Em 1998, Iris Rezende havia sido quase tudo na República brasileira: prefeito de Goiânia, governador de Goiás por duas vezes, ministro da Agricultura e da Justiça e senador e quase-candidato a presidente.

Pois, em 1998, decidiu impedir a candidatura à reeleição do governador Maguito Vilela e, como líder máximo do MDB, impôs a sua postulação ao governo. Ganharia com as mãos amarradas às costas, dizia-se nos quatro cantos do Estado.

Maguito Vilela liderava as pesquisas e era o governador mais bem avaliado do país. Mas Iris Rezende queria voltar ao centro do poder no Estado.

O PSDB, que não era forte em Goiás, tentou negociar com Iris Rezende. Entretanto, os aliados deste não permitiram, alegando que, para elegê-lo, não precisavam dos tucanos. Porém, chegaram a oferecer, salvo engano, a Secretaria da Agricultura no “próximo” governo da eminência emedebista.

Menosprezados, os tucanos uniram o centro e a direita, abandonaram a “candidatura” do deputado Roberto Balestra, que patinava, com menos de 5% das intenções de voto — Iris Rezende passava de 70% —, e decidiram lançar Marconi Perillo, o “menino da camisa azul”, que só tinha 35 anos de idade.

Com inteligência e perspicácia, o tucanato bolou a história da panelinha, ou seja, o poder, no grupamento do MDB, girava em torno de Iris Rezende, sua mulher, Iris Araújo (assumiu vaga no Senado, por um breve período, e foi deputada federal), e um de seus irmãos, Otoniel Machado (chegou a ser senador). Nem Maguito Vilela, que era do MDB e leal a Iris Rezende, podia participar da panelinha familiar.

A ideia de panelinha deu certo porque, entre os eleitores, havia um sentimento de mudança. O sentimento existia — só não estava formulado (o que o marketing fez com competência). A história da panelinha — sempre os mesmos no governo — deu norte à tese da prevalência de um mesmo grupo no poder por 16 anos.

A panelinha se tornou uma espécie de inconsciente coletivo. “Pegou”, dizia-se. Resultado: Iris Rezende foi derrotado e nunca mais voltou ao governo — perdeu mais duas eleições — e Marconi Perillo foi eleito quatro vezes, ou seja, ficou 16 anos no poder (20 anos, contando com os quatro anos de Alcides Rodrigues).

Por que o grupo de Marconi Perillo foi arrancado do poder em 2018 e voltou a perder em 2022? Porque, de acordo com o pensamento coletivo dos goianos, o tucano-chefe também se tornou líder de uma panelinha.

Conta-se que o tucano planeja disputar o governo do Estado em 2026, quanto terá 63 anos. Por que os eleitores goianos darão um quinto mandato ao ex-governador? Por que ele não inova e banca, para o governo, jovens como o jornalista Matheus Ribeiro, o produtor rural Rodrigo Zani ou a carismática vereadora e socióloga Aava Santiago? Por que não abre espaço ao novo, como lhe abriram em 1998, há 26 anos, Roberto Balestra e Nion Albernaz?

Panelinha de Vanderlan e Izaura Cardoso: caráter oligárquico

No caso específico do senador Vanderlan Cardoso, é preciso dizer, com todas as letras: é um político bem-sucedido. Porque, mesmo tendo sido derrotado para o governo de Goiás e para a Prefeitura de Goiânia duas vezes, foi prefeito de Senador Canedo e é senador desde 2018 — além de empresário de sucesso. O fato de ter disputado o governo e a prefeitura da capital indica que está sempre no jogo, ou seja, é um político que é levado em consideração.

No Senado, por mérito e acordo político, se tornou presidente da Comissão de Assuntos Econômicos, uma das mais importantes. Presidir a CAE significa que se é respeitado no Senado e em todo o Congresso.

Por que, se é um senador que tem mérito e representa tantos municípios, Vanderlan Cardoso decidiu ser candidato a prefeito de Goiânia? Talvez ambição de ter a chave do cofre ou, quem sabe, o desejo de provar que se é um gestor eficiente numa cidade grande, e não numa cidade de médio porte, como Senador Canedo.

