Nilson Gomes

Especial para o Jornal Opção

Goiás tem se destacado pelas primeiras-damas, uma função extraoficial, não remunerada, démodé, porém querida pelas famílias carentes de recursos. Olhando a lista, o Estado tem obtido mais sorte com elas, as esposas dos governantes, do que com eles, os chefes do Executivo. O melhor exemplo foi Marilda Fontoura de Siqueira, que morreu na terça-feira da Semana Santa, 4 de abril. Era tão empreendedora, inteligente, linda, desenvolta, moderna, trabalhadora e empática que tornou obsoleto o cargo: mesmo que não fosse a mulher do governador, deveria ser a encarregada de cuidar de goianas e goianos que precisassem do poder público.

Primeira-dama não era cargo, mas a Arquidiocese de Goiânia passou um para a esposa do governador: chefiar a Organização das Voluntárias de Goiás. Começou por Marilda, que tomou conta da OVG de 1966 a 1971, e assim continua. O sucesso é tamanho que cinco delas se submeteram às urnas e viram-se aprovadas: Lúcia Vânia (1975/79) chegou a deputada federal, senadora e ministra;

Maria Valadão (1979/1983), deputada federal e vice-prefeita eleita de Goiânia;

Íris de Araújo (1983/86 e 1991/94), deputada federal e senadora;

Lídia Quinan (1986/1987), deputada federal;

Raquel Rodrigues (2006/11), prefeita de Santa Helena, após ser deputada estadual.

Gracinha Caiado, a atual, é comentada nas mídias e nas ruas como pré-candidata a senadora, caso o marido, Ronaldo Caiado, saia de novo a presidente da República. Gracinha já começaria a corrida bem à frente, graças a seus méritos, claro, mas também à trilha aberta desde Marilda Fontoura e a uma tia, Maria de Lurdes Rodrigues Caiado. Iris Araújo foi além, saiu a presidente na chapa de Orestes Quércia no mesmo 1994 em que Lúcia quebrava tabus e ia ao segundo turno para governadora.

Marilda Fontoura e Otávio Lage: ambos ajudaram no desenvolvimento de Goiás | Foto: Divulgação

O nome disso hoje é empoderamento da mulher. No final dos anos 1960, o nome era Marilda Fontoura. Vinha de família rica, dona do laboratório fabricante do afamado biotônico. Gerações de grandes fazendeiros no Triângulo Mineiro – ela nasceu em Conquista, morava em Uberaba, portanto, era goianíssima, já que o território sempre foi de Goiás. Lembrava, pela elegância e a tradição, Gercina Borges Teixeira, mãe (de Mauro) e esposa (de Pedro Ludovico) de governantes.

Bênção para Goiás contar com bons quadros políticos no poder e na oposição. Quer dizer, há tempos isso não ocorre. O Estado saiu do ludoviquismo para o caiadismo mantendo a qualidade – Mauro Borges e Leonino Caiado permanecem no Top 5 em dois séculos e meio de gestores. Na mesma linha de pensamento, que à época se chamava de ideologia, os Caiados e os Lages mantiveram o nível daquilo que agora seria batizado de direita com cérebro. Felizmente para o Estado, ambos os sobrenomes chegaram ao século XXI num patamar que orgulha os antepassados.

No início deste milênio, parei em frente a um restaurante em Goianésia. Absorto. Olhando o nada. Não mexia no celular porque ainda não existiam aplicativos como o WhatsApp. Vruuuuuuuuum, zapt! Uma caminhonete passou veloz. Vidros abaixados. Era uma mulher. Perguntei quem. Dona Marilda. Ela mesma dirige? Sim. Sozinha? Sim. Estava chegando aos 80 e em plena atividade. Trabalhando normalmente. Quando estava em Goiânia, não conseguia ficar quieta, ia para a loja de Maria Luiza, mulher de Jalles, seu primogênito.

Marilda dava muito certo com Otávio. Os adjetivos usados aqui para caracterizá-la serviriam para defini-lo e um deve ser atribuído em comum: corajosos. Eita casal bravo! Ou brabo, como se diz no chão em que abriram picada a foice no pioneirismo de 1949. O pensamento ganha forma de carruagem e imagina-se o rapaz de 24 e a moça de 22 anos chegando naquele mundão de meu Deus que era o interior de Goiás da primeira metade do século passado. Embrenhou-se na cidade e no campo pela industrialização. Pegou o vale como a Bolívia e a deixa como a Califórnia antes da esquerda. Nas cenas finais, os dois estão num treminhão de cana rumo ao pôr do sol na lagoa Princesa do Vale.

Bravo, Dona Marilda, Rainha do Vale, uma brava sem bravata.

Viu Goiânia crescer, viu Brasília surgir, colaborou enormemente para que Goianésia não somente existisse, mas fosse o lugar paradisíaco em que residiu até o fim. Aliás, não se trata de um fim, mas de uma passagem. Não apenas no governo, na OVG, dedicou-se a causas sociais, principalmente à maior delas, gerar empregos. Participava de entidades filantrópicas, como o Lions e a Apae. Entregava com a direita e a esquerda não via. Sempre assim. O marido morreu há década e meia. Em ação laboral. Viveram por 60 anos um romance que dá filme tão romântico quanto inspirador. A vida de Dona Marilda pode ancorar palestras, workshops, treinamentos, qualquer coisa que prepare para o trabalho, a palavra que melhor a define – outro adjetivo que compartilha com Otávio.

O Senar terá acervo para milhares de cursos se mirar na trajetória de Dona Marilda desde que chegou com Otávio ao Vale do São Patrício.

O Sebrae, idem.

As faculdades de administração e agronegócio, ibidem.

Uma primeira-dama que foi uma dama de primeira categoria.

Durou 95 anos. Durou pouco pelo muito que foi.

Nilson Gomes é advogado e jornalista.