Para além das aparências, como diria o filósofo francês Jean-Paul Sartre, qual é o jogo do real na política de Anápolis, neste momento?

Há dois candidatos fortes — Antônio Gomide, do PT, e Márcio Corrêa, do PL. De acordo com as pesquisas de intenção de voto, o petista é o favorito. Mas o integrante do Partido Liberal está em ascensão.

Só Antônio Gomide e Márcio Corrêa têm expectativa de poder. Ninguém mais tem. Significa que os demais candidatos são ruins? Pelo contrário, Eerizânia Freitas, do União Brasil, Hélio Lopes, do PSDB, e José de Lima, do PMB, são nomes importantes da cidade. O problema é que não estão sendo avaliados pelos eleitores.

Antônio Gomide representa a esquerda, mas não a esquerda radical. Trata-se de um político moderado, da estirpe do presidente Lula da Silva e da deputada Adriana Accorsi. É um gestor competente e figura na lista dos melhores prefeitos da história da cidade. Ele foi prefeito duas vezes, sempre bem-avaliado.

Márcio Corrêa é um empresário jovem e bem-sucedido, que já disputou a prefeitura, em 2020, e é primeiro suplente de deputado federal. Representa o novo na política da cidade. Já foi filiado ao MDB e é ligado tanto ao vice-governador Daniel Vilela, do MDB, quanto ao senador Wilder Morais, do PL. Os dois o apoiam.

Antônio Gomide: o único que ganha com briga entre Roberto Naves e Márcio Corrêa | Foto: Divulgação

Quem apoia Márcio Corrêa aposta na centro-direita e quem apoia Antônio Gomide aposta na esquerda.

Um verdadeiro azougue, o prefeito Roberto Naves (Republicanos) é um político é articulado, portanto nada faz sem planejamento. No momento, ele definiu uma estratégia: impedir que Márcio Corrêa, o candidato do vice-governador Daniel Vilela e do senador Wilder Morais, seja eleito prefeito.

Por causa do jeitão intempestivo (adora política, participar), dado o fato de ser uma força da natureza, Roberto Naves parece puramente emocional. Engana-se quem pensa assim. Ele integra, na verdade, a escola dos políticos racionalistas e dos que avaliam que não se deve ter limites no confronto.

De fato, Roberto Naves e Márcio Corrêa não são meros adversários políticos. São inimigos pessoais. Portanto, o prefeito se impôs uma missão: destruí-lo, em termos eleitorais. Ou seja, impedir que se torne forte e, portanto, uma ameaça à sua liderança local.

Na verdade, Roberto Naves, na sua lógica cartesiana, prefere que Antônio Gomide seja eleito. Só por ter raiva de Márcio Corrêa? Não.

Roberto Naves é um executivo nato — tanto que, apesar do desgaste da imagem, é um prefeito eficiente — e, como tal, não se interessa tanto pelo Legislativo, como um mandato de deputado estadual (sua mulher, Vivian Naves, é excelente deputada estadual) ou federal. O que o líder do Republicanos quer é voltar ao poder em 2028.

Por isso, se Márcio Corrêa for eleito em 2024, Roberto Naves o terá como adversário em 2028, daqui a quatro anos. Ressalva: se Antônio Gomide for eleito, ele terá de enfrentá-lo também. É fato.

Entretanto, Antônio Gomide não atua na mesma faixa política de Roberto Naves — o centro e a direita. Já Márcio Corrêa e o prefeito têm perfis político-ideológicos parecidos. Se estiver com a máquina pública nas mãos, e se tiver feito uma boa gestão, o postulante do PL será um candidato à reeleição forte (como o próprio Roberto Naves, que foi eleito e reeleito). Porém, se tiver perdido em 2024, Márcio Corrêa não será um candidato tão forte em 2028.

Mas fica a dúvida: é correto um político de centro-direita, como Roberto Naves, operar, de maneira virulenta — inclusive com o apoio de blogs quase ghosts — , para tentar derrotar um candidato de centro-direita, como Márcio Corrêa?

Gomide fortalece Lula para 2026 contra Caiado

Bem, dependendo de como se percebe a política, o prefeito estaria certo. Porém, para quem pensa na grande política, em grupos, talvez esteja equivocado. Porque, se contribuir para a vitória de Antônio Gomide, ainda que indiretamente, Roberto Naves estará, de alguma maneira, contra o projeto da direita em 2024 e em 2026.

