Por Edgar Welzel

Reino Unido reivindica que a União Europeia seja mais transparente, menos burocrática e mais competitiva

O mais lembrado político alemão após a 2ª Guerra Mundial faleceu em 10 de novembro passado, aos 96 anos
[caption id="attachment_54805" align="alignright" width="620"] Helmut Schmidt[/caption]
Helmut Schmidt, quinto chanceler da República Federal da Alemanha, o mais lembrado político alemão após a 2ª Guerra Mundial, faleceu em 10 de novembro passado, em Hamburgo, sua cidade natal, aos 96 anos de idade. Foi chefe de governo da coalizão social-liberal de 1974 até 1982 tendo sucedido a Willy Brandt (1913-1992) que abdicara ao se tornar público que seu secretário particular, Günter Guillaume, era agente secreto da República Democrática Alemã (a Alemanha comunista).
Helmut Schmidt tomou parte ativa na 2ª Guerra Mundial. Há 74 anos, em junho de 1941, como jovem oficial do exército alemão, a “Wehrmacht”, Schmidt participou da Operação Barabarossa, a invasão da União Soviética, onde viveu temporariamente o drama das trincheiras do cerco de Leningrado (hoje São Petersburgo) de setembro de 1941 até janeiro de 1944.
Ferido durante o cerco, repatriado à Alemanha foi incorporado ao Ministério da Aeronáutica e designado para participar, como observador, do simulacro processo do Tribunal Popular dos homens do atentado contra Hitler em 20 de julho de 1944. Inconformado com a postura arrogante do juiz, Helmut Schmidt pediu a seu general superior que o dispensasse do encargo.
Em dezembro de 1944 foi escalado para a Frente Ocidental onde não poupou críticas pessoais contra Hermann Göring, chefe da Força Aérea Alemã, e contra o regime nazista em geral. Acusado, deveria responder a processo. Livrou-se com o apoio de dois generais que cuidaram de transferí-lo seguidamente de um lugar e de um posto a outro. Capturado, no norte da Alemanha, pelo exército britânico em abril de 1945, foi transferido a um campo de prisioneiros de guerra na Bélgica e liberado em agosto do mesmo ano.
Terminada a guerra, Helmut Schmidt, com 27 anos de idade, regressou a sua cidade natal, Hamburgo, que encontrara em escombros, com a insígnia de tenente-coronel da reserva. Filiou-se ao Partido Social Democrático, influenciado por Hans Bohnenkamp (1893-1977), pedagogo e professor universitário, que conhecera enquanto prisioneiro britânico na Bélgica.
Inscreveu-se na Universidade de Hamburgo em Ciências Políticas e Econômicas, onde obteve diploma em 1949. Nasceu aí o seu interesse pelas teorias de John Maynard Keynes (1883-1946), de Max Weber (1864-1920), de Karl Popper (1902-1994) e de Immanuel Kant (1724-1804). Em conversas com amigos costumava mencioná-los com largas citações e, durante sua longa vida, nunca deixou de aprofundar-se em suas teorias.
Findos os estudos trabalhou, até 1953, na Secretaria de Economia e Trânsito de Hamburgo, uma cidade- estado, como responsável pela Diretoria de Trânsito. Foi aí quenasceu seu interesse pela política. Foi nesta época que Schmidt descobriu seu talento redacional. Muito cedo começou a escrever artigos que costumavam ser publicados em vários jornais alemães.
Em 2008 explicou os motivos para seu engajamento político: “Ambição é um termo que eu não usaria para minha pessoa. Obviamente eu almejava por reconhecimento público, mas a força estimuladora tinha outros motivos e era típica de minha geração: voltamos da guerra onde passamos por muita miséria e todos estávamos decididos a dar a nossa contribuição para que aqueles pavorosos acontecimentos nunca mais se repetissem na Alemanha. Foi esta, e só esta, a força estimuladora”.
Entre 1953 a 1962 e de 1965 a 1987 Helmut Schmidt foi membro o Parlamento Alemão, onde ocupou alta funções dentro do Partido Social Democrático, o SPD, na sigla em alemão. Simultaneamente, de fevereiro de 1958 até novembro de 1961 foi membro do Parlamento Europeu.
Até nesta altura Schmidt era um político com excelente atuação parlamentar, mas de projeção nacional menos reconhecida. Curioso é que sua projeção nacional começou com uma catástrofe: de dezembro de 1961 a 14 dezembro de 1965 Schmidt era senador de Segurança Pública em Hamburgo (como cidade-Estado os secretários municipais têm o título de senador).
Na noite de inverno de 16 a 17 de fevereiro de 1962, o norte da Alemanha foi atingido por uma inundação. A cidade de Hamburgo, situada na confluência de vários rios, com o rompimento de vários diques, confrontou-se com uma catástrofe diluviana. Helmut Schmidt, responsável pela ordem pública, não hesitou. Demonstrou aí sua capacidade organizadora que lhe trouxe prestígio, respeito e popularidade em toda a nação. Coordenou os diversos órgãos entre polícia, serviços de salvamento, proteção à catástrofe e serviço técnico de resgate, Cruz Vermelha e demais instituições.
Valeu-se de seus bons contatos com o Exército e a OTAN para pedir o auxílio de soldados, helicópteros, pequenos barcos que pudessem entrar pelas ruas inundadas; pediu apoio da Holanda, Bélgica e Luxemburgo sem que tivesse legitimação para isso. Com tal medida inusitada Schmidt salvou milhares de vidas e tornou-se personagem de respeito nacional. Mais tarde disse: “Naqueles dias não liguei no que prescrevia a Constituição. Aprendi na guerra a tomar decisões rápidas para salvar a própria vida e a de companheiros de luta”.
Em 1969 o Partido Social Democrático venceu as eleições. Willi Brandt tornou-se chanceler e Helmut Schmidt assumiu o Ministério de Defesa. Neste período reduziu o serviço militar de 18 para 15 meses e criou duas universidades militares, uma em Hamburgo, outra em Munique. Em julho de 1972 assumiu os superministérios das finanças e da economia.
Com a demissão de Willy Brandt, Helmut Schmidt foi eleito chanceler em 16 de maio de 1974. Na época, não só a Alemanha, mas o mundo se confrontava com a recessão econômica em consequências da primeira crise de petróleo dos anos 70, que a Alemanha, já sob o comando do chanceler Schmidt, suportou melhor do que muitas outras nações.
Paralelamente a Alemanha se confrontava com uma onda de terrorismo interno. As manifestações estudantis de 1968 ainda continuavam vivas e os grupos Baader-Meinhof e a RAF, Fração do Exército Vermelho, aterrorizavam a Alemanha. Atentados, sequestros, extorsões, ataques a bancos, embaixadas e outras instituições, assassinato de políticos, magistrados, representantes da indústria, e o ataque à delegação de desportistas israelenses por terroristas palestinos durante os Jogos Olímpicos de 1972, em Munique, alarmaram a nação e inquietaram autoridades.
Muitos destes episódios estavam envolvidos com extorsões várias: pagamento de resgate, libertação de camaradas presos, publicação de manifestos. Helmut Schmidt foi intransingente mas fiel a seu próprio credo: O Estado não deve deixar-se extorquir”.
Helmut Schmidt dominava à perfeição a arte da retórica. São inesquecíveis seus discursos e debates como parlamentar e como chanceler no Parlamento Alemão. Era brilhante em revidar aos apartes em seus discursos. Dependendo da situação podiam ser tanto ferinos como sibilinos, sempre com o vocabulário adequado mas certeiros para desarvorar ou desnortear o adversário. Essa sua habilidade deu-lhe o apelido de “Schmidt Schnauze” o que em tradução coloquial poderia corresponder a “Schmidt Focinho”.
Schmidt foi, sem dúvida, o político alemão intelectualmente mais abrangente entre os demais políticos do pós-guerra que cultivava amizades. Entre os amigos mais chegados encontram-se homens tão diversos como Henry Kissinger, ex-secretário de Estado dos Estados Unidos, cuja amizade durou mais de 60 anos; Valéry Giscard d’Estaing, ex-presidente da França; Lee Kuan Yew (1923-2015), ex-primeiro-ministro de Singapur; George Shultz, ex-ministro das Relações Exteriores dos Estados Unidos; Muhammad Anwar Al Sadat (1918-1981), ex-presidente do Egito; bem como Deng Xiaoping (1904-1997), que liderou a China praticamente de 1979 a 1997.
Era exímio pianista que chegou a dar um concerto de Mozart com a Orquestra Sinfônica de Londres.
Junto com Valéry Giscard d’Estaing deu início aos encontros dos chefes de Estado e chefes de governo que começaram com o G-5, depois G-7, G-8 e atualmente o G-20. Teve grande atuação nos tratados SALT I e II (Strategig Arms Limitation Talks). Da mesma forma foi Helmut Schmidt o homem que se empenhou para a instituição do Forum Econômico Mundial que tem lugar anualmente em Davos, na Suíça. Sobre Deng Xiaoping Helmut Schmidt comentou ter sido o político mais inteligente do século 20. “Ele me explicou o Confucionismo enquanto que Muhammad Anwar Al Sadat, explicou-me o Alcorão”.
Após abandonar a política dedicou-se ao jornalismo. Tornou-se co-editor do renomado semanário “Die Zeit”, no qual publicou centenas de artigos e participava das reuniões da redação quando já ultrapassava os 90 anos de idade. É autor de mais de 40 obras, a maioria das quais publicadas após retirar-se da vida pública.
Sua correspondência com chefes de Estado, historiadores, jornalistas, escritores, partidários políticos e oposicionistas é um manancial abrangente. Historiadores terão anos de trabalho para analisar e pesquisar o legado por ele deixado. Os alemães o viam como a “consciência da nação”. Um de seus lemas: “Política sem consciência tende à criminalidade. Vejo a política como ação pragmática a serviço de objetivos morais”.
O governo alemão despediu-se do grande estadista em 23 de novembro passado em cerimônia oficial realizada em Hamburgo. Estiveram presentes autoridades europeias e mundias, representantes políticos de todos os partidos, intelectuais e amigos. Um dos três oradores oficiais foi seu amigo de mais de seis décadas, Henry Kissinger, que em discurso muito emocional, entre outras afirmações, disse: “Helmut Schmidt foi uma espécie de consciência mundial”.
Lotti Schmidt, sua mulher, morreu em outubro de 2010. Ao sentir os grilhões da morte escreveu-lhe um bilhete que o esposo carregou em seu bolso durante os anos que lhe sobraram: “Já vou indo. Te espero”. Lotti esperou cinco anos.

Chanceler alemã é criticada por ter adotado uma política que teria estimulado os refugiados a buscarem a Europa

[caption id="attachment_46776" align="alignright" width="620"] Recep Tayyip Erdogan: presidente é a causa de a Turquia viver atualmente à beira de uma verdadeira guerra civil | Ap[/caption]
Os últimos acontecimentos na Turquia levam-nos a abordar, mais uma vez, as ocorrências naquele país em aditamento aos comentários já divulgados nesta coluna acerca da situação política no país que separa a Europa da Ásia (“A Turquia entre Oriente e Ocidente”, Jornal Opção, Edição 2064 e “O dilema da Turquia”, Edição 2065) em janeiro passado.
O que na época vislumbrávamos como eventual possibilidade, tende a recrudescer e transformar-se em problema maior com resultados não previsíveis em um país que, segundo sua constituição, é uma república parlamentar democrática, excessão entre os países do mundo islâmico.
Para a Europa e para a Otan, as recentes manobras políticas de Recep Tayyip Erdogan, presidente da Turquia, vêm em hora imprópria. Há cinco anos a União Europeia anda às voltas em resolver a difícil situação na Grécia. De momento, alarmada e desorientada com o súbito aumento do movimento migratório que ameaça a ruptura da união e põe em jogo a segurança política e social do continente com consequências de dimensões históricas, a Europa acompanha com alarmante preocupação os atuais desenvolvimentos naquele país islâmico do flanco sul europeu. Uma análise dos fatos revela que uma Turquia parlamentar democrática, de momento, existe apenas no papel. A realidade é outra.
Erdogan iniciou suas atividades políticas na juventude ao filiar-se a “Akincilar Dernegi” (União da Vanguarda), uma organização clandestina. Em 1970, filou-se ao MNP, um novo partido político logo proibido pelos militares que, desde a criação do atual Estado turco, em 1923 por Mustafa Kemal Atatürk, viam-se como garantia inconteste da ordem pública, política e social do país, baseado na filosofia militar laicista introduzida por Atatürk, cujo legado institucionalizou-se e durou quase 80 anos, até 2010.
Erdogan passou por vários partidos até ser eleito prefeito de Istambul em 1994, cargo que ocupou até 1998. Após terminar o mandato, há longo tempo já sob a mira dos militares, foi condenado à prisão por 10 meses com seus direitos políticos cassados até o fim de sua vida. O motivo foi um discurso pronunciado na cidade de Siirt, no sudoeste da Anatólia, no qual Erdogan citou uma passagem, imprópria para a ocasião, de uma poesia religiosa atribuída ao poeta Ziya Gökalp (1875-1924).
Em 2001, fundou seu próprio partido, o “Adalet ve Kalkinma Partisi”, AKP, Partido Justiça e Desenvolvimento que nas eleições de 2002 obteve 34% dos votos. Erdogan não pôde ser eleito chefe de governo por estar com os direitos políticos cassados e pelo fato de não ser membro do parlamento, condição legal para candidatar-se ao cargo.
Recep Tayyip Erdogan resolveu o impasse de forma pragmática. Seu vice-presidente de partido, Abdullah Gül, já membro do parlamento, tornou-se chefe de governo. A cassação política de Erdogan foi anulada com uma reforma da Constituição e, com a anulação das eleições na região de Siirt, Erdogan conseguiu uma cadeira no parlamento posterior às eleições. Em março de 2003, tornou-se chefe de governo e Abdullah Gül foi nomeado ministro das relações exteriores. Em 2007, o AKP obteve 47% dos votos e Erdogan foi reeleito para um segundo período, que terminou em agosto de 2014.
Durante o seu primeiro governo, Erdogan conseguiu introduzir algumas reformas no campo da redemocratização. Foi abolida a pena de morte, ampliou-se a liberdade de expressão, reforçaram-se as medidas contra a tortura, melhorou-se substancialmente a relação do governo turco com a população minoritária curda, além de outras medidas que contribuíram para o apaziguamento interno.
Erdogan chegou até a procurar a aproximação com a Armênia, sugerindo inclusive a criação de uma comissão de historiadores (que não se concretizou) a fim de esclarecer o genocídio contra os armênios durante a 1ª Guerra Mundial, algo que o governo turco nega há cem anos; limitou drasticamente a influência dos militares na política que, desde Atatürk, atuavam como um estado paralelo e viam-se como o “verdadeiro estado”, medida que nenhum governo anterior conseguira efetuar.
A relação de Erdogan com a Europa nem sempre foi irrestrita, mas foi em seu governo que tiveram início as gestões oficiais para a filiação da Turquia à União Europeia (UE) — que esfriaram à partir de 2010 em virtude de a Turquia negar-se a abrir seus portos para navios cipriotas e outros pontos de impasse não compatíveis com as diretrizes da UE.
