A avalanche migratória divide a Europa
12 setembro 2015 às 12h57
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Problema precisa dos esforços de todos, pois é, na verdade, global e não apenas da Alemanha

Em fevereiro passado os ministros da pasta exterior dos 28 países da União Europeia (UE) reuniram-se em Bruxelas para tratar da distribuição justa entre os países membros de 40 mil refugiados trancafiados há tempos em precários acampamentos no sul da Itália e da Grécia.
A reunião tinha como objetivo aliviar os dois países, em virtude de sua posição geográfica, da responsabilidade em abrigar, alimentar e prestar auxílio médico a milhares de refugiados e do ônus financeiro que a tragédia acarreta.
A reunião de fevereiro terminou sem que houvesse acordo. Alguns países negaram aceitar um número de imigrantes calculado à base de uma fórmula ainda a ser estabelecida. Não houve entendimento.
Uma segunda reunião com o mesmo objetivo teve lugar também em Bruxelas em princípios de julho. Dessa vez, no entanto, não mais se discutiu sobre a distribuição de 40 mil refugiados retidos na Itália e na Grécia. O número já aumentara para 60 mil. A reunião terminou como a primeira: não houve acordo.
Uma terceira reunião em Bruxelas terminou na sexta-feira, 4 de setembro. Neste encontro, o número já aumentara para 120 mil. Resultado: sem consenso. Novo encontro está marcado para outubro.
O exposto mostra a indescritível falta de solidariedade de alguns países europeus diante da dramaticidade do assunto e a divisão da Europa no que diz respeito a esta crucial situação. As imagens dos dramas, alguns de partir o coração, que se passam na rota balcânica, nomeadamente na Hungria, Albânia, Macedônia, Sérvia etc., foram divulgadas e comentadas à exaustão pela mídia internacional.
A chanceler da Alemanha, Ângela Merkel, reconhecendo a magnitude do que ainda estará por vir, declara: “O problema europeu com a dívida da Grécia é apenas um pequeno problema comparado ao que virá sobre a Europa com a onda migratória em andamento”.
O Tratado Internacional de Dublin III, em vigor desde 1997, estabelece as regras que regem os requerimentos de asilo nos países da União Europeia. Todo refugiado procedente de um país em guerra, ou perseguido político ou religioso em qualquer país, tem o direito de requerer asilo em um país europeu. O requerente tem a garantia de que seu pedido será devidamente analisado e, como resultado, aceito ou refutado. (Estes termos encontram-se também na Constituição da Alemanha). O governo do país no qual o requerente entrou pela primeira vez é responsável pela tramitação do requerimento.
As impressões digitais do requerente, colhidas no país no qual o asilante entrou pela primeira vez, são trocadas com os demais países através do sistema EURODAC, um sistema automatizado que permite a comparação digital dos requerentes para evitar que um mesmo indivíduo entre com um ou mais pedidos de asilo em diferentes países e impede que receba auxílio material ou financeiro de diversas fontes.
As autoridades da Alemanha estimam que, em 2015, chegarão ao país 800 mil refugiados; algumas fontes admitem que este número poderá chegar, ou mesmo ultrapassar, a casa de um milhão. A chanceler Ângela Merkel declarou com otimismo: “Nós vamos dar conta deste problema. Logo após a 2ª Guerra Mundial, quando a Alemanha ainda se encontrava em escombros, nós recebemos 2 milhões de refugiados do leste europeu, que aqui se integraram e formaram parte de nossa sociedade. Conseguimos a reunificação da Alemanha e, em poucos anos, foi-nos possível igualar o nível de vida de 18 milhões de alemães da Alemanha Oriental (comunista) ao do nível da Alemanha Ocidental”.
O otimismo irradiado por Ângela Merkel foi elogiado por uns e criticado por outros. Os críticos argumentam, com alguma razão, que os dois milhões de refugiados do leste europeu, após a 2ª Guerra Mundial eram homens, mulheres e crianças de língua alemã e de religião cristã. Não houve problemas de integração nem mesmo para os refugiados procedentes da então União Soviética, por terem estes sido descendentes de alemães emigrados para a Rússia no século 18 e 19 e que, em sua grande maioria, conservaram a língua de seus antepassados.
Em verdade, não é este o quadro que se apresenta com a atual onda de refugiados. Os que vêm não dominam o alemão e cerca de 95% confessam o islã. Alguns grupos europeus, em especial os da direita radical, veem neste fato um estopim social, uma bomba relógio.
Enquanto a Europa discute e não encontra acordo, a Alemanha age. Os refugiados que chegam inicialmente são encaminhados a um dos 28 centros do governo federal onde são registrados e posteriormente entregues aos cuidados dos diversos estados da federação que, por sua vez, os encaminham aos alojamentos nas municipalidades. A maioria dos alojamentos estão superlotados, razão pela qual muitos refugiados estão sendo alojados em barracas, aposentos não adequados diante do inverno europeu que está prestes a chegar. Wolfang Schäuble, ministro das finanças da Alemanha, liberou 6 bilhões de euros (cerca de R$ 26 bilhões) para medidas imediatas.