O fato é que, do ponto de vista político, Vanderlan Cardoso provavelmente esteja cometendo dois erros. Primeiro, ao deixar o mandato (se vencer, é claro) — para o qual foi eleito com uma votação esplêndida, em todo o Estado — com mais de dois anos para cumprir. Segundo, ao abandonar líderes de tantos municípios que o apoiaram para representá-los em Brasília.

Vanderlan Cardoso poderia, se buscasse a renovação de quadros no PSD, bancar a candidatura do ex-deputado Francisco Júnior — o político do partido que mais conhece Goiânia — ou o deputado federal Ismael Alexandrino, um valor novo da legenda.

Porém, longe de buscar a renovação, Vanderlan Cardoso, mais uma vez, optou pelo próprio nome na disputa da Prefeitura de Goiânia — como Iris Rezende e Marconi Perillo, em tempos idos.

Há outra possível “pedra” no caminho de Vanderlan Cardoso, que sugere, mais uma vez, que a história da panelinha se repete — às vezes, como disse um filósofo alemão, como tragédia e, depois, farsa. Em Senador Canedo, no lugar de apoiar a reeleição do prefeito Fernando Pellozo (União Brasil) — que lhe concedeu sete secretarias, as mais importantes (uma irmã do senador reinou na prefeitura por mais de três anos) —, o senador decidiu deixá-lo de lado para apoiar…. quem, quem? Sua mulher: a empresária Izaura Cardoso.

Izaura Cardoso é uma empresária competente e séria. Mas não é isto que está em discussão. Por que, em vez de apoiar um aliado, Vanderlan Cardoso decidiu apoiar sua mulher para prefeita de Senador Canedo — uma das cidades que, por causa da contribuição fiscal da Petrobrás, mais arrecadam em Goiás? Por causa do cofre vultoso? Talvez não. O busílis da questão talvez seja outro, na verdade: o da panelinha.

Na eleição de 2022, candidato a senador, o empresário Wilder Morais pediu a Vanderlan Cardoso que indicasse um aliado para sua suplência. Quando o nome chegou, o líder do PL até assustou-se, porque o aliado era, na verdade, uma aliada — a “voluntária” Izaura Cardoso. Ou seja, mais do mesmo. O grupo de Vanderlan Cardoso parece se resumir a Izaura e Vanderlan Cardoso. Os demais aliados? Têm, apenas, a função de apoiá-los.

Parentes no governo do PT de Lula da Silva

O presidente Lula da Silva, ao negociar o apoio de Vanderlan Cardoso ao seu governo, ofereceu-lhe cargos decisivos em Goiás.

Para a Superintendência da Codevasf, o senador indicou Abelardo Vaz, que é visto como seu “Sancho” em Brasília.

Para dois outros cargos, o líder do PSD indicou gente da família. O cunhado Eduardo Dionízio da Costa ganhou o cargo de assessor principal de Abelardo Vaz na Codevasf. O sobrinho Wendel Montanaro Cardoso Mesquita foi colocado na gerência regional em Goiás da Agência Nacional de Mineração (ANM). Tudo que se refere a mineração no Estado, quando tem a ver com o governo federal, passa pelas mãos do parente.

Quando critica Vanderlan Cardoso, apresentando-o como uma espécie de “senador melancia” (verde por fora e vermelho por dentro), o pastor evangélico Silas Malafaia, da Assembleia de Deus, até exagera. Mas, ao menos num aspecto, tem razão: o senador deve mesmo ser associado ao PT do presidente Lula da Silva. Os dois são aliados e Vanderlan Cardoso defende seu governo.

Falta a Silas Malafaia notar a questão da panelinha: o PSD em Goiás se tornou um partido para agasalhar, em termos de poder, só duas pessoas: Vanderlan Cardoso e Izaura Cardoso — marido e mulher. É o renascer do poder oligárquico. Mas e Ismael Alexandrino? O cardosismo não lhe dá a mínima importância. (E.F.B.)