DEM pode bancar Mandetta para presidente em 2022
19 abril 2020 às 00h00
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Jair Bolsonaro apresenta a cara de uma direita selvagem, que ataca e não dialoga. O ex-ministro pode ser a direita iluminista e com a cara de centro político
Quem quiser se candidatar em 2022, se estiver ocupando cargo público, terá de desincompatibilizar em 4 de abril deste ano. Portanto, daqui a um ano e onze meses. A campanha começa basicamente neste período. Mas a eleição mesma será disputa daqui a dois e cinco meses, o que os políticos costumam dizer: “Trata-se de um pulinho”.
As circunstâncias pré-pandemia do novo coronavírus sugeriam que a disputa para presidente se daria entre um candidato da direita, o presidente Jair Bolsonaro, um candidato da esquerda, talvez Rui Costa (PT), Flávio Dino (ainda no PC do B) ou Fernando Haddad (comenta-se que vai disputar o governo de São Paulo), e um candidato de centro, João Doria ou Luciano Huck.
Esquerdas têm Ciro Gomes, Rui Costa, Marina Silva e Flávio Dino
As esquerdas se dividiram. O PDT de Ciro Gomes e o PSB de Carlos Siqueira se uniram para, juntos, tentar ser uma espécie de PT 2. Mas não têm a mesma dimensão nacional. No campo da esquerda, apesar de todo o desgaste, o PT ainda é o partido mais forte e com possibilidades eleitorais. Em 2022, o PT deve lançar um candidato — Rui Costa, governador da Bahia, ou Flávio Dino, governador do Maranhão — e a aliança PDT e PSB deve lançar Ciro Gomes (conhecido pelos aliados “Como Minha Boca É Minha Inimiga”).
O “problema” de Flávio Dino é o fato de ser comunista. Numa eleição altamente polarizada, com ataques redobrados em redes sociais, dificilmente o Brasil elegerá um presidente comunista.
Rui Costa é uma liderança nova e expressiva, mas não tem a simpatia do “deus” do petismo — o ex-presidente Lula da Silva.
Centro tem o governador João Doria e o apresentador Luciano Huck
O centro tem dois nomes bem cotados — João Doria, do PSDB, e Luciano Huck, talvez pelo Cidadania. O fato é que, se os dois disputarem, um anula o outro. João Doria representa a pujança econômica de São Paulo, mas há quem o considere “paulista” e “elite” demais — muito arrumadinho para um Brasil não tão bem “arrumado”. Luciano Huck é uma incógnita e, embora sem a mesma agressividade, parece ter o perfil de Fernando Collor.
O fato é que, até agora, o centro tem dois nomes, mas não galvaniza o Brasil. Luciano Huck é mais conhecido no país, dado o fato de ter programa na TV Globo há vários anos. Aparece bem nas pesquisas, mas talvez os eleitores não estejam avaliando o político e o possível candidato, e sim o apresentador de televisão. João Doria está se saindo bem na questão do combate à pandemia do coronavírus.
O presidente Jair Messias Bolsonaro não pode ser subestimado
Não se deve subestimar o presidente Jair Bolsonaro, que, tal como Lula da Silva, criou laços fortes com o povão e com parte significativa da classe média. Na atual circunstância, tem desgaste, até forte, por defender o isolamento vertical e apresentar-se como um líder errático. Mesmo assim, tem um eleitorado praticamente cativo e firme ao seu lado.
No momento, é possível que os eleitores não estejam avaliando o político Bolsonaro — aquele em quem se vota ou não se vota —, e sim tão-somente o “mau” condutor do combate ao coronavírus. Fica-se com a impressão de que há um eleitorado forte nas classes médias, que, envergonhado neste instante, perdeu a coragem de revelar que aposta no presidente. Depois, não se sabe exatamente como estará o país em 2022.