Após Atatürk, nenhum governo da Turquia conseguiu tantas modificações, realizações e progressos como os alcançados nos dois períodos de governo de Recep Tayyip Erdogan. Seu prestígio cresceu e com isso cresceu seu apetite por poder. A primavera árabe, que inicialmente suscitara esperanças, fracassou e Erdogan passou a se ver como homem forte perante seus países vizinhos, região periclitante sujeita a constantes explosões.
Durante o seu segundo mandato como chefe de governo, Erdogan tentou mudar a constituição com o objetivo de lhe assegurar um terceiro mandato. Não conseguiu em virtude de não reunir no Parlamento os 75% necessários para uma reforma constitucional. Em consequência, Erdogan candidatou-se à presidência do país e foi eleito, por voto direto, com grande maioria.
A partir dessa época, Erdogan passou por uma metamorfose política. Desviando-se de seus princípios como chefe de governo, com medidas positivas e de mais democracia dignas de registro, mudou de atitude e transformou-se num político que se vê como sultão de um imaginário novo Império Otomano com insaciável apetite por poder e disposto a sacrificar o seu próprio país a fim de alcançar seus objetivos.
O motivo desta metamorfose foram as eleições parlamentares de junho passado, nas quais o seu partido conservador islâmico, o AKP, acabou perdendo a maioria em virtude de um novo partido, o HDP (Haklarm Demokratik Partisi, em português, Partido Democrático dos Povos), fundado em 2012, ter entrado no parlamento com 13,1% dos votos.
O fundador e presidente do HDP, o jurista Selahaftin Demirtas da pequena etnia dos “zaza”, com apenas 4% da população, demonstrou ser um político extremamente conciliador. Demirtas, criticado por representar o PKK, o partido curdo proibido na Turquia, refuta qualquer elo com aquele partido, mas durane a sua campanha eleitoral defendeu a tese de que a luta curda por autonomia só poderá ser resolvida na base do diálogo.
Segundo a constituição da Turquia, a presidência do país é uma função de absoluta neutralidade. Erdogan, no entanto, ignora a prescrição constitucional e, no cargo de presidente atua como se continuasse sendo chefe de governo. Com sua ingerência na política do dia a dia, Erdogan deixa o seu verdadeiro chefe de governo, Ahment Davutoglu, eleito em 2014, parecer uma figura supérflua.
A impressionante participação do HDP no governo terminou com os planos de mais poder do presidente Erdogan. Suas gestões, no sentido de formar uma coalizão maioritária, fracassaram e Erdogan conclamou o povo turco para novas eleições em novembro próximo. A campanha eleitoral está em pleno andamento e o AKP de Erdogan faz de tudo para denegrir a imagem do HDP, especialmente a do chefe do partido Selaftin Demirtas, com o objetivo de diminuir as chances eleitorais do partido e colocá-lo num patamar abaixo dos 10%, impedindo-o de participar do parlamento.
Paralelamente a estes acontecimentos, voltaram a piorar drasticamente as relações do governo turco com a minoria curda formada por 18% da população correspodente a cerca de 15 milhões habitantes. Há alguns meses a Força Aérea da Turquia, país filiado à Otan, vem efetuando ataques às milícias curdas na região de Mossul no Iraque que vinham enfrentando o avanço das hordas do Estado Islâmico (IS).
A medida turca causou irritação nos meios em Bruxelas, em Washington e na Otan, que têm apoiado as milícias curdas com armas e adestramento militar. A Turquia, como membro da Otan, neste caso atuou contra a organização à qual pertence. O governo turco argumenta que a medida se destina a aniquilar núcleos do PKK que do Iraque agitam internamente a Turquia.
A medida da Força Áerea teve sérias repercussões internas. Aumentou a espiral da violência. Hordas de nacionalistas turcos incendeiam lojas curdas e se metem à caça de representantes desta etnia. Por outro lado, radicais do partido proibido PKK atacam postos policiais e quarteis. A sede do partido HDP foi destruída por incêndio. A liberdade de imprensa foi drasticamente limitada. Jornais que criticam o governo têm suas dependências vasculhadas e, não raro, suas redações fechadas.
Foi exatamente isto que aconteceu ao jornal Bugun, que no dia 1° de setembro, revelou em manchete documentos que provam o fornecimento de armas pelo governo turco para grupos terroristas do IS. A notícia, em verdade, não foi novidade. A mídia na Europa já noticiara o assunto anteriormente. As consequências para o Bugun, no entanto, foram desastrosas.
A Turquia está se confrontando com uma séria crise interna e se encontra numa situação caótica que beira à guerra civil para a qual, segundo analistas europeus, o próprio presidente Recep Tayyip Erdogan contribuiu. A grande pergunta que paira em relação às próximas eleições em novembro: como reagirá Erdogan caso o HDP conseguir superar a margem de 10% ou repetir os resultados de junho passado, com 13% ou talvez acima desse porcentual? Para onde marchará a Turquia? Maus ventos soprarão do Bósforo em direção à Europa que, de momento, já tem demasiados problemas para resolver.
Problema precisa dos esforços de todos, pois é, na verdade, global e não apenas da Alemanha
[caption id="attachment_43460" align="aligncenter" width="620"] Miguel de Cervantes: o gênio espanhol morreu há 400 anos[/caption]
Um dos autores mais lembrados da Literatura Mundial é Miguel de Cervantes Saavedra (1547-1616) que nos deixou o “El ingenioso Hidalgo Don Quijote de la Mancha”. Na maioria dos países a obra é conhecida com o simples título “Dom Quixote”, leitura obrigatória para todos aqueles que se interessam pela literatura dos grandes clássicos espanhóis e um dos mais significantes livros da literatura mundial.
“Dom Quixote” é obra não só rica em narrações de aventuras fictícias de um cavaleiro medieval; é rica também em personagens. Além das duas figuras principais, o próprio Dom Quixote e o seu escudeiro Sancho Pança, algo ao redor de outras 650 figuras aparecem ao longo do enredo. Não tencionamos discorrer sobre o conteúdo, nem fornecer um resumo, tampouco nos interessam as centenas de personagens. Interessa o autor cuja vida igualmente rica em aventuras, no entanto não fictícias, decorreu, muitas vezes, beirando a tragédia.
Miguel de Cervantes foi o quarto filho, entre sete, de uma família pobre da nobreza de Alcalá de Henares, lugarejo próximo à Madrid, mas na época já um centro universitário. O pai, Rodrigo de Cervantes, médico cirurgião, tornou-se mais conhecido por seus insucessos; sobre a mãe, Leonor de Cortinas, pouco se sabe.
Após estudos preliminares, o jovem Cervantes estudou Teologia nas Universidades de Salamanca e de Madrid. Aprofundou seus estudos com Juan López de Hoyos, um dos grandes humanista e eruditos da época. Em 1569, com 22 anos, indiciado pela justiça espanhola, fugiu para Roma onde foi camareiro do cardeal Giulio Acquaviva. No mesmo ano ingressou na Marinha do rei da Espanha em Nápoles e, em 7 de outubro de 1571, participou da Batalha de Lepanto, no Golfo de Patras, no Mar Jônico (hoje Grécia), sob o comando de Don Juan da Áustria que venceu os turcos. Cervantes foi ferido por três projéteis: dois no peito e um na mão esquerda que ficou deformada para o resto de sua vida, razão pela qual recebeu o apelido de “El Manco do Lepanto”.
Em 1575, ainda na Marinha Espanhola, Cervantes foi aprisionado por piratas turcos da Argélia e levado como escravo para Argel (na época parte do Império Otomano) onde permaneceu cinco anos em mãos e a serviço de Hassan Pacha, rei de Argel, que o tinha comprado.
Após quatro tentativas de fuga, Cervantes foi libertado e levado à Espanha graças a uma fiança paga pela Ordem da Santíssima Trindade para a Redenção dos Cativos, fundada em fins so século 12, em Cerfroid, nas imediações de Paris. Entre 1580 e 1582 novamente na Marinha Espanhola, participou em ações militares contra Portugal e os Açores.
A primeira obra publicada por Cervantes foi “Los Tratos de Argel”, uma peça teatral, que não teve sucesso na qual abordou suas vivências durante o cativeiro naquela cidade. Endividado, dedicou-se a literatura na esperança de resolver seus problemas pecuniários.
Em 1584 surgiu seu primeiro romance “La primera parte de la Galatea”que, já em 1588, foi traduzido para o alemão. No mesmo ano casou com Catalina de Salazar y Palacios, bem mais jovem do que ele, com a qual não teve filhos. Ao mesmo tempo Cervantes teve um relacionamento com Ana Franco de Rojas, uma artista teatral, com a qual teve uma filha ilegítima, Isabel de Saavedra. O casamento com Catalina durou apenas dois anos. Separou-se dela em 1590.
No mesmo ano, seguindo sua sua vida aventuresca, Miguel de Cervantes candidatou-se ao cargo de governador da Província de Soconusco que corresponde hoje, mais ou menos, à Província de Chiapas, no México, que ficara vacante. Seu pedido foi revogado por Felipe II e, em consequência, Cervantes permaneceu na Marinha como “Comissário de Abastecimento”. Em virtude de uso ilícito de verbas públicas, Cervantes foi condenado à prisão em Sevilha em 1597/98. Aparentemente houve outro período de prisão, não totalmente confirmado, em 1602.
Cervantes começou a redigir o seu “El ingenioso Hidalgo Don Quijote de la Mancha” durante a prisão em Sevilha. A primeira parte foi publicada em 1605; a segunda, dez anos depois, em 1615. Um cronista da época, comentou-o: “É um livro que as crianças folheiam; os jovens o leem; os adultos o entendem e os idosos o elogiam”.
Nesse entremeio Cervantes publicou “Novelas ejemplares” que, na época, em seguida, também foi traduzido para o alemão e ao francês. Em 1617 Cervantes publicou seu romance “Los trabajos de Persiles y Sigismundo”.
Otto Maria Carpeaux deixou-nos um pequeno mas excelente texto com o título “Cervantes e o Dom Quixote”, publicado numa edição do “Dom Quixote” do Círculo do Livro (sem data) de São Paulo. Carpeaux explica por que a obra é tão importante: “Antes, só havia romances em versos, de grande interesse histórico, mas hoje tão ilegíveis como os romances de cavalaria cuja fama o próprio Cervantes erradicou. O Dom Quixote é propriamente o primeiro romance, em prosa, que continua lido até hoje. Sua influência é evidente em obras tão diferentes como Tom Jones de Fielding, Almas Mortas de Gógol, de Dickens, de Balzac e de Flaubert, no Idiota de Dostoiévski, até no Ulysses de Joyce. É o romance dos romances”.
Miguel de Cervantes tornou-se famoso com o seu “Dom Quixote” mas é quase totalmente desconhecido que Cervantes, além do “Dom Quixote”, é autor de mais de 40 outras obras. Certo é que o “Dom Quixote” trouxe-lhe fama e algum dinheiro que, infelizmente, acabou perdendo. Cervantes morreu pobre em 23 de abril de 1616 em Madrid. Morreu tão pobre que a Ordem das Monjas Descalças da Santíssima Trindade, a parte feminina da mesma ordem que o resgatara do cativeiro em Argel, apiedou-se em enterrá-lo em seu mosteiro em Madrid. Um cronista da época assim o definiu: “Viejo, soldado, gentilhombre y pobre”.
Desde a morte de Cervantes já passaram 398 anos e, até hoje, os restos mortais nunca foram encontrados. Em quatro séculos o Mosteiro das Monjas Descalças passou por inúmeras reformas com a consequência de que seu sepulcro perdeu-se na penumbra da História mas o seu “Dom Quixote” continua vivo.
Em 2013 a municipalidade de Madrid bem como o governo regional liberaram uma verba para a procura dos restos mortais do grande clássico espanhol nas áreas internas e externas do mosteiro. Geólogos, cientistas e historiadores espanhóis puseram-se ao trabalho. Em fins de 2014, após escavarem nos subterrâneos do Mosteiro das Monjas Descalças encontraram restos de madeira de vários sarcófagos um dos quais trazia as iniciais “M.C”.
O jornal espanhol “El País” mencionou que os cientistas creem que “muito provavelmente” se trata dos restos mortais de Miguel de Cervantes. De momento, o DNA de resquícios de ossos encontrados junto ao sarcófago com as iniciais “M.C.” estão sendo analisadas em um instituto em Madrid.
No mesmo dia, 23 de abril de 1616, outro grande autor da Literatura Universal morreu em Stratford-on-Avon: William Shakespeare. A coincidência das datas sempre foi motivo para especulações fantasistas que, em verdade são infundadas. Fato é que já em 1582 a Espanha, na época dos reis católicos Fernando e Isabel, adotara o calendário gregoriano, decretado pelo Papa Gregório XIII; a Inglaterra protestante só o introduziu em 1752. Assim, a verdadeira data da morte de William Shakespeare é 3 de maio de 1616.
Uma das mais conhecidas obras de Shakespeare talvez seja o seu imortal “Romeu e Julieta”. A pobre Julieta que morreu de amores por seu amado Romeu e a briga das duas famílias, os Montecchios e os Capuletos, enfim o enredo da obra com a trágica história de amor, uma vez lida na juventude, grava-se na memória do leitor e o acompanha para o resto da vida.
Depois de 400 anos, apenas recentemente, há cerca de 10 anos, descobriu-se que Julieta não morreu. Continua viva não só para os habitantes de Verona, cidade-palco da mais conhecida história de amor da Literatura Universal, mas para muita gente em outras partes domundo.
Quem o sabe, descobri-o há pouco quando estive em Verona, é o aposentado Gianni Carrabetta que, passeando pelas ruas históricas da Verona antiga, acompanhado por seu cãozinho que curiosamente atende pelo nome de Romeu, casualmente observou uma mulher que afixara um bilhete no muro da casa na qual vivera, e para muitos ainda vive, a inesquecível Julieta.
Gianni que, segundo me disseram, não é curioso mas quer saber tudo, delicadamente pegou o bilhete entre polegar e indicador, abriu-o e leu: “Julieta, desejo de todo o coração um pai para o meu filho que está por nascer”.
Lido o texto, a curiosidade de Gianni cresceu e logo ele soube que bilhetes e cartas coladas naquele muro, com fervorosos pedidos a Julieta, são frequentes. Por várias semanas perambulou pela cidade, sempre acompanhado por seu Romeu, a fim de descobrir quem é que os recolhe e qual é o destino que se lhes dá.
Gianni Carrabetta teve sorte. Na Via Galilei encontrou a sede do “Club di Giulietta” no qual trabalham, voluntariamente, 15 pessoas para responder às cartas e aos bilhetes de pedidos amorosos e fervorosos de pessoas de todo o mundo. São 10 mil cartas que o “Club” recebe via correio e outros tantos bilhetes que são afixados no muro por ano, a maioria dos Estados Unidos, do Japão, da Rússia e da Alemanha e todas recebem resposta redigida em caligrafia manual. O “Club di Giulietta” é tão conhecido que os carteiros entregam as cartas com endereços simples como: “Juliet – Verona”, ou “Giulietta-Verona”, “Juliete-Verona”, “Juliette-Verona” ou mesmo “Romeu e Julieta – Verona”. Todas chegam.
Gianni Carrabetta candidatou-se para ajudar em responder às cartas. Foi aceito. Em sua vida anterior Gianni era executivo numa firma da indústria farmacêutica. Hoje ele é secretário de Julieta e assina todas as respostas com o seu verdadeiro nome: Julieta. Romeu cochila tranquilamente a seus pés e com o olhar de cão fiel, também parece estar convencido de que Julieta ainda vive.
Não é apenas Julieta que recebe cartas. Romeu também as recebe se bem que em menor quantidade. Curioso é que não são apenas representantes do mundo feminino que escrevem a Julieta. Rapazes e homens também se dirigem a ela. Mas nunca um homem pediu a Julieta que o ajudasse “a procurar um pai para meu filho que está por nascer”.
Enquanto relato estes detalhes sobre as zelosas atividades em Verona resultantes do “Romeu e Julieta” lembrei-me do próprio Shakespeare. Absorto em divagações vejo-o perambulando pelas ruas de Stratford-on-Avon envoltas em neblina e, por razões para mim inescrutáveis, vem-me à tona o nome de outro autor, não menos famoso – embora com obras completamente diferentes – que morreu sete décadas antes do inolvidável Shakespeare e que revolucionou o mundo.
Seu nome Niklas Koppernigk (1571-1630). Após estudos preliminares em Thorn, sua cidade natal, na época Prússia, hoje pertencente à Polônia, Koppernigk iniciou seus estudos superiores na Universidade de Cracóvia que não chegou a terminar. Matriculou-se na Universidade de Bolonha onde estudou Direito, Grego e Astronomia; formou-se em Medicina na Universidade de Pádua e em Direito Canônico na Universidade de Ferrara onde obteve o título de “doctor iuris cononici”, doutor em direito canônico.
Koppernigk regressou a sua cidade natal em 1503 onde inicialmente trabalhou como médico, cônego e administrador eclesiástico. Nas horas vagas, ocupava-se com a matemática e astronomia. Durante seus estudos na Itália Koppernigk, seguindo uma prática de estudiosos da época, latinizou seu nome em Niklas Kopernikus que, em português transformou-se em Nicolau Copérnico.
Copérnico publicou varios tratados científicos sobre temas eclesiásticos, astronomia, matemática, trigonometria e um tratado sobre questões monetárias. Sua obra principal “De Revolutionibus Orbium coelestium, Libri VI” (Da Revolução dos Corpos Celestes) só foi publicada em Nuremberga no ano de sua morte, em 1543, embora já ter desenvolvido a teoria heliocêntrica do sistema solar décadas antes. Em 1509 já entregara rascunhos a alguns estudiosos com a observação de que os “cálculos matemáticos ainda terão que ser revistos”.
A publicação tardia de sua obra principal provavelmente tenha sido simples medida de precaução. Copérnico viveu em plena época da Inquisição e a igreja católica defendia a teoria geocêntrica desenvolvida por Aristóteles. Quem defendia outras teorias era candidato às fogueiras da Inquisição.
“Da Revolução dos Corpos Celestes” foi obra de grande impacto de forma que seguiu-se logo uma segunda edição. Ambas chegaram a cerca de 500 volumes. Para o mundo científico da época 500 exemplares já era edição voluminosa. Da primeira edição de 1543 restam raríssimos exemplares espalhados nas melhores bibliotecas do mundo.
Na noite de 2 de setembro de 2004 a “Herzogin Anna Amalia Bibliothek” (Biblioteca Duqueza Ana Amália) de Weimar, cidade do Estado da Turíngia, no sudoeste da Alemanha, foi parcialmente destruída por um incêndio que irrompeu no teto de uma das alas da edificação. A biblioteca foi fundada em 1691 pelo duque Guilherme Ernesto. Em 1991, por oportunidade dos festejos de seu 3° Centenário, a biblioteca recebeu o nome de Biblioteca Duqueza Ana Amália que fora sua grande incentivadora.
A biblioteca não é a maior do mundo mas é uma das mais importantes por seu incomparável acervo de mais ou menos 1 milhão de exemplares especialmente da literatura alemã do Iluminismo até ao fim do Romantismo. Entre as raridades encontram-se cerca de 2 mil livros manuscritos, entre os quais um evangelho carolíngio do século 9, 427 incunábulos e coleções da época da Reforma e centenas de riquíssimas iluminuras da Idade Média. Além disso encontram-se as bibliotecas completas da família von Arnim, Liszt, Nietsche, Haar e a da Sociedade Shakespeare da Alemanha. A biblioteca é mundialmente conhecida por seu belíssimo salão ovalado, com três andares, em estilo rococó.
Após a morte da duqueza Ana Amália seu filho, Grão-Duque Carlos Augusto (1757-1828), assumiu os negócios de Estado. Carlos Augusto foi grande admirador de Johann Wolfgang von Goethe. Foi ele quem o convenceu de vir de Frankfurt à Weimar onde o grande literato permaneceu até a sua morte sempre às custas de verbas públicas. Em 1797 Carlos Augusto nomeou Goethe, além das outras tarefas às quais já respondia, diretor da Biblioteca Ana Amália.
Mas Goethe, apesar de ter sido um gênio erudito de cultura universal, foi um grande safado. Como diretor andava sempre a comprar livros para a Biblioteca Ana Amália que pagava com verba pública mas surripiava as obras mais importantes para a sua biblioteca particular. Mesmo assim, Goethe não foi um safado egoísta. Deixou em testamento que, após a sua morte, o seu acervo deveria passar à propriedade do Estado.
Conservou-se, desta forma, toda a sua biblioteca particular de 43 mil volumes, 18 mil pedras preciosas e semipreciosas do Brasil que colecionara durante sua vida, além de milhares de documentos sobre botânica, geologia e mineração e obras de arte, principalmente italianas e da Grécia Antiga. Tudo isto pode ser visto, tal e qual como ele o deixara, em sua mansão de 42 cômodos na Praça Frauenplan em Weimar. Todo o acervo de Goethe faz parte da Biblioteca Ana Amália.
Na ala na qual irrompeu o incêndio encontravam-se 196 mil volumes, a maioria dos quais no Salão Rococó, dos quais 50 mil foram totalmente devorados pelo fogo. 118 mil volumes sofreram sérios danos por fogo, altas temperaturas, água dos bombeiros, fuligem, fumaça e demais sujeira. Muitas das 3 mil partituras musicais manuscritas são consideradas como perdidas entre as quais partituras de Orlando di Lasso, Johann Nepomuk Hummel e Karl Siegmund von Seckendorf.
Os 80 funcionários da biblioteca, apoiados por centenas de voluntários, começaram a catar nos escombros à procura de restos chamuscados, de páginas soltas, meia páginas e, inimaginável mas verdadeiro, até as cinzas passaram por um processo de filtragem à procura de restos de papel, por menor que fossem, mesmo tendo apenas uma ou duas letras, tudo foi guardado para eventual uso na restauração.
O trabalho de restauração é tarefa complicada, um verdadeiro puzzle, que exige experiência e equipamentos adequados. A maioria dos 118 mil volumes danificados foi entregue a 27 institutos especializados em diversos países europeus. São instituições que mais parecem laboratórios altamente sofisticados do que oficinas artesanais.
Os custos para a reconstrução do prédio com o Salão Rococó seriamente danificado e a restauração de 118 mil compêndios são astronômicos. As verbas vêm do governo alemão, do Estado da Turíngia, de empresas e pessoas particulares que fizeram donativos. Verbas adicionais vieram de países europeus. Muitas bibliotecas ao redor do mundo ofereceram exemplares quando tinham mais de um em seu acervo. Até o presidente Barak Obama, que em 2009 esteve em Weimar, levou em sua bagagem dois valiosos livros que presenteou à biblioteca.
Uma das obras que tinha sido dada como perdida e que foi encontrada recentemente entre a montanha de livros altamente danificados foi o “De Revolutionibus Orbium coelestium, Libri VI” de Copérnico. Segundo Michel Knoche, diretor da biblioteca, a obra se encontra em mãos de uma firma especializada em Weimar encarregada da restauração.
A alegria em encontrar esta raridade bibliográfica foi grande pois afinal a obra representa um marco histórico na História da Astronomia e, segundo especialistas, é de inestimável significado para a ciência e a história cultural da Idade Moderna que teve início com um médico, cônego e administrador eclesiástico que só nas horas vagas se dedicara à matemática e à astronomia: Nicolau Copérnico, grande sábio da Idade Média.
Os esforços da equipe de técnicos da Biblioteca Ana Amália de Weimar juntamente com os especialistas de 27 instituições localizadas em diversos países europeus para restaurar 118 mil livros danificados pelo fogo, sem falar nos custos que o projeto, que poderá durar entre 30 e 40 anos, acarretará, são admiráveis. O zelo e o empenho empregado demonstra que a conservação de tesouros culturais de épocas passadas representa riqueza cultural para as gerações futuras.
Tanto mais triste e desolador é o que vem acontecendo em outra parte do mundo onde uma horda de bárbaros faz exatamente o contrário: Em junho de 2014 radicais do Estado Islâmico (IS) se apoderaram de Mossul, segunda maior cidade do Iraque. Dezenas de mesquitas e igrejas foram dinamitadas até aos alicerces entre as quais o famoso Mausoléu do profeta Jonas, na região, símbolo de interrelacionamento religioso. A famosa Mesquita Vermelha, do século 12, no centro de Mossul, também foi transsformada em escombros. Em janeiro de 2014 membros das mesmas hordas devastaram a Biblioteca da Universidade e atearam fogo na Biblioteca Central de Mossul transformando em cinzas mais de 8 mil documentos manuscritos de inestimável valor cultural histórico.
As imagens que percorreram o mundo em fins de janeiro passado mostrando elementos do IS destruindo a martelaço obras de arte milenares são apenas a ponta do iceberg. Tudo isto num lugar chamado Mesopotâmia que, durante séculos, foi visto como o berço da Humanidade.
Enquanto em Weimar especialistas se empenham em recuperar livros até das cinzas que sobraram de um incêndio, em Mossul, e em outras partes do Iraque e da Síria, bárbaros do IS fazem o contrário, transformam livros em cinzas. Dois mundos, duas culturas e dois comportamentos, segundo parece, incompatíveis.
Se vigorar, salvará muitas vidas, mas deixará o presidente russo, Vladimir Putin, com o gosto da vitória

Angela Merkel e François Hollande se empenham para evitar uma guerra que se mostra cada vez mais inevitável

Os curdos enfrentam os terroristas do Estado Islâmico, mas vai apresentar essa conta depois
[caption id="attachment_27359" align="aligncenter" width="620"] Abdullah Öcalan, o separatista curdo: condenado e preso na Ilha Imrali, mas sua luta continua com outros | Foto: reprodução[/caption]
À partir de 1980 era comum ver, aos sábados, sempre as mesmas demonstrações, as mesmas passeatas em cidades da Europa Ocidental especialmente na Alemanha, em parte também na França, na Inglaterra, na Áustria e Suíça. Eram caminhadas coletivas organizadas por diversos grupos imigrantes da comunidade curda que protestavam em nome e em apoio ao PKK (Partiya Karkerên Kurdistan), o Partido dos Trabalhadores do Curdistão. As demonstrações eram toleradas pelas autoridades desde que previamente autorizadas e geralmente decorriam sem maiores incidentes.
Os manifestantes curdos que viviam e continuam a viver na Europa, ostentavam bandeiras negras com legendas em língua curda que exigiam a criação de um estado próprio, o Curdistão. O fundador do PKK e líder do movimento, o curdo Abdullah Öcalan (pronúncia Oetchalan), dominou o partido de forma autoritária, tratou brutalmente dissidentes e assassinou ou mandou assassinar supostos rivais e traidores.
O PKK continua sendo uma organização ativa na Turquia com entrelaçamentos estreitos em vários países da Europa. Na Dinamarca a organização chegou até a operar oficialmente uma televisão, a Mezopotamya Broadcasting com seus canais MMC, Nuçe TV e ROJ TV, que transmitiam programas em língua curda para a comunidade curda radicada na Europa.
Em 2013 as autoridades da Dinamarca, no entanto, cancelaram a licença de operação com o argumento de que a emissora estaria “difundindo programas e informações para uma organização terrorista”. Além disso a emissora foi multada com a importância de 1,35 milhãos de euros, algo ao redor de 3,5 milhões de reais. Nos Estados Unidos, na União Europeia e na Turquia o PKK é visto como um movimento subversivo, com métodos terroristas e de orientação marxista. Em seu país de origem, a Turquia, o PKK foi proibido em 1999 e Öcalan foi condenado, por ausência, à pena de morte por alta traição, formação de organização terrorista, por atentados, roubos e assassinatos.
A mídia europeia, até hoje, sempre que se refere ao PKK, também fala do PKK como “partido proibido”, o que em verdade é uma estultice pois o PKK não é registrado oficialmente como partido em nenhum país europeu. É fato confirmado que a organização usava métodos terroristas (atentados, bombas, assaltos) em sua luta para criação de um Estado próprio, o Estado curdo.
Os curdos fazem parte de uma etnia originária do oeste asiático, com língua própria, proveniente do indo-germânico. Atualmente habitam grande parte do leste da Turquia, a Anatólia, parte do Iraque, do Irã e parte da Síria. Sua população distribuída em vários países é estimada entre 25 milhões e 30 milhões. Estima-se que só na Turquia, com uma população de 76,7 milhões de habitantes, 18% (13,8 milhões) são curdos.
O governo da Turquia sempre tem refutada a ideia da criação de um Estado curdo e, por esta razão, combateu e reprimiu todo e qualquer movimento com tais ambições. Recep Tayyip Erdogan, presidente da Turquia, é um de seus mais ferrenhos opositores. A ideia da criação de um Estado curdo na Anatólia é um pesadelo que persegue Erdogan desde o início de sua carreira política. Da mesma forma é um pesadelo turco a criação de um Estado curdo em território iraquiano, na região de Mossul, junto à fronteira turca, uma área rica em petróleo denominada Curdistão.
Em 1984 foi morto um dissidente do PKK em Rüsselsheim, cidada localizada no centro-oeste da Alemanha. Em 1990 a justiça alemã emitiu um mandado de prisão internacional contra Abdullah Öcalan que, em seguida, refugiou-se na Síria, o que culminou com uma ameaça de guerra da Turquia contra aquele país. Öcalan tentou, sem sucesso, obter asilo político em vários países da Europa.
Em 1993 membros do PKK invadirm o Consulado Geral da Turquia em Munique e levaram vários funcionários como reféns. Os invasores exigiram do então chanceler Helmut Kohl, maior empenho para a causa e direitos curdos.
Em setembro de 1998 Abdullah Öcalan foi preso na Itália, com base na ordem de prisão internacional expedida pela Alemanha em 1990. As autoridades italianas se propuseram extraditá-lo à Alemanha. O governo alemão, no entanto, receando forte reação por parte da numerosa população curda no país, resolveu abster-se da extradição. Em consequência o governo italiano teve que pô-lo em liberdade. Öcalan deixou Roma em janeiro de 1999.
Em 15 de fevereiro de 1999 Öcalan foi sequestrado por agentes turcos, ao deixar a Embaixada da Grécia no Quênia, e levado para a Turquia. O sequestrado portava um passaporte cipriota em nome de Lázaros Mavros. O governo da República do Chipre declarou que o passaporte era uma falsificação turca. Desde aquele ano, o dia 15 de fevereiro é, para a comunidade curda internacional, um dia de luto. É o “Dia Negro”, anualmente lembrado com passeatas e demonstrações em vários países do mundo, especialmente na Europa.
