O plenário do Senado aprovou nesta terça-feira, 28, o projeto de lei que flexibiliza a autorização ao uso de agrotóxicos, apelidado por ambientalistas de PL do Veneno. O texto (PL 1459/2022) cria um marco legal para pesquisa, experimentação, produção, embalagem e rotulagem, transporte, armazenamento, comercialização, uso, importação, exportação, destino final dos resíduos e das embalagens, registro, classificação, controle e fiscalização dos agrotóxicos. Em Goiás, os três senadores votaram a favor do texto: Jorge Kajuru (PSB), Wilder Morais (PL) e Vanderlan Cardoso (PSD).

O relator, senador Fabiano Contarato (PT-ES), manteve no Ministério da Agricultura, Ibama e Anvisa a atribuição de conceder o registro e fazer as análises de risco. Ele retirou da proposta, no entanto, a autorização tácita caso o processo não seja concluído nos prazos previstos e o registro temporário. Já os produtos fitossanitários, usados no controle de pragas e doenças, estão isentos de registro, desde que para uso próprio.

Já a senadora Tereza Cristina (PP-MS) avalia que o marco vai fazer com que os agricultores brasileiros tenham acesso a agrotóxicos de ponta, que beneficiam a produção e o consumidor. Tereza Cristina afirmou ainda que hoje a liberação de um novo agrotóxico pode levar até 20 anos. “Eu acho que hoje o Brasil resgata essa dívida que nós tínhamos com os agricultores brasileiros e também com os consumidores”, concluiu a senadora.

“São moléculas seguras, moléculas que vão trazer muito mais eficiência para a agricultura brasileira, mas também a produção de alimentos mais farta”, completou ela. Conhecida como “musa do veneno”, a senadora foi ministra da Agricultura do governo de Jair Bolsonaro e preside a Frente Parlamentar Agropecuária (FPA).

Assim como Bolsonaro, ela defende o fim do que chama de “indústria da multa” em relação aos órgãos do meio ambiente. O posicionamento é uma oposição à fiscalização feita por instituições como Ibama e Instituto Chico Mendes da Conservação da Biodiversidade (ICMBio), que atuam na proteção dos recursos naturais e costumam ser alvos da atuação política da bancada ruralista.

De autoria do senador Blairo Maggi e apresentado em 1999, o projeto segue para a sanção presidencial.

Agrotóxicos são comprovadamente maléficos à saúde. | Foto: Divulgação

O que a ciência diz sobre os agrotóxicos

Para a professora Simone Maria, titular do Departamento de Morfologia do Instituto de Ciências Biológicas da Universidade Federal de Goiás (UFG), o projeto deve ser minuciosamente avaliado. “Eles colocaram um procedimento, pelo menos é uma das cláusulas que tem lá, para que a gente siga um padrão internacional, que até então a gente não seguia. Tinha muitos agrotóxicos que estavam sendo utilizados aqui, é o caso do 2,4-D, em alguns grupamentos de outros organofosforados que já tinham sido retirados do mercado no mundo inteiro. No governo anterior tivemos uma liberação exarcebada de agrotóxicos, sobretudo de organofosforados”, explica.

O governo do ex-presidente Jair Bolsonaro liberou 2.182 agrotóxicos entre 2019 e 2022, o maior número de registros para uma gestão presidencial desde 2003, segundo dados da Coordenação-Geral de Agrotóxicos e Afins (CGAA) do Ministério da Agricultura.

A exposição a agrotóxicos pode estar associada a maior incidência de câncer entre trabalhadores rurais goianos, indicaram estudos realizados no Laboratório de Mutagênese (LabMut) do Instituto de Ciências Biológicas (ICB) da UFG. A pesquisa comparou o perfil de 59 trabalhadores que fizeram ou fazem tratamento contra o câncer no Hospital Araújo Jorge, em Goiânia, com o de 83 agricultores saudáveis.

Thays Milena Alves Pedroso, que desenvolveu o estudo no doutorado em Genética e Biologia Molecular da UFG, explicou que as pessoas em tratamento contra o câncer são provenientes justamente de cidades com intensa atividade agrícola. “Quando nós pensamos em vias de exposição, esse é um fator de risco para a saúde desses trabalhadores. Outro indicativo da relação entre a exposição aos agrotóxicos e o desenvolvimento de câncer está nos tipos de tumores identificados”, explica.

Cânceres raros na população em geral, como os linfomas Hodgkin e não Hodgkin (que atingem as células do sistema linfático) e o mieloma múltiplo (que se origina na medula óssea), são frequentes entre os trabalhadores. “O meu trabalho ele é mais voltado para a análise genética, e outras nuances como uso de equipamento de proteção individual, tipos de agrotóxicos e cultivos mais frequentemente citados pelos trabalhadores. Há outra vertente desse trabalho, desempenhado pela mestranda do laboratório onde ela faz a abordagem do dano conferido ao DNA, sintomas, histórico familiar de doenças e uso de EPIs também”, diz Thays.

Para ela, a aprovação dessa legislação configura um retrocesso. Isso porque pensando no perfil de liberação dessas substâncias, em associação com a quantidade de produtos utilizada, procedência e toxicidade, os agricultores podem ser descritos como um grupo vulnerável.

“Há relatos de aparecimento de sintomas pós aplicação, e fica evidente o quão grave são os casos de subnotificação de intoxicação no estado, pois a maioria não se dá conta de que está sendo intoxicado. Com a aprovação da PL, em contexto generalizado, abre a oportunidade para que os problemas que vem sendo perpetuados ao longos dos anos, continue em uma crescente e piore, quanto mais produtos são liberados para uso, maiores os riscos conferidos também para saúde ambiental e humana”.

Quem é Tereza Cristina

Destacando-se como uma pecuarista de referência no setor rural, a deputada mantém empreendimentos, incluindo parcerias com o grupo JBS, uma das principais corporações globais do ramo alimentício e envolvida na operação Lava Jato.

Proveniente de uma família com tradição política, Tereza Cristina é neta e bisneta de ex-governadores do Mato Grosso do Sul. Sua trajetória inclui experiências como secretária estadual de Desenvolvimento Agrário durante o governo de Andre Puccinelli (MDB) e participação em diversas organizações voltadas aos interesses dos ruralistas.

Ingressando como deputada federal em seu primeiro mandato em fevereiro de 2015 pelo PSB, contribuiu para fortalecer o partido em municípios do interior do Mato Grosso do Sul. O estado se destaca pelo protagonismo do agronegócio, posicionando o Centro-Oeste como a região com maior representação de parlamentares anti-indígenas no Brasil, contando com sete representantes no estado e 14 na região, conforme dados do Conselho Indigenista Missionário (Cimi).

Em sua jornada parlamentar, Tereza Cristina desvinculou-se do PSB em 2017, após conflitos com a direção nacional do partido, que orientou a bancada a votar contra a reforma trabalhista de Michel Temer (MDB). A ruralista optou por apoiar a medida, resultando em procedimentos internos contra ela.

Ela também votou a favor de Michel Temer (MDB) nas duas denúncias criminais que pesavam contra ele e tinham relação com delações feitas por empresários da JBS. Após o desligamento do PSB, a deputada passou a compor os quadros do DEM, dando início a um ciclo político com tendência mais conservadora. Atualmente, é líder do PP.