Se a crise econômica for mesmo intensa — uma recessão sem freios —, a tendência é que os eleitores optem por um político moderado, preocupado, por exemplo, com o tema da saúde. Daqui a dois anos e pouco, dependendo do rescaldo da pandemia do coronavírus, saúde deve ser um dos carros-chefes do debate político-eleitoral (segurança tende a perder força). Mas a temática econômica — não apenas a geração de empregos, mas sobretudo a conquista dos empregos perdidos — também deve ser dominante.
Uma chapa com Bolsonaro para presidente e Sergio Moro na vice certamente seria muito forte. O capital político do ministro da Justiça parece intocado.
A novidade do pleito pode ser Luiz Henrique Mandetta
A novidade do pleito de 2022 pode ser a entrada em cena de um nome do partido Democratas — Luiz Henrique Mandetta. Bolsonaro integra uma direita que, ao mostrar a sua cara contenciosa, está assustando parte do país. Fica-se com a impressão de que, mal orientado por “gurus” — ou um “guru” —, Bolsonaro parece acreditar que sua agenda ideológica pode se sobrepor à agenda do país. Não tem como. Não se gera um emprego “gritando” que Lula da Silva “é comunista” (na verdade, é de esquerda, mas não é comunista; aproxima-se muito mais da socialdemocracia europeia) ou que o corona é um “vírus chinês”. O que os brasileiros querem, além de sobreviver, é emprego, comida no prato e divertir-se. Debates ideológicos são para guetos — intelectuais ou não.
Mas, com Mandetta, a direta patropi ganha outra cara — equilibrada, ponderada e preocupada com as pessoas. Uma direita iluminista. O sociólogo José Guilherme Merquior falava em “liberalismo social”. Num país no qual houve escravidão, com milhares de pobres, presidente que não tiver uma agenda social forte dificilmente será reeleito (por isso, aqui e ali, Bolsonaro diverge de seu chicago-old, o ministro da Economia, Paulo Guedes. Curiosamente, em termos sociais, o presidente tem uma visão mais ampla do que o economista). Há demandas secularmente reprimidas e que precisam ser resgatadas. E, resgatá-las, pouco tem a ver com ser de esquerda (ou ser de direita). Trata-se, isto sim, de uma atualização do capitalismo tardio brasileiro.
A direita sempre foi forte no debate político brasileiro, mas nunca foi muito forte eleitoralmente. A UDN, um partido liberal, só ganhou uma eleição para presidente, e com um candidato que não era exatamente udenista — Jânio da Silva Quadros, um populista e arrivista. Em 1989, numa batalha contra a esquerda, Fernando Collor ganhou a eleição para presidente. Era de direita, mas não de uma direita ideológica e articulada. Cometeu o erro de tentar governar com elementos perigosos que o haviam ajudado a se eleger (há o truísmo de que não se governa com cabos eleitorais, e sim com equipes competentes). Acabou caindo. Mandetta representa outra direita — a não-bárbara — e se aproxima fortemente do centro. Porque é palatável para todos. Note-se que, no momento, até a esquerda está elogiando seu desempenho no Ministério da Saúde. Um pouco por cálculo político, para vergastar Bolsonaro e desidratá-lo, mas também por reconhecer que humanizou o combate à pandemia. Demonstrou que é gente como a gente.
O DEM pode bancar Mandetta para presidente? Pode, é claro. Mas certamente vai esperar o desenvolvimento do quadro sanitário e, depois, político do país. Se Bolsonaro for muito mal daqui pra frente no combate à pandemia, Mandetta ficará no imaginário do ministro “que estava equacionando o problema” que o presidente não conseguiu resolver. Mas é cedo para apresentar conclusões peremptórias. Mas, de fato, Mandetta está no imaginário popular como um político que se preocupa com as pessoas — com o povão. A direita ganha, com ele, uma cara civilizada — a cara que está ou estava perdendo devido ao bolsonarismo. (Euler de França Belém)