A distribuição entre governo federal, estados e municípios está sendo feita à base de uma fórmula calculada no número de habitantes de cada estado da federação e o montante de impostos arrecadados, de forma que os estados mais ricos alojem número maior do que os menos ricos. O sistema funciona na Alemanha. Infelizmente não funciona à nível europeu.
Martin Schulz, presidente do Parlamento Europeu, resume: “Abrigar um milhão de refugiados é um problema para a maioria dos países europeus. Mas a Europa, com 520 milhões de habitantes, não deveria ter nenhum problema para abrigar alguns milhões de refugiados”.
Maior chance de asilo terão refugiados de zonas de conflito como Síria, Iraque, Nigéria, Eritreia, Etiópia, Somália, Afeganistão e outras. Menos chance terão os procedentes dos países dos Bálcãs, cuja região de momento não está sendo vista como zona de conflito e, por isso, repatriados.
A Alemanha é o pais que, numericamente, mais refugiados tem abrigado. No entanto, em relação à população, a estatística europeia apresenta outra configuração. Dessa forma, para cada mil habitantes, a Suécia abrigou 7,8 refugiados; a Hungria 4,2; Malta 3; Suíça 2,7; Noruega 2,5; Alemanha 2,1. No patamar inferior da escala, situam-se: França 0,9; Grécia 0,7; Finlândia 0,6; Grã-Bretanha 0,5; Polônia 0,2; Espanha 0,1 e a República Tcheca com 0,09! (Os dados são da Eurostat e referem-se aos requerimentos de asilo para o ano de 2014).
Viktor Orbán, chefe de governo da Hungria, que na Europa tem se destacado por suas tendências nacionalistas, em entrevista em Bruxelas disse: “A Europa não tem problema. Quem tem um problema é a Alemanha. Todos querem ir à Alemanha”.
A situação na Hungria tornou-se crítica pelo fato de os refugiados terem-se recusado a registrar-se naquele país, pois viam a Hungria apenas como país de trânsito para seguir a outros países. Caso registrados na Hungria e refutados em outros países, segundo o acordo de Dublin III, teriam que ser reencaminhados à Hungria onde ninguém quer permanecer.
No auge desses acontecimentos, os governos da Hungria e da Polônia informaram que não admitiriam a entrada de refugiados islâmicos; o governo da República Tcheca foi mais além: informou que não admitiria nenhum refugiado, no que está sendo apoiado por 94% da população.
Diante dessa situação e das imagens dantescas presenciadas na Hungria e na Macedônia, a chanceler Ângela Merkel, mais uma vez pragmática, demonstrou espírito humanitário. Em telefonema com Viktor Orbán, ignorando Dublin III, pediu-lhe que deixasse os refugiados seguir, mesmo sem registro na Hungria, à Austria e à Alemanha. Em consequência, em apenas três dias, no fim de semana de 4 a 6 de setembro, 27 mil refugiados aportaram à estação central de Munique, no sul da Alemanha.
O pedido de Ângela Merkel à Viktor Orbán foi feito sem consulta prévia às autoridades da Baviera. Detalhe admirável deste episódio: as autoridades da Baviera, com o auxílio de milhares de pessoas particulares, deram conta do problema. Encaminharam, sem maiores incidentes, 27 mil pessoas aos centros de distribuição oficial.
O episódio demonstrou que o Acordo Dublin III perdeu sua validade e terá que ser adaptado à nova realidade. Ângela Merkel, que já lidera a política europeia há longo tempo, projetou-se, ou foi projetadada, a personalidade política inconteste a nível mundial. Kofi Annan, ex-secretário-geral das Nações Unidas, em entrevista à TV alemã, declarou: “Ângela Merkel tem as qualificações para assumir responsabilidade maior na Europa e no mundo”.
Jean-Claude Juncker, presidente da Comissão Europeia, por esses dias deverá apresentar um plano para comprometer os governos dos 28 países da União para assumir compromissos igualitários. Juncker já fala da distribuição de 160 mil pessoas.
A tragédia, no entanto, não termina com um compromisso entre os países da União Europeia. Que acontece com os demais 60 milhões de refugiados que, segundo as Nações Unidas, vegetam em acampamentos no Iraque, na Síria, no Líbano, na Jordânia, no Afeganistão, no Paquistão, na Faixa de Gaza, na Turquia, na Somália, na Eritrea, na Grécia, na Itália e outros países? E quem é que poderá predizer quando terminará este movimento em direção à Europa? E o que acontecerá se a Rússia meter-se no conflito da Síria?
Viktor Orbán enganou-se. O problema não é só da Alemanha e nem só da Europa. Desde a Idade Média, não houve movimento migratório nessas proporções. Nenhum país do mundo está em condições de resolver sozinho o drama de 60 milhões de refugiados a nível mundial. De nada adianta criticar, pois a palavra do momento, em seu mais amplo e profundo sentido, é “Humanidade”.
O problema, portanto, é global e o mundo confronta-se com uma tragédia que tende a agravar-se e destabilizar a comunidade internacional da qual você, caro leitor, também faz parte. l