Em julgamento de marco temporal, tese de indenização para fazendeiros ganha força
02 setembro 2023 às 10h44
COMPARTILHAR
O julgamento da tese do marco temporal no Supremo Tribunal Federal (STF) provoca intensos debates sobre a possibilidade de indenização aos fazendeiros que produzem em territórios indígenas. O argumento da indenização ganhou destaque durante o voto do ministro Cristiano Zanin, que se posicionou contra o marco temporal para a demarcação de terras indígenas.
O marco temporal estabelece que somente as áreas onde os povos indígenas estavam comprovadamente presentes em 1988, quando a Constituição Federal foi promulgada, seriam reconhecidas como territórios indígenas. Apesar de votar contra essa tese, o ministro Zanin reconheceu a necessidade de indenização para fazendeiros que adquiriram as terras “de boa fé”.
De acordo com esse entendimento, a indenização seria concedida pelas benfeitorias de produção aos proprietários que receberam títulos de terras do governo, que posteriormente foram consideradas áreas indígenas. Zanin destacou que, em situações complexas como essa, o Estado deve buscar soluções pacificadoras que preservem os interesses de todas as partes envolvidas e garantam a segurança jurídica para a continuidade das atividades, negócios e uso das terras em questão.
Essa posição de Zanin se alinha com o voto proferido pelo ministro Alexandre de Moraes, que também se posicionou contra a tese do marco temporal. Moraes defendeu a conciliação dos direitos dos indígenas com os direitos dos produtores rurais que adquiriram as terras de maneira regular e de boa-fé. Ele propôs que, se for reconhecida a ocupação tradicional sobre terras com uma cadeia de domínio legítima, os proprietários não devem ser prejudicados e a União deve ser responsabilizada por uma indenização que inclua o valor total dos imóveis, não apenas as benfeitorias.
A coordenadora-executiva da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), Val Eloy Terena, também abordou a questão da indenização, destacando que, desde que os ruralistas deixem as terras indígenas e o marco temporal não seja aprovado, os indígenas não se opõem à proposta de indenização. Ela ressaltou que o principal objetivo é a reivindicação dos territórios indígenas, mas compreende a alegação dos fazendeiros quanto ao investimento realizado nas terras.
A ministra do Planejamento e Orçamento, Simone Tebet, também mencionou a questão da indenização durante um evento em Campo Grande no primeiro semestre deste ano.
Votação no STF e a disputa sobre o marco temporal
A votação no STF sobre a aprovação da tese do marco temporal está em andamento, com quatro votos contrários ao marco e dois a favor até o momento. Isso significa que os indígenas precisam de apenas mais dois votos contrários para que a tese seja rejeitada.
Os ministros que já se posicionaram contra o marco temporal são Edson Fachin, relator do processo, Alexandre de Moraes, Cristiano Zanin e Luís Roberto Barroso. Por outro lado, Nunes Marques e André Mendonça se manifestaram a favor.
O processo que gerou essa discussão envolve a disputa pela posse da Terra Indígena (TI) Ibirama, em Santa Catarina, habitada pelos povos xokleng, kaingang e guarani. A Procuradoria do estado questiona a posse de parte da terra. O julgamento do STF visa decidir se a Constituição Federal de 1988 deve ser usada como parâmetro para definir a ocupação tradicional da terra pelos indígenas.
Situação das demarcações indígenas em Mato Grosso do Sul
Em Mato Grosso do Sul, existem 33 terras com posse legal confirmada pelos indígenas, sendo quatro homologadas e 29 regularizadas. Além disso, há outras 11 terras declaradas, quatro delimitadas e 17 em estudo.
No entanto, caso a tese do marco temporal seja aprovada, apenas oito dessas terras poderiam ser consideradas demarcações indígenas no estado. Isso se deve ao fato de que, entre 1915 e 1970, especialmente durante a ditadura militar, os povos indígenas foram forçados a se deslocar para reservas criadas pelo Serviço de Proteção ao Índio (SPI). Essas oito áreas foram designadas para abrigar os indígenas e hoje são as únicas que podem ser consideradas demarcações indígenas em Mato Grosso do Sul se a tese do marco temporal for aprovada.
Leia também: