Golpe ou revolução? Historiadores explicam período ditatorial brasileiro
29 março 2023 às 17h00
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Final de março e surgem as disputas de narrativas para explicar o período ditatorial brasileiro. Até hoje existe uma questão relacionada ao termo que se usa para falar do período: golpe ou revolução? Para o professor de história da Universidade Federal Fluminense (UFF), Daniel Aarão Reis, o termo correto seria golpe. “Golpe é todo aquele movimento que pela violência depõe um presidente da República. Ora, isso é objetivo. No Brasil, João Goulart (Jango) foi deposto por um movimento violento, que não provocou derramamento de sangue notável porque o presidente e as demais lideranças de esquerda resolveram se render sem luta”, explica.
Outra dúvida que se coloca é quanto à data, se o correto seria o dia 31 de março ou 1º de abril. Daniel disse que essa é uma polêmica menor. Segundo ele, o início do golpe foi de fato no dia 31 de março. “Na madrugada do dia 31, o general Mourão Filho dá início ao movimento armado pela deposição do João Goulart, e as esquerdas, ironicamente derrotadas, passaram a caracterizar o golpe como tendo sido vitorioso no dia 1º de abril. Como a gente sabe, o 1º de abril é o dia da mentira”, argumenta.
Indo mais profundamente sobre a denominação do período, o professor também explicou porque o período da ditadura civil militar não pode ser considerado um período revolucionário. “Essas modificações pela raiz, essas transformações designam o processo como revolucionário não aconteceram no Brasil. Houve revolução na Rússia, em Cuba, houve revolução francesa, americana. Porque ali houve transformações das políticas econômicas e culturais. Isso não houve no Brasil, embora o Brasil tivesse passado por um processo intenso de modernização. Foi uma modernização conservadora e autoritária”, explica.
Sociedade dividida
As pesquisas de opinião feitas à época pelo Ibope nas grandes cidades mostravam uma sociedade dividida. Se antes do golpe 42% consideravam bom e ótimo o governo de João Goulart e 30% regular, após a ação dos militares, pesquisa do Ibope em maio de 1964 revelou que 54% dos entrevistados aprovaram a deposição de Jango.
O motivo da população ter mudado de apoio a Jango para apoio ao golpe pode ter sido o forte sentimento de anticomunismo associado a João Goulart e que foi incentivado pela grande mídia e por adversários políticos. Nas pesquisas do Ibope, o comunismo era visto como ameaça por mais de 65% dos entrevistados. Mas o professor de história da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Rodrigo Patto Sá Motta, reitera o equívoco que era associar João Goulart ao comunismo ou socialismo.
“Muitas pessoas acreditaram que o Brasil estava em vias de se tornar um país comunista, o que estava muito longe de ser verdade. O presidente João Goulart não era um socialista, nem muito menos um comunista. Ele era um político trabalhista a favor de algumas reformas sociais, de salários melhores para os trabalhadores. Mas não era socialista, até porque ele era uma pessoa muito rica, um dos maiores fazendeiros do Brasil. Mas ainda assim, então, houve toda essa agitação em torno da ideia de que o Brasil corria um risco sério de se tornar uma nova Cuba na América Latina”, diz Daniel Reis.
E para quem quiser entender mais as discussões em torno do período, o historiador Rodrigo Patto publicou, em 2021, um livro que estuda mais a fundo todas as questões, chamado de Passados Presentes, o golpe de 1964 e a ditadura militar.