Logo que Öcalan foi preso a comunidade curda na Europa moveu ações contra embaixadas e consulados, especialmente contra representações diplomáticas da Grécia, do Quênia e também da Nigéria em vários países na Europa. Só da Grécia foram atacadas 12 representações em vários países europeus.
O Consulado Geral da Grécia em Frankfurt, que se instalara numa das mais bonitas mansões históricas da cidade, foi invadido por um grupo de centenas de curdos que não só danificaram os móveis históricos, mas demoliram inclusive parte do prédio. Na Suíça foi necessária a intervenção do exército suíço (medida rara naquele país) pelo fato de elementos curdos terem atacado prédios das Nações Unidas.
Em 29 de junho de 1999 Abdullah Öcalan (desta vez presente) foi condenado à morte por alta traição pela justiça turca em Istambul. A pena, no entanto, não foi executada, entre outras por intervenção europeia; em 2002 a lei da pena de morte foi abolida na Turquia e a condenação de Öcalan foi transformada em prisão perpétua.
Desde a sua prisão em 1999 Abdullah Öcalan está confinado numa penitenciária de segurança máxima na Ilha Imrali, no Mar de Mármara, a única construção da ilha. Passou ali os primeiros dez anos como único detento. Só em 2009 a justiça turca resolveu alojar outros cinco condenados.
A condenação de Abdullah Öcalan foi levado à Corte de Justiça Europeia de Direitos Humanos que, em 12 de maio de 2005, sentenciou que o processo é incorreto e exigiu a revogação e abertura de novo processo, o que as autoridades turcas até hoje refutam. Enquanto isso, Öcalan segue preso e continua a escrever livros (o que já fizera antes de ser preso) e manifestos dos quais, de vez em vez, faz levar um ao conhecimento de seus milhares de seguidores através de seus advogados.
Com a condenação e o confinamento de Abdullah Öcalan os separatistas curdos perderam seu líder e, em consequência, amainou o movimento separatista na Europa. Inesperadamente, por influência alheia, outros movimentos curdos deflagraram de forma diferente em outra parte do mundo.
Criou-se, portanto, uma nova situação que ainda não chegou ao fim, mas que num futuro ainda indefinido poderá culminar em concretizar os anseios curdos. A Turquia e o Mundo Ocidental terão que se prepar para o que provavelmente estará por vir. O mapa do Oriente médio provavelmente terá nova configuração e os curdos, pelos serviços e pela atuação que, de momento, estão prestando, no fim de tudo, irão apresentar a sua conta.Tratarei de elucidar esta análise. Vamos aos pormenores:
A invasão do Iraque por parte dos Estados Unidos e alguns países aliados da Europa, foi uma das mais lunáticas aventuras bélicas no fim do século 20. O resultado está aí, é visível. O Iraque, um mar de escombros; a Líbia, outro mar de escombros e, de momento, um país não governável; a Síria, um inferno. E, pior de tudo, como consequência, o Islamic State, Estado Islâmico, o IS que surgiu como Fênix das cinzas e que já aterroriza, com métodos e ideologia medieval, parte do Oriente Médio, do norte da África e, provavelmente, em pouco tempo, demais regiões também em outros Continentes.
Em um determinado momento desta catástrofe bélica que, no Iraque e na Síria ainda não chegou ao último ato da tragédia, aparecem os curdos, anteriormente vistos como terroristas por parte dos Estados Unidos e da União Europeia, que se projetam como bravos e valorosos milicianos contra os bárbaros do Estado Islâmico. A milícia curda na região de Mossul onde, apesar do equipamento militar obsoleto de que dispunha, reagiu bravorosamente ante as atrocidades dos fanáticos do Estado Islâmico. Foram milicianos curdos que salvaram milhares de cristãos jesidas forçados a se refugiar nas montanhas iraquianas diante dos avanços dos selvagens do Estado Islâmico. A milícia curda, repentinamente, torna-se aliada dos Estados Unidos, que lhe dão cobertura aérea para enfrentar os ataques terrestres contra as hordas do Estado Islâmico.
Exemplo mais dramático e convincente é o caso de Kobane (alguns jornais usam o termo Kobani ou Kobanê), cidade síria, com uma população de 100 mil habitantes, a maioria curda, localizada a poucos quilômetros da divisa turca. Há cinco meses forças do Estado Islâmico tomaram conta da cidade e durante todo este tempo milicianos curdos enfrentaram galhardamente a situação.
Os curdos, com apoio aéreo dos Estados Unidos, conseguiram sobrepor-se às forças do Estado Islâmico. Kobane foi recuperada das mãos dos fanáticos cegos e intolerantes do IS. A cidade foi transformada em um grande monte de entulhos. Foi a mais ferrenha luta desde o início da guerra na Síria há quase três anos. Ali tudo virou às avessas pois terroristas lutaram contra terroristas e os Estados Unidos e a Europa bandearam-se para uma das facções. Ontem inimigos, hoje amigos. Willy Brandt (1913-1992), ex-chanceler da Alemanha, certa vez disse: “Em política muitas vezes é necessário falar até com o Diabo”.
No início da ocupação de Kobane por parte do Estado Islâmico, a OTAN pediu ao governo turco que intercedesse, que contribuísse para rechaçar os ocupantes do EI. A Turquia, mesmo sendo membro da OTAN, teve um problema com o pedido desta organização e acabou por rechaçá-lo em duas razões.
Primeiro porque a Turquia, no caso de interceder junto a Kobane, em território Sírio, para muitos países passaria a ser visto como agressora; segundo porque a Turquia, atacando o Estado Islâmico em Kobane, teria que lutar ao lado dos curdos os quais vêm combatendo há décadas. É este o dilema turco.
Por outro lado, o governo turco, receando ataques com foguetes balísticos por parte do EI da região de Kobane, pediu auxílio a OTAN para que enviasse soldados e equipamento de defesa junto a fronteira turca-síria. Baseado numa decisão interna da OTAN, o exército da Alemanha foi autorizado a estacionar equipamento antiaéreo do tipo Patriot, com foguetes sofisticados teleguiados junto a fronteira turca-síria para rechaçar eventuais ataques aéreos do Estado Islâmico ou de outros grupos litigiosos atuantes em território sírio.
Segundo especialistas da área militar a decisão da OTAN é vista como uma decisão supérflua. Técnicos do ramo argumentam que o exército turco estaria adequadamente equipado de forma que bem poderia garantir suas fronteiras sem auxílio das forças da OTAN.
O governo turco não tem demonstrado grande empenho em combater o avanço do Estado Islâmico. Aliar-se aos milicianos curdos é uma opção que o presidente Recep Tayyip Erdogan simplesmente não tolera. O impressionante desempenho dos milicianos curdos no Iraque e na Síria não pode ser do agrado do governo turco e os pesadelos do presidente Erdogan tendem a transformar-se em paranoia.
O substancial apoio que a milícia curda está tendo de parte dos Estados Unidos e da União Europeia incomodam o presidente Erdogan. Ursula von der Leyen, a ministra da Defesa da Alemanha, em recente visita feita a milicianos curdos em Mossul, prometeu atender o pedido curdo em fornecer-lhes armamento mais sofisticado. E, como se tudo isso não bastasse, vários grupos políticos da Alemanha pleiteiam que o Movimento Separatista Curdo deixe de ser visto como uma organização terrorista. Enquanto isso, círculos da União Europeia defendem a mesma ideia.
Para o presidente Erdogan este novo posicionamento europeu em relação ao PKK, o movimento separatista curdo, deve parecer coisa do demônio. Não estranha, portanto, o fato de Erdogan, em surdina, procurar uma aproximação com Vladimir Putin. O fato de a Turquia, país membro da OTAN, não ter-se filiado ao embargo americano-europeu contra a Rússia prova que o presidente Erdogan não mais confia na Europa.
A aliança americana-europeia perdeu a guerra no Iraque e na Síria. Ambos os países acabarão sendo esfacelados, divididos. O Iraque entre sunitas, xiitas e curdos. Parte da Síria provavelmente será abocanhada pelaTurquia que, há tempos vem sonhando em reestabelecer o antigo Império Otomano.
Os curdos, que não constavam na estratégia dos especialistas militares ocidentais, talvez serão os únicos vencedores desta guerra: pelo empenho que, até agora, têm demonstrado na guerra contra o Estado Islâmico os curdos acabarão apresentando a sua conta e a Europa e os Estados Unidos dificilmente poderão deixar de atendê-los em sua campanha para a criação oficial de seu país, o Curdistão.
A Turquia, de modo algum, aceitará este desfecho e tramará uma nova guerra no fim da qual teremos a configuração de um novo mapa do Oriente Médio. Aguardaremos no que dará. l

Déficit em relação a direitos humanos e liberdade de imprensa atrapalha filiação do país à União Europeia
Opinar sobre livros e autores é tarefa que, muitas vezes, até aos resenhistas sérios e experimentados causa angústias. Escrever sobre um livro cujo autor foi um dos maiores facínoras da época moderna, responsável por uma lista de hediondos crimes contra a humanidade durante o século 20, pode ser traumático. Independentemente de quem o tente, corre o risco de ser criticado: ou da direita ou da esquerda. Estamo-nos referindo ao “Mein Kampf”, “Minha Luta” de Adolf Hitler uma obra que, passados quase 70 anos após a morte do autor, continua a ser objeto de discussão especialmente na Alemanha onde o livro, por razões óbvias, consta na lista das “obras proibidas” desde o fim da 2ª Guerra Mundial em 1945. Pelo menos é isso que se divulga por aí. Trataremos de esclarecer este detalhe. Muitos comentários foram publicados ao redor do mundo desde o ano de seu lançamento em 1925. Mesmo assim existem controvérsias, dúvidas, discussões e sobretudo grande falta de conhecimento no que diz respeito às origens do livro. Muito de verdadeiro foi escrito sobre suas origens. Mais ainda foi escrito que pôs em dúvida ou distorceu o verdadeiro e contribuiu para que se formasse uma nuvem de mistério em torno do assunto. Nossa intenção é a de esclarecer, de procurar preencher esta lacuna de conhecimento e de desanuviar o mistério, resultado de suposições, conjeturas, invencionices e quiçá de acintosas mentiras. Além disso, preocupa-nos a questão se, na época da internet, ainda faz sentido proibir a publicação de uma obra independentemente de quem seja o autor. Em 1923 houve um “putsch” em Munique, um golpe para a tomada do poder na Alemanha. Hitler e vários outros foram acusados e processados por terem liderado o movimento golpista. No fim do processo, em 1° de abril de 1924, o juiz deu oportunidade aos acusados de fazerem um pronunciamento. Hitler fez questão de esclarecer que: “.....apesar de minha origem humilde sinto-me com vocação para governar um povo, uma nação”. Presunção, egotismo e arrogância, eis alguns temas que encontramos ao longo de seu livro cujos trabalhos iniciaria poucas semanas depois do pronunciamento dado ao juiz. Hitler foi condenado a cinco anos de prisão dos quais cumpriu apenas nove meses após a pena ter sido transformada em pena condicional. Foi posto em liberdade (condicional) em 20 de dezembro de 1924. Enquanto esteve confinado na penitenciária de Landsberg, que continua existindo na Baviera, Hitler teve certas regalias: ampla cela individual, recebia visitas de partidários políticos e, durante os almoços servidos em refeitório comum, aproveitava para discutir suas ideias com outros detentos. Não participava de esporte, nem fazia trabalhos como outros condenados. Os funcionários da penitenciária deixavam-no e não raro até assistiam aos debates políticos durante os almoços. O condenado Hitler, que já tinha fama de ser assíduo leitor, aprofundou-se ainda mais nas leituras e, paralelamente, começou a datilografar pessoalmente o texto de seu “Minha Luta”. Terminou o primeiro volume na prisão o qual foi publicado em julho de 1925 pela Editora Franz Eher de Munique. Hitler ditou o segundo volume a Max Amann, diretor da citada editora. Terminado o ditado, Hitler e Amann isolaram-se numa casa de montanha onde terminaram conjuntamente os trabalhos de datilografia. O segundo volume foi publicado em dezembro de 1926. Na época Hitler estava com 36 anos de idade e só veio a assumir o poder sete anos depois, em 1933, quando tinha 44 anos. Contrariamente ao que alguns autores afirmam, o “Minha Luta” não é autobiográfico nem memorial e muito menos se trata de um programa partidário. Hitler explica os motivos que o levaram à política e reinforça sua argumentação do “Anschluss”, a terminologia nazista para anexar a Áustria ao Império Alemão. Ademais, Hitler descreve a ideia do “Lebensraum”, o espaço vital (expansão para o Leste) necessário para a Alemanha. A ideia do espaço vital, no entanto, não é ideia de Hitler. Tais planos já existiam bem antes da 1ª Guerra Mundial. Hitler dedica amplo espaço à explanação de suas convicções antissemitas bem como a sua repulsa ao marxismo, à social-democracia, ao bolchevismo e à alta finança internacional. Ao longo de seus relatos, Hitler deixa claro que, para resolver os problemas por ele abordados, só ele seria a pessoa indicada, somente ele teria vocação para salvar a Alemanha das garras do bolchevismo, do comunismo, da alta finança internacional, do judaísmo e demais estultices que giravam em sua cabeça. Resumindo poder-se-ia afirmar que o “Minha Luta” nada mais é do que uma incitação propagandista à luta partidária sem conotação programática. Do ponto de vista histórico “Minha Luta” é um dos mais importantes documentos e — exatamente por isso —, a mais discutida fonte das “ideias de Hitler” e da ideologia do Nacional-Socialismo. Winston Churchill (1874-1965), duas vezes primeiro-ministro da Grã-Bretanha, em sua magistral obra de seis volumes “The Second World War” (A Segunda Guerra Mundial) escrita entre 1948 e 1954 comentou o livro da seguinte maneira: “... nenhum outro livro merecia ter sido estudado tão profundamente pelos chefes políticos e militares dos aliados como “Minha Luta” que é um novo Alcorão da fé e da guerra: empolado, fastidioso, amorfo, mas grávido com sua mensagem”. Mesmo em seu período de vida mais difícil, enquanto vivia em asilos em Viena, sem trabalho, Hitler passava seu tempo lendo. Suas ideias são o resultado de leituras de autores de opiniões racistas então correntes na Europa do fim do século 19 e nas primeiras décadas do século 20, como Karl Lueger, Georg von Schoenerer, Houston Stewart Chamberlain (com o qual mantinha contacto mesmo durante os meses de prisão), Paul de Lagarde, Alfred Rosenberg, o antissemita Julius Streicher e outros. Ideias racistas já existiam antes de Hitler, mesmo antes da 1ª Guerra Mundial. Ele assimilou-as, filtrou e comprimiu o que lera e extrapolou-as. Hitler nunca falava sobre o que lia, nunca falava de autores e nunca mencionava seus autores prediletos. Logo após o lançamento do primeiro volume de “Minha Luta” em 1925 surgiram boatos, com as consequentes dúvidas com respeito ao livro. Um dos boatos perdurou até após a 2ª Guerra Mundial em 1945. Comentava-se que não fora Hitler que o escrevera, que fora outro que o redigira a