração, foi um trabalho voluntário”, recorda.

“Alguns pontos que são chaves para mandatos coletivos: número ímpar, contrato escrito, se não tem contrato escrito, a pessoa que ganha a eleição, toma o mandato.

João Yuji, ex-vereador por mandato coletivo em Alto Paraíso de Goiás

Yuji cita que a partir dessa experiência bem-sucedida, quatro anos depois “pipocaram” candidaturas coletivas, sendo o auge disso, nas eleições municipais de 2020. Em 2018, duas candidaturas foram eleitas, uma em São Paulo e outra em Pernambuco. “Em 2020, uns 30. De um monte de mandatos coletivos, que pipocou por aí”, disse. Durante esse período, o ex-parlamentar decidiu participar de uma frente no Congresso Nacional para regular a proposta de candidaturas de grupos, porém, reclama que o projeto se direcionou para a tentativa de sufocar qualquer iniciativa independente. “Então, foram aprovados nessa frente diversas proposições legislativas que estavam tramitando no Congresso, que eram totalmente contra o mandato coletivo, era tipo qualquer coisa pela causa, até destruir a própria causa, aquela coisa de deferência partidária. E aí tinha um projeto de lei, por exemplo, que previa assim: ‘se um membro do coletivo tivesse inelegível, iria derrubar o coletivo inteiro’”, protesta.

Conforme a tramitação na Casa, a regulamentação dos mandatos coletivos seria feita pelas direções nacional das legendas, isto é, de cima para baixo. “Seria uma interferência partidária e essa frente apoio isso. Apoio um projeto que era claramente para acabar com a utilidade do mandato coletivo para virar mesmo uma ferramenta de marketing. E aí, nesse momento, eu saí dessa frente que eu vi que estava totalmente aparelhada pelos partidos nacionais”, percebeu.

Diante das conclusões levantadas por João Yuji, lhe foi indagado se porventura pretende se candidatar novamente utilizando essa ferramenta, ele antecipou que irá formatar uma candidatura coletiva, mas na tentará na modalidade partidária, para 2024. “Fazer um mandato coletivo de uma chapa inteira. Então, eu acho que nesse sentido é interessante. Só que assim, mandato compartilhado, mandato coletivo e mandato coletivo partidário são em escalas de organizações uma mais complexa que a outra. Demanda uma organização muito maior, mandato compartilhado simplesmente uma pessoa sozinha, um candidato, vai lá e faz uma proposta de compartilhamento de certas decisões, isso é mais fácil de fazer; mandato coletivo, já é necessário todo um coletivo aliado, cada um representando diversos segmentos dentro de uma única candidatura, você precisa de uma articulação maior; e para uma chapa inteira, você precisa preencher um quociente eleitoral inteiro de votos, então é mais difícil você conseguir fazer isso. Inclusive todos os candidatos, meio que precisarão abrir mão da autonomia, caso sejam eleitos”, reflete. Conforme, ele as leis eleitorais pioram nos últimos anos, com o fim da coligação entre partidos, o que forçaria uma candidaturas coletivas partidárias.