“Bolsonaro falou de Moro e da família mas não dos que estão doentes e dos que morreram”
24 abril 2020 às 20h33
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O ex-deputado Vilmar Rocha afirma que, em plena crise da pandemia do coronavírus, o presidente prefere bater boca com ex-ministro
O presidente do PSD em Goiás, Vilmar Rocha, passou boa parte de sua vida na Câmara dos Deputados. Aliados brincam que, quando passa, até os corredores do Congresso lhe dão bom dia ou boa tarde. Brincadeira à parte, poucos políticos conhecem tão bem a liturgia do poder em Brasília — a cidade construída pelo presidente Juscelino Kubitschek há 60 anos. Tomando por base seu conhecimento da política nacional, e seus sinais, os evidentes e os não aparentes, o Jornal Opção pediu ao ex-deputado federal que examinasse a fala do presidente Jair Bolsonaro na tarde de sexta-feira, 24. Seus comentários, ainda que devam ser conectados, foram divididos em partes, a seguir.
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“Quase 4 mil brasileiros morreram devido à pandemia do novo coronavírus e 52.995 foram ou estão infectados, com 26.573 recuperados. Esperava-se que, ao surgir em rede nacional, o presidente da República, Jair Bolsonaro, oferecesse algum conforto às pessoas que estão adoentadas e aos familiares dos que morreram. Mas nenhuma palavra foi dita. O presidente optou pela ‘briga’ — estilo galo dono do terreiro — com o ex-ministro Sergio Moro. Seu discurso é uma prova de insensibilidade e sua equipe parece não ter percebido. Falar durante 40 minutos e esquecer que tem gente adoecendo e gente morrendo mostra falta de sintonia com o Brasil real.”
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“O presidente Bolsonaro não fala para os brasileiros. Ele fala para os ‘seus’, os convertidos ao bolsonarismo, àqueles que o tratam como ‘mito’. O que é um grave erro. Bolsonaro é presidente de todos.”
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“Bolsonaro levou ‘seus’ ministros para a apresentação de sua resposta ao ex-ministro Sergio Moro. A mensagem é: ‘Todos estão comigo — Moro está isolado’. Mais um equívoco do presidente, que está começando a montar um ministério de áulicos, especializados não em criatividade, mas em obediências. A rigor, não vi ministro de Estado no ‘comício’. O que o Brasil viu foram assessores, e não homens de Estado. Ora, se não tiver o mínimo de autonomia, não se pode dizer que se é ministro.”
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“Não sei se todos observaram. Mas Paulo Guedes compareceu sem paletó e gravata. Ao mesmo tempo, era o único que usava máscara. Parece que deu o seu recado: ‘Estou destoando do governo’. De fato, o governo de Bolsonaro apresentou um plano, dito de ‘desenvolvimentismo’, mas sem recursos financeiros plenamente definidos, e, para piorar, o ministro da Economia, exatamente Paulo Guedes, não foi consultado. O projeto liberal do economista realmente está desconectado na circunstância. Mas não dá para ter dois ministros da Economia — o formal, Paulo Guedes, e o informal, o general Braga Netto. Ao que parece, o governo de Bolsonaro vai seguir os caminhos parecidos com os governos de Médici e Geisel.”
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“No início, por avaliar que era necessária uma quarentena, tinha uma certa restrição a Sergio Moro. Mas, por anos de experiência na política nacional, concluo que Moro saiu maior da crise. Bolsonaro certamente acha que não, mas, ao bater boca publicamente, ao tentar se explicar de maneira confusa, misturando assuntos que não têm correlação e não são de interesse público, apequenou-se. Bolsonaro está cada dia menor.”
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“Qual o desfecho da crise? Não dá para saber. O que se percebe é que o governo de Bolsonaro é uma indústria que produz crises em série. Ele pode renunciar? Talvez. O impeachment vai entrar na ordem do dia, brevemente. Porque o próprio presidente cria problemas que sugerem investigação. No bate-boca com Sergio Moro, o único que realmente tem a perder é Bolsonaro. Quando se trata de política, atirar nos próprios pés resulta da falta de experiência com o poder, de certo amadorismo.”
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“Bolsonaro também não falou uma palavra sobre a crise econômica. Ele parece acreditar que Luiz Henrique Mandetta e Sergio Moro são possíveis adversários na disputa de 2022, por isso tratou de pressioná-los para que saíssem do governo. Mas o principal adversários do presidente, no momento e no futuro, será a economia. O país está quebrando, consequentemente os brasileiros estão quebrando. Os eleitores vão ficar de olho no presidente e, como se sabe, ninguém come ideologias — sejam de esquerda ou de direita.”