pedido ou por encargo do próprio Hitler. Cochichava-se que o “outro” era um padre e, pouco a pouco, o boato começou a ser desvendado. Mas, quem foi este “outro” e o que existe de ficção ou de verdade nisto? O padre em questão foi Bernhard Rudolf Stempfle (1882-1934), teólogo e publicista, tornou-se conhecido como editor do jornal “Miesbacher Anzeiger”, da Baviera, um jornal com tendências racistas. Stempfle publicava seus artigos sob seu verdadeiro nome; em outros órgãos usava o pseudônimo de “Redivivus” e “Spectator Germinae”. O padre Stempfle pertencia à pequena ordem dos “Pobres Eremitas de São Jerônimo” mas circulava o boato de que em realidade pertencia à Ordem dos Jesuítas. Ele próprio nunca tratou de refutar este boato. A “Ordem dos Pobres Eremitas” foi dissolvida por falta de membros, ocasião que o padre Stempfle aproveitou para abandonar a batina. Matriculou-se na Universidade de Munique, onde se doutorou em Filosofia e chegou a ser catédrático daquela universidade. Por acaso do destino, a vida do padre Stempfle cruzou-se com a de Adolf Hitler. O líder nazista tinha encontros semanais com um grupo de partidários num restaurante em Munique quando, certo dia, o padre Stempfle começou a participar desses encontros. Inicialmente Hitler via-o com grandes reservas mas reconheceu nele um excelente linguístico com profundo domínio do idioma alemão. Há fontes que afirmam que o padre Stempfle chegou a ser o confessor de Hitler, uma afirmação que parece não ser muito plausível; outras fontes afirmam que Hitler chegou a ter certa amizade com o padre e que este o teria iniciado nos ritos da maçonaria. O padre Stempfle era figura ambígua, de caráter duvidoso, que tinha ligações com o chefe de polícia de Munique e que, através destes canais, conseguira passaportes falsos para certos indivíduos. Por este e por outros motivos o padre Stempfle foi acusado de ter participado de tribunais secretos que custaram a vida de várias pessoas. Em consequência refugiou-se em Salzburgo, na Áustria. As reservas que Hitler tinha em relação ao padre parecem ter sido justificadas; mesmo assim entregou-lhe a primeira versão por ele pessolmente datilografada de seu “Minha Luta” para que a revisasse antes de entregá-la à editora Franz Eher. Stempfle e Elsa Bruckmann, esposa de um amigo de Hitler, puseram-se ao trabalho, corrigiram passagens e eliminaram outras. Otto Strasser, um ex-nacional-socialista, em seu livro “Hitler e Eu”, editado no exílio nos Estados Unidos, afirma que “Stempfle trabalhou meses seguidos a fim de ordenar as ideias expressas no original de “Minha Luta””. Strasser afirma que Hitler nunca perdoou padre Stemple pelo fato de este ter “percebido as fraquezas de Hitler”. Foi Strasser também que divulgou o boato de que Hitler mandara matar Stempfle em virtude das correções que fizera em seu texto. O britânico Alan Bullock, autor de uma biografia sobre Hitler, afirma que Stempfle teria “posto o livro estilisticamente à limpo e reescrito em grande parte os originais de Hitler”. Harry Schulze-Wilde (1899-1978) jornalista e escritor alemão, foi mais além ao afirmar que “o mérito do padre Stempfle foi de ter reescrito o texto original de Hitler num alemão mais ou menos compreensível”. A historiadora alemã Renate Katharina Riemeck (1920-2003) defende a tese de que “o padre Stempfle, em colaboração com Josef Czerny, tem-se esforçado a fim de pôr um pouco de ordem nas difusas ideias de Hitler dando-lhes estrutura, gramática e ortografia”. Outros autores como Ernst Nolte, Werner Maser, Hermann Hammer opinam mais ou menos da mesma forma. Até mesmo Ilse Hess, esposa de Rudolf Hess, o qual mais tarde tornou-se substituto de Adolf Hitler, afirmou em 1965 que ela e seu marido trabalharam arduamente durante semanas e meses para pôr “o manuscrito estilisticamente em ordem”. Um dos primeiros resenhistas da obra foi o próprio padre Stempfle. Conhecedor do texto desde suas origens, publicou uma resenha extremamente crítica que saíu no seu “Miesbacher Anzeiger” de 29 de julho de 1925. Nos anos seguintes Stempfle participou em diversas atividades políticas e, em julho de 1934 (Hitler já estava no poder há um ano), foi preso por agentes da polícia secreta no âmbito de uma “ação de limpeza política”. Foi internado no campo de concentração de Dachau, nas imediações de Munique. Alguns dias depois Stempfle foi encontrado morto numa floresta nas cercanias de Dachau. Sobre os motivos de sua morte existem inúmeras conjeturas, de forma que é difícil separar o “trigo do joio”. O historiador britânico Ian Kershaw, autor de uma monumental biografia sobre Hitler, opina que a morte de Stempfle fora um engano e que Hitler, que sempre tivera certo respeito pelo padre, não teve motivos para dar ordens de eliminá-lo. Logo após o lançamento na Alemanha, “Minha Luta” começou a ser editado na maioria dos países europeus. Na França surgiu uma edição pirata, bastante alterada contra a qual o autor Adolf Hitler, como pessoa particular, moveu uma ação judicial com ganho de causa. Em 1938 surgiu uma edição oficial naquele país. Também nos Estados Unidos surgiram edições piratas. Entre 1934 e 1944 surgiram edições oficiais em dinamarquês, sueco, português, búlgaro, espanhol, húngaro, árabe, chinês, tcheco, francês, norueguês, finlandês, tâmil e inglês. Logo que Hitler chegou ao poder em 1933, foi dada ordem para que em todos os cartórios os tabeliões, ao firmar um casamento, eram obrigados a entregar um exemplar do “Minha Luta” aos recém-casados. Para tal fim foram impressas edições luxuosas protegidas em estojo de fino acabamento. Estudantes recebiam-no por oportunidade da formatura. Milhões de exemplares foram entregues desta forma. Em português o “ Minha Luta” teve oito edições. A primeira foi lançada pela Editora Livraria do Globo, de Porto Alegre, em 1934. A Editora Mestre Jou, São Paulo, lançou-o em 1962; a Editora Afrodite, Portugal, lançou-o em 1976 baseado na brasileira de 1934; a Editora Moraes, São Paulo, lançou-o em 1983; a Editora Pensamento, São Paulo, lançou-o em 1987 baseada na edição de 1934; a Editora Revisão, Porto Alegre, lançou-o em 1990; a Editora Hugin, Portugal, lançou-o em 1998 e a Editora Centauro, São Paulo, em 2001. Não há dados concretos sobre o volume das edições entre o ano de lançamento 1925 e a morte de Hitler em 1945. Há estimativas de que só nos três países de língua alemã (Alemanha, Áustria e Suíça), tenham sido vendidos cerca de 15 milhões de exemplares e que, neste mesmo período, outros 5 milhões a 7 milhões de exemplares teriam sido publicados no exterior. Pode-se concluir que os resultados financeiros para o autor, que nem autor era e que deixou uma obra sem valor artístico-literário, não foram insignificantes. A partir de 1945 o livro continuou a sair em vários outros países, com excessão dos de língua alemã. Grupos neonazistas e outros de tendências radicais publicaram-no, a partir de 1970, em vários países da Europa. Nos Estados Unidos a Editora Houghton Mifflin, de Boston, só no ano 1979 vendeu mais de 15 mil exemplares. A partir de meados da década de 90 a Barnes & Noble começou a vender a versão americana, via internet, a interessados na Alemanha e demais países. A então ministra de justiça da Alemanha, Hertha Däubler-Gmelin, protestou junto as autoridades americanas, um protesto que não teve nehum efeito. Em Israel a obra foi lançada em inglês e hebraico. Na Croácia bem como na Rússia, onde a obra estava sob proibição até 1992, houve elevada procura a partir daquele ano. Na Índia a Editora Jaico lançou-o em 2003 e vendeu em média, até hoje, 15 mil exemplares por ano. Paralelamente há outras seis editoras na Índia que o têm à venda. No mundo islâmico o “Minha Luta”, desde o seu lançamento, sempre esteve à venda. Dependendo do país é possível encontrá-lo nas prateleiras das livrarias em árabe, francês e inglês. Em Tunis, capital da Tunísia, encontrei-o em árabe e francês. A versão em árabe diferia da original alemã pois vinha ilustrada com bom número de fotografias sobre a vida do autor.(A usual original alemã vinha apenas com uma foto: a do próprio autor). Em Cairo estive em três livarias. Nas três havia uma versão em árabe e em duas adicionalmente uma versão em inglês. No mais, em Cairo pode-se comprar a obra em quiosques ou banca de jornal. E na Alemanha, afinal, é correto o que se divulga por aí de que o “A Minha Luta” é proibido? Fato é que o Supremo Tribunal de Justiça da Alemanha decidiu em 1979 que a simples posse e a divulgação do livro, por exemplo, por antiquários, não é infração. Baseado nessa decisão o livro está disponível, a fins de estudos, nas bibliotecas públicas e universitárias. Não existe, portanto, como sempre se divulga por aí, nenhuma proibição de facto explícita por parte das autoridades do governo alemão. No entanto, a obra não pode ser reeditada por uma outra questão. Adolf Hitler, como pessoa particular, tinha residência particular registrada na Praça Prinzregentenplatz 16 em Munique. Após a sua morte seus bens foram confiscados pelos aliados e, como não tinha herdeiros diretos a não ser parentes de sua esposa Eva von Braun e uma irmã, Paula, seus bens, que incluíam também os direitos autorais, em seguida foram transferidos ao governo do Estado da Baviera que os detém a té hoje. Segundo a lei vigente os direitos autorais caducam em 31 de dezembro de 2015, 70 anos após a morte do autor. Após esta data a obra entrará em domínio público e estará livre de qualquer litígio autoral. O governo da Baviera, no entanto, tem interesse em prorrogar a caducidade da lei vigente o que, segundo renomados juristas não será possível por estar em desacordo às leis autorais vigentes na União Europeia. Renomados historiadores alemães e estrangeiros discutem, há mais de 50 anos, sobre a necessidade de publicar uma edição oficial comentada. Um projeto nesse sentido, no entanto, até hoje, não chegou a se concretizar apesar de o governo da Baviera já ter posto verba à disposição e até mesmo já ter sido nomeado uma comissão de historiadores para tal fim. Joachim Fest (1926-2006), renomado historiador alemão, autor da melhor biografia de Hitler em língua alemã, com tradução em outros idiomas inclusive o português, foi grande defensor de uma edição comentada do “Minha Luta”. Faleceu sem ver cumprido o projeto. O renomado historiador britânico Ian Kerhaw também sustenta a ideia. O governo do Estado da Baviera, como detentor dos direitos autorais, durante estes anos todos, moveu inúmeros processos contra publicações não autorizadas. Em 2004 um editor na República Tcheca foi condenado por ter vendido vendido 90 mil exemplares sem permissão autoral; em 2005 houve processo contra um editor na Polônia que terminou com a proibição da divulgação do livro naquele país. Em 2012 houve um processo contra um grupo editorial na Grã-Bretanha, no qual o governo da Baviera também ganhou a causa. Casos jurídicos houve também com editores no Azerbaijão e outros países da Ásia Central. Curioso é o interesse que desperta o livro na Turquia onde, em 2004, 15 editoras publicaram-no quase ao mesmo tempo. Estima-se que 100 mil exemplares foram vendidos naquele ano. Em 2007 o livro esteve em terceiro lugar na lista dos mais vendidos. No mesmo ano o governo da Baviera moveu um processo e conseguiu proibir a obra através da justiça turca por se tratar de edições ilegais sem consentimento autoral. O comportamento do governo da Baviera em não consentir a publicação nada mais é do que uma proibição indireta nunca criticada pelas autoridades federais da Alemanha. Na era da internet não faz nenhum sentido manter esta pseudoproibição já que “A Minha Luta” está disponível para download na internet em vários idiomas, inclusive em português. Ademais existem várias versões comentadas não oficiais, de diferentes autores, livremente comercializadas na internet. Uma proibição, portanto, é um anacronismo ou, em outras palvras, é o mesmo que querer “tapar o sol com a peneira”. O governo da Baviera sempre argumentou que sua recusa de não permitir novas edições por editoras alemãs e estrangeiras não se baseia no conteúdo, mas simplesmente em seus direitos autorais. Em verdade, um argumento pouco convincente. Argumentar que a obra representa um perigo em mãos de grupos radicais não é válido já que hoje existem publicações aos montes que são definitivamente piores do que “Minha Luta”. Basta ler as diferentes “Chartas” de grupos radicais islâmicos que circulam por aí. Além disso, ninguém se torna criminoso pelo fato de ler um romance policial e ninguém se torna nazista pelo fato de ler “Minha Luta”. “O único que deveria ser proibido é a ‘Lista dos Livros Proibidos’ ”. Desconheço o nome do autor desta frase. Em todo caso, é válida.

Linha férrea entra China e Alemanha transporta material por 10.200 quilômetros, numa viagem que dura 17 dias e diminui o valor do frete à metade em relação ao transporte aéreo
[caption id="attachment_15754" align="alignleft" width="620"] Vladimir Putin sabe o que faz. Logo, a situação atual na Crimeia não é algo novo, muito menos impensado[/caption]
O Iraque, a Líbia, a Síria, o Afeganistão, a Chechênia, a Faixa de Gaza. Onde quer se olhe, casas, vilas e cidades arrasadas, escombros, um mar de ruínas, resultado de sangrentas guerras que o mundo não mais tinha presenciado desde o fim da 2ª Guerra Mundial, em 1945. Milhares de mortos, milhões de desalojados, perdas de lares e bens, massas em fuga ou precariamente abrigadas em campos de refugiados sob a proteção da Organização das Nações Unidas (ONU). Um caos, cenas dantescas no início do século 21.
Não é nossa intenção abordar as causas (que são várias) desse inferno que estamos presenciando. A pergunta que preocupa é: qual será o próximo país a ter o mesmo fim? A Somália, o Quênia, o Iêmen, o Egito, o Mali, a Nigéria, a Argélia, a Tunísia, a Turquia, a Grécia, os Bálcãs, Portugal, Espanha? Ou talvez a Ucrânia?
São estes os alvos do IS (Islamic State, inglês para Estado Islâmico, EI), delineados num mapa que circula nas redes sociais, aparentemente divulgado pelo próprio EI, grupo radical islâmico que, no Iraque e na Síria, com métodos de absoluto barbarismo, procura metralhar o mundo de volta à Idade Média por não se conformar com a forma de ser das sociedades ocidentais e por não acreditarmos naquilo que pregam.
A teoria de Samuel P. Huntington, exposta em sua obra “O Choque das Civilizações e a Recomposição da Nova Ordem Mundial no Século 21” (Editora Objetiva, 1997) revela ser, cada vez mais, um choque das religiões. No Iraque, grupos fraticidas sunitas, xiitas e curdos, todos discípulos de Maomé, trucidam-se entre si ao mesmo tempo que trucidam crentes de outras religiões como os iazidis, grupo minoritário cristão que, aos milhares, foram obrigados a abandonar suas casas e aldeias e refugiar-se sem água, comida e sem teto nas áridas montanhas da região. Acontecimentos impensáveis, lamentavelmente reais, neste início do século 21.