Daniel Vilela e Ronaldo Caiado: está passando da hora de interferir na política de Anápolis | Foto: Divulgação

Uma vitória de Antônio Gomide fortalece a esquerda em Anápolis (segundo maior PIB regional, acima de Aparecida de Goiânia e de Rio Verde), em Goiás e no Brasil. Em 2026, tendo um prefeito na cidade com o terceiro maior eleitorado do Estado, além de ser a segunda mais rica, o PT terá condições tanto de bancar um candidato a governador quanto de apoiar um aliado para o Executivo. Acrescentando-se que o petista, com o controle de uma máquina poderosa, estará no palanque de Lula da Silva, na reeleição presidencial.

Para quem pensa que Goiás não tem importância, por ter um eleitorado “pequeno” — 5 milhões de eleitores —, basta verificar o resultado das eleições para presidente da República em 2022. Lula da Silva, do PT, venceu Jair Bolsonaro, do PL, por meros 2.139.645 milhões de votos. Ou seja, 2 milhões de votos. Então, um Estado como Goiás pode decidir uma eleição presidencial. Anápolis, com seus quase 300 mil eleitores, tem a sua força. E está colada em Brasília, onde impera Lula da Silva.

O governador de Goiás, Ronaldo Caiado, deve ser candidato a presidente da República. Para tanto, precisa sair forte de seu Estado, com vitórias expressivas nas maiores e médias cidades. Por isso seu empenho em cidades como Goiânia, Aparecida de Goiânia, Anápolis (onde não tem uma candidata forte), Rio Verde, Luziânia, Águas Lindas, Senador Canedo, Trindade, Jataí, Mineiros, entre outras.

Ronaldo Caiado é um dos políticos mais articulados do Brasil e, por isso, já percebeu que há espaço para um candidato a presidente que seja de direita, mas moderado e pragmático. O líder do União Brasil é agregador e aprecia o diálogo.

Por apreciar o diálogo, talvez tenha chegado a hora de Ronaldo Caiado, com sua liderança expressiva e incontestável, interferir na política de Anápolis, sua cidade natal. Claro que gostaria de ver Eerizânia Freitas em primeiro lugar. Mas como, de acordo com as pesquisas de intenção de voto, a postulante não tem chance alguma e Márcio Corrêa tem perfil político-ideológico semelhante ao do governador e tem chance de vencer a esquerda de Lula da Silva e de Antônio Gomide, ambos do PT, não teria chegado a hora, em nome do realismo e da razão, de apoiar o candidato do PL (partido que talvez possa apoiar o líder do UB para presidente)? O que Ronaldo Caiado fez por Sandro Mabel em Goiânia pode ser feito por Márcio Corrêa em Anápolis.

Por que Ronaldo Caiado — insistamos, um realista, que não opera com “raiva”, e sim sempre com razão instruída — vai aceitar Roberto Naves operar por Gomide com o objetivo de derrotar o candidato da direita em Anápolis? Não tem lógica política. O próprio Roberto Naves, que é um grande político, está se apequenando.

O que fazer? Talvez tenha chegado a hora de entender que, quando o circo pega fogo, prejudica quase todo mundo. Então, como principais líderes da base governista, Ronaldo Caiado e Daniel Vilela precisam interferir, convocar Roberto Naves e Márcio Corrêa para uma conversa racional — os ânimos estão exaltados dos dois lados — e jogar o jogo do real. É preciso cobrar humildade e resiliência do prefeito e do candidato. Não se trata de puxar orelhas, mas de orientação política racional. Fechar os olhos, por alguns minutos, e pensar no futuro. Um futuro bom e um futuro ruim depende de decisões racionais ou irracionais.

Afinal, não está em jogo o destino político de Roberto Naves — e nem o de Márcio Corrêa —, e sim o da base governista. Há muita gente torcendo para que ela se divida. Menos um político frio e racional como Ronaldo Caiado. Este, sem dúvida, um dos poucos estadistas da política nacional nos dias atuais (porque tem a inteligência fria e ponderada de Tancredo Neves e a coragem e a verve de Carlos Lacerda). Ele sabe que picuinhas podem destruir grandes projetos e sonhos. Elas começam pequenas e podem se tornar “monstros” incontroláveis.

Neste momento, saibam Roberto Naves e Márcio Corrêa, Antônio Gomide está sorrindo — e com muita razão — de ambos. (E.F.B.)