Poder-se-ia crer que a visão de Osama bin Laden, de criar um estado islâmico desde a Malásia até o Marrocos, está em pleno andamento. A visão do EI vai mais longe, pois inclui também a Europa e já proclamou a criação do novo califado islâmico do século 21. O mapa em questão indica que “até 2020 o califado islâmico do século 21 deverá estender-se de Lisboa ao Paquistão”. (O Oriente Médio, neste mapa, tem uma configuração semelhante à que tinha antes da 1ª Guerra Mundial).
Não é possível fingir que se esses acontecimentos não são de nosso interesse, como se não nos atingissem por estarem acontecendo longe de nossas casas, de nossas cidades e de nossas fronteiras. Soldados de guerras do passado sabiam da existência de fronteiras; os guerrilheiros encapuzados de hoje ignoram sua existência. Vide os atentados ao World Trade Center; em Madrid; Londres; na Chechênia; no teatro em Moscou; na escola em Beslan. Os mesmos encapuzados infiltraram-se também entre os demonstrantes da Praça Maidan, em Kiev, e, não demorará, estarão presentes também no leste da Ucrânia.
Pode-se discutir acerca da seriedade ou da periculosidade da visão binladista ou do novo califado islâmico do século 21. No entanto, não se pode dúvidar sobre o fato de que os homens-bomba do EI, al-Qaeda, Boko Haram ou Al-Shabab — todos grupos ultrarradicais islâmicos, apesar de não representarem nenhuma nação, não tenham exércitos oficiais, organizados apenas em grupos de mercenários terroristas —, estão em condições de atacar, colocar bombas, explodir prédios ou degolar pessoas em qualquer lugar.
Acrescido a estes desenvolvimentos fanáticos-religiosos o mundo ocidental, especialmente a Europa, se vê confrontado com outra situação não fanático-religiosa, mas de estratégia geopolítica: a da Ucrânia!
A atual política europeia está focalizada nos desenvolvimentos naquele país. Os czares russos e o posterior Império Soviético, viam-no como seu celeiro em virtude do clima ameno, terras férteis e vastas planícies ideais para a agricultura. Pelas mesmas razões foi cobiçada também por Hitler na 2ª Guerra Mundial. Na época, a Ucrânia foi palco de violentas lutas entre exércitos alemães e russos com milhares de mortos e outros tanto deportados.
A medida inesperada de Vladimir Putin, presidente da Rússia, de anexar a Crimeia, a península de 26,8 mil km² ao sul da Ucrânia (mais ou menos à superfície do Estado de Alagoas), integrando-a no território russo com o argumento de proteger a população russa que, por gerações, lá vive, pôs o mundo ocidental em estado de alarme.
Alguns políticos do mundo ocidental costumam dizer que não sabem o que Putin pensa; outros dizem que ele diz uma coisa e faz outra. Enganam-se. Putin que, durante 16 anos, trabalhou como representante da KGB na Alemanha Oriental, sabe perfeitamente o que diz e faz. Aprendeu a “pensar e analisar um assunto do início ao fim” e é mestre em dizer coisas importantes de forma escondida. Não é o que diz, mas como as diz, é a artimanha verbal que domina.
Putin certamente não “abocanhou” a Crimeia como represália aos acontecimentos na Praça Maidan ou pela deposição de Víktor Yanukóvytch, seu aliado em Kiev. Putin simplesmente aproveitou os dias turbulentos em Kiev e os nascentes movimentos separatistas no leste da Ucrânia para tomar uma medida geoestratégica há muito planejada.
Ao anunciar a decisão, Putin estava ciente de que a anexação não estaria isenta de problemas que irá resolver da forma como os pensou até o fim. Putin sabe também que, entre o início e o fim de seu projeto, haverá “estragos colaterais” tanto seus como de outros, que, muito provavelmente, não serão insignificantes.
No decorrer de sua história, desde a Antiguidade até ao fim da Idade Média, a Crimeia sempre foi uma península cobiçada. A região foi povoada por tártaros, mongóis, gregos, genoveses, romanos, venezianos, bizantinos, turcos e outros povos eslavos que deixaram lá seus vestígios. Mas só a partir do século 19 a Crimeia começou a se modernizar. Foi a época em que as famílias dos czares e representantes da alta nobreza russa erigiram seus palácios de verão na costa sul. A região transformou-se num paraíso de férias e de repouso onde os “ricos, nobres e belos” passavam férias nas praias do Mar Negro.
Muitos autores conhecidos e membros da intelectualidade russa iam à Crimeia para longos períodos de repouso. Anton Tchekhov, por motivos de saúde, até fixou residência definitiva no local. No período da União Soviética a Crimeia foi uma espécie de sanatório coletivo onde o governo costumava enviar seus funcionários públicos para períodos de repouso. Nas temporadas de verão chegavam até 10 milhões de veranistas. Por conta do Estado!
Não raro, políticos europeus perguntam: “Afinal, o que quer Putin?” Ora, suas intenções parecem claras. Para explicá-las comecemos com algumas informações sobre a Crimeia essenciais para entender os motivos pelos quais a Rússia, apesar de seus líderes negarem, ter interesse (ou a necessidade) em “abocanhar” o leste da Ucrânia, região dos atuais confrontos com grupos separatistas.
A Crimeia, abençoada por seu clima e belezas naturais, tem sérios problemas de água. A península não tem nenhum rio de grande porte e, por isso, 85% da água consumida para uso doméstico, industrial e para a irrigação, vem do rio Dniepre da Ucrânia através de vários canais. O maior e mais importante deles é o Canal do Norte. Uma interrupção provocada, deliberada ou acidentalmente, no suprimento de água seria fatal para a região. E a Ucrânia já ameaçou tal medida.
Além disso, a Crimeia tem um problema energético de forma que a população vive em constante receio de total “blackout”. Em 1976 foi iniciada a construção de uma usina de energia nuclear, o “Reator Nuclear da Crimeia”. Depois de 13 anos de trabalho, a obra foi paralizada, em 1989, e entrou no “Guinness World Record” (Livro Guinness dos Recordes) como o mais caro reator atômico do mundo. Acrescente-se: que não fornece energia.
O maior empecilho russo, no entanto, é o fato de a Rússia não ter acesso por terra à Crimeia. Quem viaja de automóvel da Rússia para o local, forçosamente terá que passar pelo leste do território da Ucrânia, a região beligerante. A única ligação da Rússia com a Crimeia é uma ponte da via férrea que liga o lado russo com a cidade de Kertsch, na ponta extrema leste da região, através do estreito de Kertsch que liga o Mar de Azov com o Mar Negro.
Poucos dias após a anexação da Crimeia pelo governo russo, Putin declarou que, em 18 de março de 2014, já foi aprovado um projeto para a construção de uma ponte entre a Península de Taman, na região de Krasnodar (lado russo) sobre o Estreito de Kertsch, até Kersch (na Crimeia). Uma obra de uns 20 quilômetros, ao custo estimado de 4,7 bilhões de euros (cerca de R$ 15 bilhões). O projeto deverá ficar pronto até 2020.
Putin, portanto, já previu em seus planos que, para estabilizar a Crimeia a longo prazo, terá que garantir o suprimento de água, de energia e possibilitar o acesso por terra ao local. A soma de todas essas medidas provavelmente é superior aos custos que terá para “abocanhar” o leste da Ucrânia (e talvez toda a Ucrânia) mesmo com a inclusão dos “estragos colaterais”. Além disso, Putin terá que proteger a Frota do Mar Negro, parte da frota marítima russa ancorada em Sevastopol e outros portos dos mares Negro e Azov.
Caso Bruxelas, Washington e Moscou não conseguirem solucionar a crise por vias diplomáticas, a Ucrânia poderá ser vítima, poderá transformar-se numa Chechênia, em caos, com cenas dantescas como as descritas no início deste texto. Putin não só pensa, ele age, age até o fim até criar a já anunciada “Nova Rússia”!
Gavrilo Princip, o jovem estudante bósnio que assassinou Franz Ferdinand, príncipe herdeiro do trono áustro-húngaro, em 28 de junho de 1914 em Sarajevo, mudou, sem que o intencionasse, os rumos da História. O atentado não só alterou a configuração do mapa político europeu. Provocou, além disso, grandes alterações de limites além das fronteiras europeias, especialmente no Oriente Médio e na África. Nunca um atentado teve repercussões políticas, geopolíticas, econômicas e sociais tão abrangentes. Princip, membro da organização secreta “Mlada Bosna” (Nova Bósnia) de orientação nacionalista revolucionária, lutava contra a anexão da Bósnia e Herzegovina, em 1908, pelo império Áustro-Húngaro, um plano que Viena vinha perseguindo desde 1880 e que, para alguns historiadores, é a verdadeira origem da 1ª Guerra Mundial. Até a anexação em 1908, a Bósnia e a Herzegovina faziam parte do Império Otomano. A anexação foi apoiada pela Rússia que, baseado num acordo secreto com a Áustria, recebeu apoio desta para o cobiçado controle do Estreito do Bósforo, uma saída para a Rússia pelo Mar Negro para o Mediterrâneo. O objetivo russo não chegou a se concretizar. Segundo os autos do processo, Gavrilo Princip não atuou sozinho. Teve dois cúmplices diretos, Nedeljko Cabrinovic (19 anos) e Trifko Grabez (18 anos), ambos pertencentes à Narodna Odbrana (Proteção Popular) outra organização secreta sérvia nacionalista que, por sua vez, tinha vínculos com várias organizações secretas entre as quais a “Mão Negra”, da qual foi recrutada a maioria dos participantes do atentado. Houve outras figuras atrás do atentado, entre as quais a mais importante, Dragutin T. Dimitrijevic, mais conhecido por seu apelido “Apis”, chefe do serviço secreto do exército sérvio. Apis, uma figura extremamente obscura costumava aparecer sempre nos lugares onde havia tensões ou conflitos. Por esta razão era conhecido na região dos Bálcãs. Milan Ciganovic, outro membro do serviço secreto sérvio, teve importante atuação nos preparativos do atentado. Morava na mesma casa na qual morava Gavrilo Princip. Foi o “orientador” dos três jovens, forneceu-lhes as armas e deu-lhes instruções em seu manejo. Ciganovic tinha dúvidas quanto à “qualificação” de Gavrilo Princip. Chegou até a abordá-lo com a intenção de substituí-lo por outro candidato mais capacitado. Gavrilo Princip, no entanto, insistiu em querer cumprir a tarefa. Foi assim que entrou na História: como verdadeiro assassino do príncipe herdeiro Franz Ferdinand. Todos os participantes envolvidos, um grupo de 20 pessoas, foram presos e condenados. Três foram condenados à morte, os demais a penas entre 8 e 20 anos. Gavrilo Princip não foi condenado à morte porque ainda não tinha atingido a maioridade (faltavam-lhe quatro semanas). Foi condenado a 20 anos de prisão dos quais cumpriu apenas quatro. Era tuberculoso e a cela úmida e escura na qual fora confinado precipitou sua morte, aos 24 anos. Gavrilo Princip era visto, na antiga Iugoeslávia, como herói nacional e a Sérvia, até hoje, venera-o como o seu maior ídolo. Em 7 de maio de 1945 a municipalidade de Sarajevo homenageou-o com uma placa comemorativa. Na calçada do local do atentado encontra-se uma placa com a incrustação da sola de suas botas já colocada naquele lugar antes de 1945. Seis cidades da Bósnia e da Herzegovina lembram-no com nomes de ruas que permanecem até hoje. No ano em que transcorre o centenário da eclosão da 1ª Guerra Mundial a Sérvia lembrou a data à sua maneira: em 27 de junho passado (faltava um dia para completar o centenário do atentado) políticos da cúpula do governo da Sérvia e da Bósnia e demais autoridades inauguraram em Sarajevo o primeiro monumento em homenagem a Gavrilo Princip. A obra foi financiada pelo governo sérvio e pelo cineasta Emir Kusturica que, na oportunidade, anunciou erigir um segundo monumento em outra cidade cujos custos correrão por sua conta. Há fontes que afirmam que a 1ª Guerra Mundial poderia ter sido evitada se as autoridades em Viena tivessem levado a sério uma informação procedente de Belgrado. O historiador australiano Christopher Clark registra o episódio em seu livro “The Sleepwalkers. How Europe Went to War in 1914”: Nikola Pasic, chefe de governo da Sérvia na época do atentado, um político e intelectual respeitado, ouvira rumores de que algo estava sendo tramado por oportunidade da visita do príncipe herdeiro Franz Ferdinand a Sarajevo. Pasic, que era austrófilo, resolveu informar o plenipotenciário sérvio em Viena que tinha bom relacionamento com Leon Biliski, na época, ministro de finanças áustro-húngaro. Leon Biliski foi informado de acordo mas ignorou a informação e, consequentemente, nenhuma medida foi tomada no sentido de cancelar ou adiar a programada viagem do principe herdeiro a Sarajevo. (Outros autores também comentam o assunto). A viagem foi concretizada e, após o atentado, o mundo entrou em turbulências com consequências catastróficas, algumas das quais continuam causando conflitos até hoje. As consequências imediatas do conflito são amplas e minuciosas, razão pela qual nos limitaremos a mencionar apenas as de maior repercussão. As três grandes monarquias europeias (Rússia, Áustria-Húngria, Alemanha) e o Império Otomano desaparecem. É esta, talvez, uma das maiores repercussões. A política colonial da Europa entrou em declínio o que provocou grandes alterações territorias, especialmente no Oriente Médio e na África, onde arbitrariamente foram traçadas novas fronteiras e limites territoriais sem considerar os diferentes grupos étnicos e religiosos. Muitos conflitos de hoje, especialmente nos Bálcãs, no Oriente Médio e no norte da África são consequências diretas daquelas decisões arbitrárias. O Iraque é apenas um exemplo onde, atualmente, três grupos religiosos de diferentes etnias se digladiam por terem sido confinados arbitrariamente num território comum. A Alemanha perdeu grande parte de seu território: a Alsácia-Lorena ficou com a França; Eupen-Malmedy com a Bélgica; parte de Schleswig ficou com a Dinamarca; parte da Prússia Ocidental e da Silésia passaram à Polônia. Além disso, a Alemanha perdeu todas as suas possessões coloniais na África: Togo, Namíbia, Tansania (sem Sanzibar), Burundi, Ruanda e parte de Moçambique que, somadas as superfícies, equivaliam quase ao dobro do então Império Alemão. No Pacífico perdeu Samoa, Papua-Nova Guiné e na China teve que entregar Tsingtau. O Império Áustro-Húngaro desintegra-se; a Rússia, vencedora da guerra, mesmo assim perde parte de seu território à Polônia, à Finlândia e aos países bálticos. A Europa perde a hegemonia mundial e os Estados Unidos da América surgem como nova potência. A Inglaterra ainda consegue manter o seu império colonial mas perde em influência; o mesmo vale à França. Ambos os países encontram-se altamente endividados com os Estados Unidos. Na Alemanha forma-se a República de Weimar que, logo de saída, encontra-se em difícial situação. Pressões da Direita e da Esquerda, muitos partidos, a maioria com tendências antidemocráticas, nasce a semente para a futura chegada de Hitler ao poder. O Tratado de Versalhes e a condenação da Alemanha ao pagamento de altas reparações de guerra é a grande hipoteca que pesa sobre a Alemanha e que contribuíu para o fim da República de Weimar. Com o fim da monarquia czarista, a Rússia surge como novo gigante no palco mundial. A Revolução Bolchevique que, com Lenin liderou a revolução de 1917, foi apenas o início de um longo período de sofrimento do povo russo que custou a vida de 13 milhões de pessoas e que culminou com a ditadura stalinista. O Oriente Médio até hoje continua sendo uma das grandes vítimas da 1ª Guerra Mundial. O acordo secreto Sykes-Picot, de 16 de maio de 1916, entre a Grã-Bretanha e a França, definiu as áreas de influência das duas nações no atual Israel, Iraque, Irã, Jordânia, Líbano e Síria, após a queda do Império Otomano. Sem o acordo secreto Sykes-Picot, sem o traçado arbitrário das novas fronteiras, o mapa político e religioso do Oriente Médio teria hoje outra configuração e é provável que as guerras entre Israel e árabes de 1948, 1956, 1967 e 1973 bem como os atuais conflitos na Síria, no Líbano, na Faixa de Gaza, nas Colinas de Golã, no Iraque não teriam acontecido. Dos “escombros” do Império Otomano o general Mustafa Kemal criou a secular República da Turquia e por isso recebeu o honroso nome de Atatürk, isto é, “Pai da Turquia”. A modernização laicista iniciada por Atatürk nunca foi isenta de tensões internas. Apesar da aproximação da Turquia com o Ocidente, apesar de sua filiação à Otan, a Turquia não chegou a concretizar seus objetivos de tornar-se membro da União Europeia. Em virtude dos recentes acontecimentos no mundo islâmico este anseio está longe de concretizar-se. Nos Bálcãs e em alguns países do leste europeu como na Polônia, Lituânia, Estônia, Letônia, na Tchequia, Eslováquia a 1ª Guerra Mundial contribuíu para que estes países novamente voltassem a sentir “identidade nacional”. O vácuo deixado pela queda do Império Áustro-Húngaro e do Império Czarista Russo originou novos conflitos que culminaram com as guerras na ex-Iugoeslávia no fim do século XX. O historiador Herfried Münkler observa: “O Bálcã pós-imperial continua a causar problemas ao europeus até hoje e o fim desta situação infelizmente não é previsível. O relacionamento com os países desta região deve ser de extremo cuidado. É este um dos aprendizados políticos da 1ª Guerra Mundial”. Os Estados Unidos demoraram para entrar no conflito. As primeiras tropas chegaram à Europa só em abril de 1917 e, no fim, um total de 2,1 milhões de soldados contribuíram para dar novo rumo aos conflitos, embora o sonho do presidente Woodrow Wilson (1856-1924) de paz justa e uma nova ordem mundial não chegou a concretizar-se. A entrada dos Estados Unidos na 1ªGuerra Mundial marcou o início da supremacia americana. Sem a intervenção americana o andamento da guerra certamente teria se desenvolvido de forma diferente. Pouco mais tarde a vitória da democracia americana sobre o fascismo na Alemanha e na Itália bem como sobre o militarismo no Japão mais uma vez contribuiu para o surgimento de um novo império no Oriente: a China comunista. Os herdeiros de Mao são os únicos e verdadeiros concorrentes em pé de igualdade com a hegemonia americana. Mas agora, caro leitor, já estamos na 2ª Guerra Mundial. Entre o início da 1ª Guerra Mundial em 1918 e o início da 2ª em 1939 decorreram 30 anos. Há historiadores que afirmam que neste período a Europa viveu a sua 2ª Guerra dos Trinta Anos (1618-1648). Entre o fim da 2ª Guerra Mundial (1945) e a queda da União Soviética (1991) decorreram 46 anos de Guerra Fria. Mas as heranças da 1ª Guerra Mundial estão presentes entre os europeus (e outras partes do mundo) até hoje. Na Europa e nos Estados Unidos, há cerca de 25 anos, começou a manifestar-se um novo grupo de historiadores já conhecidos como “historiadores alternativos”. Seu objeto de estudo é a “história alternativa”. A pergunta que formulam, mesmo para diferentes assuntos, é sempre a mesma e posta sempre no conjuntivo como por exemplo, “ o que teria acontecido se...” Daí a razão de chamarem este novo estudo de “Especulação Histórica Conjetural”. Um dos expoentes deste novo tipo de historiadores é o alemão Dr. Karlheinz Steinmüller, um estudioso com diploma em Física, autor de vários livros de ficção científica e que se ocupa com história alternativa e futurologia. O jornalista Christian Aichner, membro da redação de www.web.de confrontou Karlheinz Steinmüller com a pergunta hipotética: “O quê teria acontecido se Franz Ferdinand não teria sido vítima de atentado?” É claro que as respostas de Steinmüller só podem ser hipotéticas, mesmo assim, são altamente interessantes e não estão em contradição com as afirmações feitas ao longo deste texto. Em suas considerações, que aqui apenas poderemos dar de forma resumida, o Dr. Steinmüller apoia-se nos estudos do professor britânico Niall Ferguson, da Universidade de Harvard, que é visto como especialista em Finanças, Economia e História Europeia. O professor Dr. Karlheinz Steinmüller responde à pergunta formulada da seguinte maneira: “Se Franz Ferdinand não tivesse sido morto em atentado provavelmente: — a 1ª Guerra Mundial não teria eclodido quatro semanas depois; — toda a concatenação de episódios, isto é, a declaração de guerra do governo Áustro-Húngaro contra a Sérvia, a entrada da Alemanha na guerra em 3 de agosto de 1914, o apoio da Rússia à Sérvia, a entrada da França na guerra não teria acontecido e a chamada “catástrofe seminal do século 20” não teria ocorrido; — não teríamos tido a queda do Império Alemão e do Império Áustro-Húngaro e consequentemente não teríamos tido o Tratado de Versalhes; — não teríamos tido a Revolução Russa de novembro de 1917; — não teria ocorrido o genocídio dos armênios pelos turcos (Observação minha: Que os turcos negam-se a admitir até hoje); — não teríamos tido a ascenção de Adolf Hitler ao poder. Neste caso Hitler acabaria sendo um pintor, talvez mais, talvez menos, conhecido; — sem a 1ª Guerra Mundial não teríamos tido a 2ª Guerra Mundial nem a consequente Guerra Fria; — não teríamos tido o holocausto; — teríamos tido, bem mais cedo, o conflito Norte-Sul entre os antigos países coloniais e suas colônias; — talvez a 1ª Guerra Mundial teria eclodido bem mais tarde e não teria sido tão brutal nem tão global; — a integração europeia teria começado bem mais cedo; — muitos estudiosos da História Alternativa partem do princípio que, sem a 1ª Guerra Mundial, a Europa e o mundo teriam tido um desenvolvimento mais humano”. São estas as considerações do professor Karlheinz Steinmüller. Certas ou erradas? O leitor que opine! Em todo caso dão motivo para reflexão e estudo. O estudo da 1ª Guerra Mundial é amplo e complexo. Aqueles que queiram aprofundar-se no assunto terão que estudar a História Europeia, a História do Império Alemão, a História do Império Russo, a História do Império Áustro-Húngaro e do Império Otomano. Terão que estudar o Colonialismo Europeu, a Guerra Franco-Alemã de 1870/71, as Guerras Napoleônicas, a Revolução Francesa, as guerras de Gustavo Adolfo da Suécia, a Guerra dos Trinta Anos e a Reforma, o grande acontecimento da Idade Média, que continua repercutindo até aos nossos dias. Voltemos, para encerrar, à 1ª Guerra Mundial: Os sérvios levaram um século para erigir um monumento em memória do assassino Gavrilo Princip, uma medida que não foi vista de bom grado no resto da Europa pois demonstra que os atuais sérvios mantém viva a chama de ódio contra as gerações sucessoras do Império Áustro-Húngaro. Os demais europeus também levaram um século para realizar uma cerimônia oficial à nível europeu em memória dos milhões de soldados e civis mortos e desaparecidos. Realmente nunca houve, neste século após o atentado de Sarajevo em 28 de junho de 1914, uma cerimônia cívica a nível de chefes de governo europeus para rememorar àqueles milhões que tragicamente perderam a vida simplesmente por uma política egoísta, expancionista e militarista que era o espírito da época. Tal encontro ocorreu, pela primeira vez, em 28 de junho de 2014 em Ypern, pequena cidade próxima a Bruxelas, em cujas cercanias teve lugar a primeira aplicação de gás tóxico pelo exército alemão. (Ver mesma coluna, Jornal Opção, Edição 2.042 na qual nos referimos ao assunto). Ypern é símbolo para a 1ª Guerra Mundial e muitos vestígios da guerra ainda podem ser vistos nas redondezas. Há muitos cemitérios de soldados mortos espalhados pela Bélgica, Holanda, França, Alemanha e outros países. São lugares vistos como santuários, bem conservados e visitados anualmente por milhões de pessoas. A cerimônia contou com a presença da cúpula da União Europeia bem como a de seus 28 chefes de Estado. Ficou, no entanto, a impressão de que o encontro só teve lugar porque os 28 chefes já se encontravam em Bruxelas para uma já programada reunião de cúpula que começaria na noite daquele mesmo dia. Jean-Claude Junker, também presente no ato e futuro presidente da Comissão Europeia, sucessor de José Manuel Barroso, que deixa o cargo em outubro próximo, resumiu: “Quem quiser conhecer a Europa de hoje, que visite os cemitérios dos soldados que caíram na 1ª Guerra Mundial”.

[caption id="attachment_13508" align="alignleft" width="620"] Cena da 1ª Grande Guerra Mundial: mais de 13 milhões de mortos e 21 milhões de mutilados e traumatizados[/caption]
No Jornal Opção número 2.034, de 29 de junho a 5 de julho de 2014, tratamos da dificuldade histórica de responder à pergunta: “Quem, afinal, iniciou a 1ª Guerra Mundial (1914-1918)? Abordaremos hoje algumas razões que contribuíram para que aquele conflito assumisse proporções globais catastróficas.
O assassinato de Franz Ferdinand, herdeiro do trono do império Áustro- Húngaro, em Sarajevo, capital da Bósnia-Herzegovina, em 28 de junho de 1914, mudou os rumos da História Europeia. O incidente provocou uma reação em cadeia que culminou com a deflagração da 1ª Guerra Mundial, a “grande catástrofe seminal do século 20” (George F. Kennan). Historiadores de algumas regiões dos Bálcãs denominam-na de “Apocalipse da Época Moderna”.
Em 5 de julho de 1914, uma semana após o atentado, o imperador Guilherme II da Alemanha enviou ao governo em Viena uma mensagem deveras imprudente: “Façam o que quiserem e terão o nosso irrestrito apoio”. A mensagem foi interpretada como “carta branca” e, posteriormente, no Tratado de Versalhes, serviu de argumento para imputar a Alemanha a culpa pela deflagração da guerra. O artigo 231 estabelecia o “reconhecimento da culpa por parte dos alemães por todos os danos e perdas...”.
Baseado no “irrestrito” apoio da Alemanha, o governo de Viena enviou um ultimato ao governo da Sérvia, que se recusou a aceitá-lo. Em consequência, em 28 de julho, a Áustria declarou guerra àquele país. Imediatamente a Rússia começou a mobilizar suas tropas, o que serviu de pretexto para que a Alemanha declarasse guerra contra a Rússia em 1° de agosto e contra a França em 3 de agosto. Já no dia seguinte, 4 de agosto, a Inglaterra entrou no conflito ao declarar guerra contra a Alemanha.
Entre o atentado em Sarajevo (28 de junho) e a declaração de guerra da Alemanha contra a Rússia (1º de agosto) decorreram 33 dias. Durante este período, que costuma ser chamado de Crise de Julho, houve constante troca de mensagens entre os governos das potências europeias. Historiadores modernos afirmam que durante este intervalo apresentaram-se inúmeras oportunidades que, se tivessem sido aproveitadas, poderiam ter evitado o início do conflito. No entanto, os interlocutores da época não souberam e, aparentemente, não queriam evitar o confronto. As potências europeias da época viviam em exacerbado orgulho patriótico com profundos sentimentos nacionalistas e, não por fim, as ambições de expansão colonialista serviram para fomentar a mentalidade belicista reinante na época em todas as potências europeias.
Para melhor compreensão é imprescindível abordar a situação da Sérvia nas quatro décadas anteriores ao atentado. Há historiadores que veem este pequeno país balcânico como “agente provocador” que teve marcante participação na eclosão daquela catástrofe mundial que acabou envolvendo 68 países nos 5 continentes; outros veem a Sérvia como culpada. O império Áustro-Húngaro, através de seu governo em Viena, observava com desagrado as crescentes ideias nacionalistas dos sérvios e culpavam-nos por suas aspirações expansionistas. Verdade é que reinava uma tensa aversão recíproca entre os dois países a qual, evidentemente, teve alguns antecedentes. Quais foram, afinal, estas ideias expansionistas?
A Sérvia, mais ou menos à partir de 1870, passou por um período turbulento de sua história. Lembramos que, na época, grande parte da região dos Bálcãs encontrava-se sob o jugo do Império Otomano e ningém mais do que os sérvios queriam livrar-se da dominação turca.
Os sérvios, como nação, estavam separados. Além de se encontrarem sob controle turco, havia muitos sérvios distribuídos pelos Bálcãs que estavam sob controle húngaro e outros sob controle austríaco. Adicionalmente havia boa população sérvia na Macedônia onde, no início do século (1903) houve violentas lutas de sérvios contra turcos e búlgaros.
Também na Bósnia e na Herzogovina a população, em algumas regiões, era formada preponderantemente por sérvios. A Bósnia e a Herzegovina, no entanto, encontravam-se sob controle austríaco e, em 1908 foram anectadas pela Áustria uma decisão que a Sérvia de maneira alguma aceitou e foi esta uma das razões pelas quais esta refutara o ultimato de Viena.
A ideia expansionista da Sérvia em verdade foi uma preocupação com acentos quase paranóicos de Viena pois a Sérvia nada mais quis do que reunir o seu próprio povo distribuído por vários países e aglomerá-lo em apenas um país, em seu próprio. Além disso, uma Sérvia unida, que os austríacos chamavam de Pansérvia, em termos de potência, dificilmente poderia tornar-se um perigo para o Império Áustro-Húngaro que, na época, era formado pela Áustria, Hungria, Croácia, Eslovênia, Bósnia, Herzegovina, Tchequia, Eslováquia, parte da Romênia, parte de Montgenegro, parte da Polônia, parte da Ucrânia, parte da Itália (Trentino, Sul do Tirol e Venetia), e a Vojdina (parte da Sérvia). Após a Rússia, a dupla monarquia áustro-hungara era o segundo maior país europeu em expansão territorial e o terceiro em população.
Para realizar seus planos de expansão e incrementar a economia a Sérvia precisava de capital. Inicialmente Viena foi pródiga em propiciar créditos mas aos poucos os austríacos começaram a dificultar a liberação de verbas e demais implementos. O governo de Viena aumentou os juros e dificultou as importações de produtos agrícolas da Sérvia mediante elevada taxação. Os sérvios, vendo-se “estrangulados” pelos austríacos, foram obrigados a procurar outras fontes de capital. Encontraram-nas na França, onde banqueiros franceses de bom grado preencheram o lugar das fontes de Viena. Além de capital, implementos e armas que fluíam da França, a Sérvia, a partir de 1905, estabeleceu vários acordos com o governo francês. A orientação da Sérvia em direção à França em nada agradou ao governo de Viena.
A 1ª Guerra Mundial não teria decorrido com tanta dramaticidade sem as descobertas técnicas e cientificas na segunda metade do século 19. Em 1876 o alemão Nikolaus August Otto inventa o motor a explosão, uma descoberta que teve grande influência nesta primeira guerra global; nove anos depois; em 1885, os alemães Gottlieb Daimler e Karl Benz, independentemente, constroem o primeiro automóvel. Os irmãos Wilbur e Otto Wright, Santos Dumont, John Joseph Montgomery, Otto Lilienthal, Percy Pilcher, Octave Chanute testam “máquinas” voadoras. No começo do século 20, em 1906, apenas oito anos antes da eclosão da 1ª Guerra Mundial, Santos Dumont alça voo com o seu 14-bis, uma “máquina mais pesada que o ar, capaz de gerar a potência e sustentação necessária por si mesma”. (O assunto historiamente é polêmico).
Fato é que a invenção deste artefato voador, o aeroplano, teve um desenvolvimento técnico rapidíssimo e o seu uso nas batalhas da 1ª Guerra Mundial foi, em muitos casos, decisivo. Foi a primeira guerra na qual foi possível observar a movimentação do inimigo visto das alturas, o que propiciou enormes vantagens aos exércitos que possuiam tal equipamento. Impressionante também foi que, nesta prematura época da aviação, já se destacaram pilotos que entraram nos anais da História da Aviação. Do lado alemão o inesquecível Manfred von Richthofen (1892-1918), mais conhecido por Barão Vermelho e do lado francês, René Fonk (1894-1953), não menos inesquecível por sua atuações corajosas que não ficavam atrás daquelas de seu inimigo voador von Richthofen.
O recém-desenvolvido equipamento de telefonia móvel para uso em campanha facilitou a comunicação entre as trincheiras e postos de comando. A metralhadora e demais armas de fogo, minas, e outros artefatos bélicos foram aperfeiçoados de forma rapidíssima e transformaram-se em instrumentos mortais nunca vistos em guerras anteriores. O tanque, uma invenção britânica, foi usado pela primeira vez numa guerra. A 1ª Guerra Mundial foi a primeira guerra documentada, do início ao fim, pela fotografia e pelo cinema.
Ambos os instrumentos, além de servirem como valiosa fonte de documentação, tiveram relevante importância no desenrolar dos acontecimentos pois serviram de meio propagador. Muito cedo notou-se que estes dois meios também serviam de “instrumento” de guerra. Fotografias e filmes eram manipulados, alterados com cenas falsificadas para enganar ou influenciar o inimigo. Foi esta uma das razões pela qual a Alemanha os pôs sob censura.
Houve outras razões que contribuíram para tal medida: a população começou a inquietar-se com as crueis e desumanas cenas fotográficas divulgadas que mostravam centenas e milhares de soldados mortos nos campos de batalha. As mulheres procuravam em cada foto por seus maridos ou pelo(s) filho(s) que se encontravam no front.
A situação interna na Alemanha começou a tornar-se difícil em consequência do bloqueio britânico e da falta de homens que estavam no front, o que impediu os trabalhos agrícolas. Faltavam braços para o preparo da terra, semeaduras e colheitas e, em consequência, começaram a faltar víveres e o pouco que havia tinha que ser enviado aos soldados nos campos de batalha. Estes, por sua vez, preocupavam-se com a situação “em casa”, o que não contribuía para o moral das tropas.
Os generais do Alto Comando Militar em Berlim inquietaram-se com este conjunto de circunstâncias. O que mais os preocupou, no entanto, foi a forma astuciosa como o inimigo começou a usar o filme como meio de propaganda de guerra psicológica. Como represália, em 13 de janeiro de 1917, os militares criaram o Bufa (sigla para “Bild-und Filmamt”) um órgão encarregado para a produção de filmes que, já no fim daquele mesmo ano, foi transformado em UFA (Universum Film AG), uma companhia cinematográfica que sobreviveu as duas guerras e existe até hoje, em Potsdam, ao sul de Berlim.
O Bufa e posteriormente a UFA produziram filmes em quantidade por duas razões: como propaganda de guerra psicológica e para entreter os soldados no front. Para tal fim foram construídos cinemas ambulantes cujos equipamentos eram montados sobre as carrocerias de caminhões que iam aonde estavam os soldados e que, à noite, quando normalmente não havia combate, não tinham o que fazer.
Os responsáveis, no entanto, cuidaram de só produzir filmes e documentários positivos que nunca mostravam a dura realidade “em casa”, onde o povo sofria com a falta de víveres, com as filas, com as demonstrações e com os confrontos com a polícia. E, para não preocupar os que estavam “em casa” evitava-se mostrar cenas horripilantes dos combates, dos feridos, dos mutilados e dos milhares de soldados mortos nos campos de batalha onde, segundo o escritor britânico Robert Graves (1895-1985), “das valas e trincheiras exalava um mau cheiro de gás, sangue, lidite e latrina”.
Eis aí outra inovação usada pela primeira vez numa guerra: o gás tóxico. Seu inventor, o renomado cientista químico Fritz Haber (1868-1934), judeu alemão nascido na Polônia e convertido ao cristianismo. É conhecido como o “pai de guerra química” por seus trabalhos no desenvolvimento e uso do cloro e outros gases tóxicos utilizados na frente ocidental, nomeadamente em Flandres, entre 1915 e 1917. O próprio cientista Fritz Haber fez questão de presenciar pessoalmente a primeira aplicação de gás como “arma” moderna de aniquilamento em massa na região de Ypern (Bélgica), em 22 de abril de 1915, quando morreram 6 mil soldados, a maioria senegaleses, marroquinos, turcos e canadenses que lutavam ao lado das forças francesas. Posteriormente outras nações também usaram o gás como arma letal. Estima-se que mais de 1 milhão de pessoas, entre soldados e civis, morreram em virtude de gás e 1 milhão de soldados retornaram com graves deficiências físicas ou mentais permanentes também em virtude do gás.
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Cena da 1ª Grande Guerra Mundial: mais de 13 milhões de mortos e 21 milhões de mutilados e traumatizados[/caption]
Seguido a esta primeira aplicação de gás Fritz Haber continuou com a sua “guerra doméstica”. Sua esposa, Clara Immerwahr, como ele uma reconhecida química, vinha acompanhando de mau grado e criticando abertamente os experimentos do marido. Com a sua formação química ela bem imaginava os resultados que os estudos do esposo poderiam causar. Várias vezes pedira que abandonasse o projeto. Mas Fritz Haber era um homem intransigente. Na noite de 2 de maio de 1915, dez dias após a primeira aplicação de gás em Ypern, Clara Immerwahr escreveu várias cartas a diversos amigos. Às duas da madrugada foi ao corredor da casa onde marido costumava pendurar sua arma num gancho. Suicidou-se. As cartas que os serviçais tinham visto sob a escrivaninha desapareceram. Fritz Haber foi laureado com o Prêmio Nobel de Química em 1918!
Jan Gotlib Bloch (1836-1902), empresário, publicista e pacifista polonês — conhecido na França por Jean de Bloch, na Inglaterra por Ivan Bloch e na Alemanha por Jan von Bloch —, é autor de uma impressionante obra sobre o desenvolvimento técnico militar. Curioso é que o autor morreu 12 anos antes da 1ª Guerra Mundial. Sua obra, “A Guerra do Futuro”, um trabalho em seis volumes, foi publicada pela primeira vez em Berlim em 1899 e reeditada várias vezes, foi muito lida na Europa durante a primeira metade do século 20. O autor previu, com muita acuidade, os desenvolvimentos técnicos registrados antes e durante a 1ª Guerra Mundial. É uma obra clássica, válida até hoje, na História do Pacifismo.
Herfried Münkler, um dos renomados historiadores da atualidade, já citado em meu trabalho anterior (Jornal Opção, Edição 2.034) em recente palestra na Universidade de Heidelberg à qual o autor deste texto teve a oportunidade de assistir, declarou que “soldados, oficiais e generais tecnicamente experimentaram e aprenderam muito na 1ª Guerra Guerra, o que lhes foi de enorme vantagem na 2ª Guerra Mundial. Talvez seja este o único vínculo real que existe entre a 1ª e a 2ª Guerra Mundial”.
Outros autores como Erich Maria Remarque (“Nada de Novo no Front”), Ernst Glaeser (“Classe 1902”), Arnold Zweig (“Educação Antes de Verdun”), Henri Barbusse (“Le Feu — Journal d’une Escouade”), Robert Graves (“Good-Bye to all that”) e Ernst Jünger (“Im Stahlgewitter-Tempestades de Aço”) narraram em detalhes o dia a dia e as bestialidades nos campos de batalha. A obra de Henri Barbusse, Prix Goncourt em 1916, foi traduzida em 60 línguas. As mencionadas obras foram publicadas nos 15 anos subsequentes à guerra e os autores foram participantes ativos em combates. Daí o realismo e a dramaticidade com a qual descreveram os acontecimentos. São estes, além de muitos outros, livros seminais para quem quiser aprofundar-se no assunto.
No final do século 19 e no início do século 20 o Império Alemão sentia-se rodeado de inimigos: ao leste a Rússia, ao oeste a França e no norte a Grã-Bretanha. De fato entre a Rússia e a França já em1892 havia sido firmado um pacto militar, mais tarde transformado em aliança militar.
Por precaução ou ambição, a Alemanha começou a elaborar um plano de defesa ou eventual ataque. Responsável pelo plano foi o general Alfred von Schlieffen, chefe do Estado Maior do Exército Imperial Alemão de 1891 a 1905. O documento, conhecido por “Plano Schlieffen”, já estava pronto em 1905, nove anos antes do rompimento da guerra e já inseria, sem que alguém do Estado Maior o percebera, a derrota da Alemanha Imperial e seus aliados.
O que ainda se discutia era se o ataque deveria começar no leste com a Rússia ou pelo oeste com a França. Os militares alemães, ao declarar a guerra contra a Rússia, em 1° de agosto de 1914, não acreditavam que esta poderia mobilizar suas tropas em curto prazo. Optaram, portanto, por atacar primeiro a França (que, a partir de 1900 fraquejava internamente em virtude do caso Dreyfuss), resolver o assunto em poucos dias e em seguida concentrar todo e efetivo militar contra a frente leste . Foi o primeiro erro do plano, pois a Rússia conseguiu mobilizar as suas tropas rapidamente e, não demorou, a Alemanha viu-se confrontada em um guerra de duas frentes. Além disso, o Plano Schlieffen partiu das experiências da Guerra Franco-Alemã de 1870/71, quando os franceses, que ainda não a tinham esquecido, puseram-se em fuga ao aproximar das tropas alemãs.
O segundo erro fatal do Plano Schlieffen consistia no fato de que os soldados das tropas alemãs marchariam, sem interrupção, no mínimo 30 kms por dia a fim de cercar Paris em 31 dias. Tal não correu, pois, contrariamente à guerra de 1870/71, desta vez os franceses não bateram em retirada e reagiram violentamente, o que prolongou o avanço dos exércitos alemães e propiciou os preparativos dos exércitos russos.
Outro erro crucial do Plano Schlieffen foi a invasão da Bélgica em agosto de 1914, cuja neutralidade a Alemanha tinha garantido já em 1839. Incompreensível é o fato de que a invasão da Bélgica neutra não foi contestada por nenhum dos membros do Estado Maior. Segundo o historiador Gerd Krumeich, esta medida foi “militarismo em sua forma mais pura pois necessidades militares foram postas acima de ponderações políticas e acima do direito internacional”. Em vista disso a comunidade internacional passou a ver a Alemanha como agressora e a invasão da Bélgica provocou a participação da Inglaterra , que a França chamara por auxílio, nesta guerra.
Encontramos-nos no início de 1917 e três quartas partes do mundo lutavam contra as forças do centro formadas pelo Império Alemão, a dupla Monarquia Áustro-Húngara, o Império Otomano, a Bulgária bem como a África Oriental e Ocidental Alemã, Camarões e Togo. Países do Oriente Próximo, que na época tinha outras delimitações, também aderiram às forças centrais. A Nova Guiné, na época alemã, também aderiu. Alguns países europeus como a Espanha, Suécia, Noruega, Finlândia e Islândia mantiveram-se neutros.
Muitos países só entraram no conflito quando a guerra já estava em andamento. A Bélgica, neutra, invadida pelas tropas alemãs em agosto de 1914, aderiu à Entente (Entente Cordiale) como era chamada a coligação de países formado pela Rússia, França, Grã-Bretanha, logo no início do conflito. Em seguida a Sérvia (6 de agosto de 1914), Japão (23 de agosto) também declararam guerra às forças centrais. Seguiu a Itália (1915), Portugal e Romênia (1916), o Canadá e os Estados Unidos (em 1917) além da Grécia, a China e os países do sul da Ásia e da Ásia Central que, na grande maiora, faziam parte da Rússia. Além disso mais dez países da América Latina, entre os quais também o Brasil, aliarem-se à Entente.
Assim a 1ª Guerra Mundial foi a primeira guerra global, se bem que a maioria dos países que aderiram à Entente ou às forças centrais, nunca teve participação ativa no desenrolar dos acontecimentos. Tratou-se de uma participação simbólica no sentido diplomático. Mesmo assim este conflito mobilizou um efetivo de 66 milhões de soldados e deixou um saldo de 13 milhões de mortos, entre os quais 5 milhões de civis e 21 milhões de mutilados e traumatizados para o resto da vida. Estas cifras são aproximadas pois há países que participaram do conflito e até hoje não apresentaram dados exatos, de forma que, passados cem anos, as verdadeiras dimensões do conflito ainda não podem ser determinadas e talvez nunca serão.
Pergunta-se como foi possível isso? “Só” porque um príncipe herdeiro, Franz Ferdinand, fora morto por atentado na Sérvia, um país periférico da Europa, um príncipe que nem benquisto era! Segundo Ludwig Winder, autor de uma biografia com o título “Der Thronfolger” (O Sucessor no Trono), publicada em 1937 e reeditada recentemente (Editora Zsolnay) por oportunidade do centenário desta guerra, “ninguém gostava dele e ele não gostava de ninguém... era ríspido, tratava mal seus seviçais e demais colaboradores...era avarento aos extremos... escondia seus complexos atrás de um enorme bigode... casara com uma mulher que nunca fora aceita pelos austríacos por não ter sido da linhagem dos habsburgos...”.
Não pode ser e em verdade não o foi. Houve muitas questões ocultas por trás do atentado com antecedentes mais latentes do que explícitos. O leitor interessado que queira aprofundar-se neste tema, que é profundamente interessante do ponto de vista histórico, terá que fuçar fundo nos milhares de compêndios e milhões de cartas de soldados à disposição.
Christian Staas, chefe de redação da revista “Die Zeitgeschichte”, editada em Hamburgo, no editorial do número 1 de 2014 escreve: “Cem anos após o início do conflito, 75 anos após 1939 e 25 anos após o conflito Leste-Oeste, renasceu o interesse por esta guerra já quase esquecida”.